sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Lealdade



No universo das virtudes humanas, existem algumas palavras discretas, que são pouco lembradas ou comentadas, a palavra lealdade talvez seja uma delas. Alguns dicionários a colocam como sinônimo de fidelidade, será mesmo? O fato é que a lealdade parece abarcar um significado mais amplo, algo mais abrangente e controverso; uma palavra que embute a insegurança da opinião parcial daquele que observa a cena de dentro do cenário e a ótica distante da plateia, que não é capaz de compreender todo enredo até o desfecho da trama, mas que ao final pode elaborar seu julgamento a partir do que foi observado.

É interessante ressaltar que está palavra, sabe-se lá por qual motivo, ficou aparentemente imune às influências dos conceitos morais, religiosos, sociais e políticos que ditam o “bom” comportamento do homem, tanto é verdade, que os dicionários trazem em suas definições sobre a palavra lealdade, coisas do tipo:

Qualidade, ação ou procedimento de quem é leal;

Sincero, franco e honesto. Fiel aos seus compromissos

Existem muitas outras definições, mas para resumir, pode-se afirmar que lealdade é possuir honestidade, franqueza, sinceridade; enquanto o termo fidelidade exprime a exatidão em cumprir suas obrigações, em “pagar” suas promessas.

Ao contrário da lealdade, a fidelidade não teve a mesma sorte, a sacralização dessa palavra a converteu num ícone, banalizando a essência de seu significado e dando outra conotação ao vernáculo, ela tornou-se um instrumento de doutrinação, sendo empregada a todo o momento para lembrar, por exemplo, que a “fidelidade” ao Criador deve ser incondicional, impondo aos “fiéis” uma “verdade” que eles devem obedecer cega e “fielmente”, sem questionar a natureza daqueles mandamentos forjados no fogo da manipulação dogmática, do temor e do castigo celestial. O conhecimento, a vontade, o pensamento próprio e a liberdade, são uma ameaça a fidelidade, como parecem afirmar alguns que se arrogam estar acima das pessoas comuns, gabando-se de sua fidelidade ao “verbo”, proferindo sermões aos demais, do alto de sua “sabedoria”, como se ali estivessem manifestando a vontade de Deus diante dos olhos dos crédulos,que incautos à ameaça que os cerca, aceitam conformados a sua condição inferior, aprisionados pela teia da ignorância de si mesmos.

Mesmo que tudo indique que estes significados reflitam a compreensão dessas palavras no conceito comum, ordinário, podendo-se dizer, politicamente “correto”, há, no entanto, uma evidente associação entre lealdade e fidelidade, apesar disso é possível destacar algumas particularidades, a lealdade expressa de forma mais eloquente a cumplicidade, a amizade, é um pré-requisito para a outra, enquanto a fidelidade está mais relacionada ao comprometimento, fato que de certa forma restringi a aplicação do termo ao compromisso assumido, aquele que se submete em função de alguém ou de alguma coisa, é configurado numa relação de confiança, de mutualidade, que determina a qualquer um que se diz fiel, seja lá ao que for, a necessidade obrigatória de seguir uma determinada linha de conduta política, religiosa, ideológica, e que cuja pena em caso de desvio, caracteriza a mácula da traição, da infidelidade aos conceitos que anteriormente se admitiu. Poder-se-ia insinuar que a lealdade exprime uma qualidade que se dá por opção, de forma natural e a fidelidade como se resultasse de uma restrição, uma imposição.

A lealdade transparece um aspecto mais fluido, profundo e espontâneo, fato que não a isenta de também poder estar ligada a correntes doutrinárias, políticas ou ideológicas, porém como assinalado acima, essa conotação aparenta ser mais branda ou menos contundente.

Especular sobre este tema suscita tantas reflexões que é praticamente impossível não extrapolar o assunto para o legado cultural de que temos sido vitimas ao longo dos anos e que por tanto tempo vem sendo inculcado na mente dos mais novos, submetendo-os a toda sorte de preconceitos e regras de conduta que convergem com os ditames sociais e religiosos. Resiste a esperança de que essa linha comportamental venha perder força ao longo tempo, graças ao acesso ao estudo, o conhecimento e a cultura que libertam a mente desses paradigmas doutrinários e tabus. Não é segredo algum que ainda hoje exista entre os jovens um certo culto em torno da virgindade, aludindo a castidade daquela mulher que paradoxalmente foi mãe, sem nunca ter amado um homem, sendo inseminada pela providência divina, expressando o clímax da fidelidade que se presta ao Criador, como ainda fazem muitas mulheres que se entregam a vida eclesiástica.

Há também o preconceito machista de alguns homens que se vangloriam desta escolha feminina, “companheiros” de esposas que se pouparam para o “homem de suas vidas“, muitas vezes abrindo mão da própria felicidade, uma vez que pouca referência tem para elaboração de algum juízo de valor sobre o amor dado por aquele homem a quem chamam de marido, que em muitos casos não retribuem a conduta recatada de suas parceiras, ignorando o sacrifício que lhes foi oferecido, refletindo além da infidelidade conjugal, a deslealdade e a ingratidão, em nome de sua questionável virilidade masculina, muitas vezes regida simplesmente pelo instinto.

Claro que esta discussão que nos inquieta desde os primórdios da história humana tem suas peculiaridades, é interessante observar que embora seja contraditório, a lealdade e a fidelidade não são inseparáveis ou complementares como parece, uma coisa não está condicionada a outra, seria muita ousadia dizer que um casal pode ser leal e infiel ao mesmo tempo? A primeira vista parece que sim, mas ao se observar os relacionamentos ditos “modernos”, ou aqueles chamados “abertos”, “liberais”, a ótica sobre o assunto muda de ângulo. O tal “swing” ou troca de parceiros, é a infidelidade consentida e participada de cada membro deste relacionamento, em que houve um consenso anterior onde ambos concordaram com as regras do jogo, portanto, se foi pactuado, não houve traição. Neste caso, a infidelidade não está desassistida da lealdade, afinal, poder-se assumir que deslealdade ou ser desleal consiste em fazer algo escuso, sem o aval ou consentimento moral do outro, uma dedução simples, mas que traz a reboque a lógica que lhe é inerente, desmistificando a sagrada fidelidade e desvencilhando-a da lealdade.

Outro aspecto relevante que paira sobre a distorção do significado de fidelidade é aquele que incute sobre esta palavra a ideia do egoísmo, algo que é comparável ao vínculo que se faz a um juramento ou uma promessa. Os seres humanos tem uma inclinação natural a querer “possuir” coisas além daquilo que chamamos material, não é raro observar que o ato de possuir extrapola do objeto para a pessoa amada, “beltrano é meu”, “fulana é minha”, em resumo, na vida a dois, por mais que um queira pertencer ao outro, essa conduta possessiva e exclusivista adquire um contorno materialista, o do direito de propriedade; neste comentário não está se aludindo ao adultério ou coisa parecida, mas sim ao que interessa, a divergência entre a fidelidade e a lealdade. Não é difícil perceber que na vida de um casal, independentemente se terceiros são ou não bem vindos, que existe uma discordância  entre o “eu” e o “nós”, “meu” e “seu”; a fidelidade não embute em seu significado esta abrangência sobre a cumplicidade do sentir e do pensar que devem reger uma relação sadia entre duas (ou mais)* pessoas. Num relacionamento saudável ninguém precisa concordar sempre com o outro ou baixar a cabeça às vontades de um dos lados, que o digam as mulheres, notoriamente, algumas ainda são vítimas, subjugadas a força a este tipo de situação. A lealdade não cobra do parceiro a obrigação do compromisso assumido, como evidencia a fidelidade, ao contrário, está balizada no equilíbrio, na sensatez, na vontade de querer o melhor para sua cara metade, ela é celebrada quando ambos alcançam o objetivo juntos, de forma serena, tranquila, sempre respeitando os limites do outro e os valores celebrados entre eles.

* A palavra fidelidade é de certa forma exclusiva, no âmbito familiar seu uso se limita praticamente ao casal, excluindo os filhos e parentes de merecedores dessa qualidade, no entanto, a lealdade não. Qualquer pai, mãe, filho ou parente podem ser leais entre si, e embora não seja usual, também fiéis às pessoas e aos princípios morais que norteiam as boas atitudes no convívio familiar e social.

Uma pessoa leal constrói dentro de si uma base sólida de valores e conceitos éticos que a tornam em primeiro lugar fiel a si mesma, as suas ideias e convicções, mantendo-a sempre aprumada, consciente de que a traição principia internamente, no pensar e no sentir, dentro de cada um, local em que suas consequências podem ser contidas, resguardadas do mundo real, portanto menos danosas. Submeter-se a essa provação faz parte da vida, gratificando o ser humano de que ele é capaz de superar seus instintos e deficiências. A tarefa pode ser árdua, mas não é impossível, desde que se queira vencer o comodismo e a superestimação, aproveitando o teste para averiguar a quantas anda o nível de racionalidade e como está o domínio sobre a impulsividade. Tudo isso faz rememorar que embora homem não seja perfeito, não deve se entregar passivamente para as fraquezas que o assolam e descambar para a libertinagem. A exteriorização destes pensamentos e sentimentos materializa a traição, a falta de lealdade com si mesmo e com os valores que num certo momento se acatou livremente por opção, convicto de que se tratava da melhor escolha. Essas atitudes muitas vezes impensadas configuram o desprezo pela confiança concedida e demonstram a ruína da própria dignidade, é olhar para o espelho e ver refletida a fraqueza do caráter, a falsidade, a falta de comprometimento com aqueles que acreditaram em alguém que não merece o respeito que recebe, para aqueles que possuem alguma consciência, é relembrar que se é desleal.

Lealdade e fidelidade. Duas palavras complexas e controversas, principalmente fidelidade, a quem estão associados uma variedade de aspectos culturais que influenciam sua interpretação de acordo com as convenções sociais e religiosas locais, enfatiza que não importa como elas serão empregadas, o que importa é compreender seus significados e se possível, colocá-los em prática. Ser leal é simples, é guardar um segredo, estender a mão que acode, ser discreto e educado, resumindo, basta fazer o bem, é suficiente. Qualquer conduta de bem, provavelmente, levará a fidelidade aos bons princípios a culminar nela própria, como consequência de uma postura leal.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Instinto



Desde a antiguidade vem-se tentando estabelecer um consenso sobre um dos assuntos mais controversos da história humana, portanto qualquer ensaio sobre este tema tão complexo seria apenas mais uma gota num oceano de reflexões e contradições que vem ocupando muitas mentes brilhantes ao longo da caminhada humana na busca por respostas. Tecer considerações sobre o instinto curiosamente remete a uma profunda auto-observação da conduta pessoal, neste caso, servindo como baliza para redação de qualquer coisa útil, algo que pudesse agregar algum valor as pessoas interessadas sobre esse incógnito, e quem sabe, trazendo alguma reflexão nova.

De acordo com os dicionários é um estímulo ou “impulso” natural, involuntário, através do qual animais e também homens praticam certas ações sem saber os fins ou propósitos destas atitudes. Essa definição embora sucinta e um tanto simplista, incita uma seqüência de interrogações sobre este assunto. Será mesmo que o instinto se manifesta de maneira involuntária como afirmado acima? Poderíamos acatar essa explicação partindo da premissa que ela abrangeria somente o comportamento animal, ainda assim cabe perguntar, seria possível um ser humano agir de forma involuntária em condições normais, sem que houvesse a intervenção de um centro nervoso mais elaborado como o cérebro? E a consciência, onde ficaria nesta história, afinal essa não é uma das características de ser racional, possuir um motivo, uma “razão” que dispare uma reação muscular frente a um evento ou ameaça? Atribuir aos instintos uma responsabilidade sobre atitudes inconseqüentes, inoportunas e imponderadas configuram mais que esta “inconsciência”, é uma síntese do sonambulismo. Essa paralisia cerebral que muitas vezes culmina nas atitudes mais bizarras, sugere que a bestialidade humana lamentavelmente pode ser consciente, ou seja, exceto os sonâmbulos, o restante da humanidade age desperta, e se movimenta “acordada”, biologicamente, da mesma forma que os “animais”, animados por milhões de impulsos nervosos comandados pela parte “superior” do encéfalo. Seguindo o conceito biológico, que compreende o homem meramente como um animal enquanto criatura viva, essa afirmação não parece nenhum absurdo dependendo da ótica utilizada para analisá-la, principalmente quando se constata que ele pode ser regido pelos instintos em alguns momentos, assim como uma marionete a mercê de alguma força primitiva rompante. Em quantos casos percebe-se que essa justificativa é muito conveniente, delegar aos instintos ou alguma alteração psíquica a conseqüência dos comportamentos errôneos, ou da expressão da maldade humana, tratando isso como se fosse algo involuntário, é infelizmente, bastante comum.

Tal assunto, de tão labiríntico, exige mais que divagações superficiais sobre ele, não dá para abordar o aparentemente simples “instinto” sem se calçar de alguma informação mais elaborada, que tenha sido martelada ao longo dos tempos, no entanto, sem que se conseguisse molda-la ou chegar a uma unanimidade, uma explicação definitiva sobre ele.

Um dos primeiros a se pronunciar sobre ele foi o filósofo grego Sócrates (469 – 399 a.C.), ou seja, há mais de dois mil anos busca-se uma definição sobre o que seja instinto. Será que na busca pelo racionalismo Sócrates almejasse a posição de precursor de uma nova cultura, de uma nova etapa da humanidade, onde os princípios basilares constituíam-se do emprego da inteligência subsidiados pelo absolutismo racional, evitando ao máximo as manifestações dos instintos humanos, aquela energia que movimenta o homem e pode levá-lo a demonstrar seu lado mais sombrio, seus sentimentos mais primitivos? Esse questionamento foi  fundamentado simplesmente na forte ênfase socrática para utilização da razão e suscita outro em paralelo; o racionalismo radical seria um mecanismo subjetivo de auto-afirmação pessoal buscando uma forma de controlar as manifestações destes anseios “animais”? Partindo-se do pressuposto que a manifestação do instinto atenta contra a “consciência”, que além de ser uma prerrogativa humana, é também um referencial muito importante para o mundo filosófico. Talvez Sócrates soubesse respondê-la.

Discípulo de Sócrates, Platão (428 – 347 a.C.) elaborou sua concepção a respeito do ser humano, que compreendem uma parte material e outra etérea, que seria sua parte divina, conforme afirmava ele, atribuindo a ela um caráter imutável, enquanto a física, sucumbi aos efeitos do tempo e de sua própria condição, submetendo-a a constantes alterações. Segundo ele, nascemos com alma “perfeita”, mas não temos consciência disso, essa perfeição se refletia então nas verdades essenciais que estão gravadas indelevelmente na alma de cada um, mas devido às restrições do corpo físico, esses conhecimentos são “esquecidos” ao nascer. Segundo Platão a alma é dividida em três dimensões, uma delas, a do ser vivo, designa que o ser humano enquanto criatura vivente possui dois instintos naturais, o de sobrevivência e o de reprodução, que também é comum aos outros seres vivos.

Quais foram as observações que conduziram Platão a estas conclusões? O que levou ele a atribuir somente à fisiologia humana a responsabilidade pela procriação o a manutenção da vida? Por exemplo, dissociar o sexo e a fome das virtudes associadas ao intelecto é até razoável, mas seria justo? Teria ele estabelecido uma analogia com a sensação de satisfação e paz que se experimenta após o orgasmo ou a alimentação, sensação esta que serena, pelo ou menos momentaneamente, a tensão que impulsiona a manifestação destes instintos humanos. Aparentemente, para ele, os instintos seriam parte dessas restrições que o corpo impõe sobre a alma.

Durante idade moderna, surgem novas compreensões sobre os instintos, mais adiante na idade contemporânea o nascimento da psicologia trouxe novos ares e mais dúvidas sobre o controvertido assunto, apresentando uma nova série de considerações e interações para se questionar.

Coincidência ou não, o fato é que Freud (1856 – 1939) também dividiu o aparelho psíquico humano em três partes básicas, assim como Platão havia feito com alma humana dois mil anos antes. Freud nomeou estas partes como Consciente, Pré-consciente e Inconsciente, alegando que há conexões interligando todos os eventos mentais, no entanto, aqueles pensamentos ou sentimentos que aparentemente não estão relacionados a uma ordem de precedência estariam conectados ao inconsciente. Segundo o pai da psicanálise, o inconsciente abriga os elementos instintivos, que são alheios a consciência, e também os pensamentos reprimidos e censurados pela moral e pelos costumes, inculcados pela cultura vigente em que o ser se encontra inserido, mais os traumas. Ainda segundo Freud, esse material psicológico não é esquecido, mas apenas mascarado pela consciência que reluta em admiti-lo. Apesar da nomenclatura, o “inconsciente” freudiano não é estático e indiferente, existe vida no seu material, mantendo as memórias intactas, sem comprometer seu fator emocional, aspecto observável quando por algum motivo,  estas afloram. Paradoxalmente Freud acreditava que grande parte da “consciência” era “inconsciente”, que vários traços da personalidade humana, os impulsos (pulsões) e a energia psíquica são manifestações do inconsciente.

Para Freud os instintos ou pulsões humanos diferem daqueles que orientam o comportamento animal, entretanto, enquadra os instintos como necessidades físicas, muitas vezes suplantando a racionalidade.

Ele afirmou que o instinto possui quatro componentes característicos: uma fonte, uma pressão, um objeto e uma finalidade. A fome pode ser um exemplo banal, mas é bastante ilustrativo. O corpo carece de energia, então necessita de nutrientes para mantê-lo, “a fonte”. Quanto maior for a necessidade de energia, maior é a “pressão” que aflora à consciência, então sente-se fome. Essa sensação tende a aumentar até que a fome seja satisfeita pelo “objeto”, neste caso, a ingestão do alimento (da comida), atendendo consequentemente sua finalidade.

Interessante na observação freudiana é a vinculação do instinto às necessidades do corpo físico como força motriz inicial, contudo desassocia a consequência do movimento do estímulo biológico primário nos seres humanos. Deste raciocínio ele deduziu que o mecanismo para um ser humano satisfazer seus instintos está mais associado aos seus anseios psicológicos, que podem ser conscientes ou não, influenciados por uma série de fatores de natureza individual, como valores morais, éticos, religiosos, hábitos, possibilidades, etc.

Fundamentando-se no comportamento mental padrão, que presumi uma pessoa normal e saudável, Freud elencou uma diversidade de instintos, mas direcionou sua atenção para o que ele chamou instintos básicos, constituídos de duas forças instintivas contrárias, a sexual, fisicamente gratificante, e a agressiva ou destrutiva, sendo que primeiro sustenta a vida e o segundo ocasionalmente pode levar a morte, geralmente atuando, na maioria das vezes, de forma subliminar, sem que se perceba, agindo sobre os pensamentos muitas vezes de forma conjunta. A primeira força ele atribuiu a atuação da “libido”, desejo em latin, a segunda não recebeu nenhuma nomenclatura especial.

Em consonância aos conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente, Freud propôs os três elementos básicos da pisque: o Id, o Ego e o Superego. Embora todos sejam importantes, o primordial na atuação dos instintos é o id, que é inato, abrangendo tudo que herdamos, é intrínseco ao ser e aos instintos, decorrem de seu próprio corpo e se manifestam psiquicamente através de sistemas incógnitos, constituindo a personalidade mais primitiva, natural do homem, sujeita as necessidades do corpo, do ego e do superego. Em suma o id abriga o inconsciente, seus sentimentos e desejos mais profundos repelidos pela consciência, ou nunca experimentados por ela.

O Ego corresponde a parte psíquica que interage com o mundo externo, derivado do Id, ele vai moldando a personalidade do ser a medida que este desenvolve sua “consciência”, sua noção do “eu”, aprendendo a controlar as manifestações do Id (pulsões), mantendo sanidade mental. Atuando como intermediário entre o real e o mental, cabe a ele associar as respostas físicas às informações captadas pelos sentidos, zelando pela integridade do ser enquanto criatura biológica vulnerável aos agentes externos e internos não só físicos, mas também psicológicos, filtrando os estímulos de natureza sensível, preparando-o para se integrar convenientemente a vida. Essa interação entre o Id e Ego, é fundamental para amenizar a manifestação dos instintos, racionalizando se a pulsão dever ser ou satisfeita e quando.

O último componente deste trio, o Superego como próprio nome indica está acima do Ego, ele age como árbitro mental julgando os pensamentos oriundos do Ego, onde segundo Freud ficam armazenados os valores morais, conceitos e condutas sociais cerceando os excessos da personalidade sob a atuação da consciência, da observação de si próprio em conformidade com as concepções que foram elaboradas no íntimo de cada um.  

Apesar de configurar-se como a manifestação da consciência individual e censor, o Superego pode também ser vitima da inconsciência, sucumbindo às compulsões que atuam na mente de forma indireta. Mesmo estando sujeito a algumas fragilidades o Superego enquanto estrutura da personalidade está menos suscetível as pulsões do Id (instintos) constituindo um elemento fundamental para reduzir as tensões decorrentes dele, sobretudo no que tange ao conceito das projeções, formadas a partir da manifestação inconsciente dos desejos sobre a percepção consciente, aludindo ao fato de que parte do comportamento humano pode ser acarretado por atitudes inconscientes.

Mesmo que muito do que Freud tenha dito não corresponda aos conceitos mais atuais da psicanálise, ele como um dos precursores desta ciência que abriu as portas da mente humana tentando revelar os seu mistérios, deixando um legado inquestionável sobre a manifestação dos instintos, apesar das contradições.

As observações sobre a psique humana são um assunto tão vasto que talvez seja impossível esgotá-lo completamente, talvez porque à medida que vão se desvelando os segredos da mente outros emergem a superfície reiniciando novamente o ciclo a partir deste. O que de fato tem sem observado na prática é a interação entre os princípios filosóficos, psicológicos e empíricos, trazendo aos pesquisadores uma nova ótica e resultados mais satisfatórios sobre o comportamento humano no que se refere aos instintos. Essa abordagem tentando esboçar minimamente esse aspecto do comportamento humano demonstra quão difícil é compreendê-lo. Se os estudiosos enfrentam desafios desta grandeza, imaginar a situação das pessoas comuns frente à manifestação dos instintos seria então uma covardia; mas é preciso encontra alguma forma de enfrentar sua ditadura, superar os obstáculos internos que levam a essa submissão inconsciente, deve-se lutar contra ela através do conhecimento de si mesmo sem que se precise apelar para os dogmatismos, conceitos e convenções inculcados pelas crenças e religiões, que percebendo a prevalência dos instintos sobre a razão, não demorou a criar mecanismos que pudessem sobrepujá-los, de que forma, associando a eles a vontade do divino, de um ente superior ao ser humano, dando a conotação de que o desrespeito a estas regras constituiria a desobediência a vontade do Criador, condenando o homem a sua incurável imperfeição, ao limbo da existência, descrente de sua própria capacidade de se superar e redimir.

Independentemente de como deverá se processar esse embate, o fato é, em função da racionalidade humana a prevalência da razão sobre os instintos é mais que uma obrigação, é a confirmação da condição humana de pensar, por que caso contrário, estar-se-ia assumindo outra condição, a de inferioridade perante o que há de mais primitivo existente no comportamento humano, quando deixar-se reger pela impulsividade consuma de forma irrevogável a situação “animalesca” a que se está submetido. A gravidade deste quadro se acentua quando se observa a consequência da atuação de suas manifestações mensurando seus resultados desastrosos. Não é difícil identificar na própria vida como podem ser devastadores os efeitos do instinto, não raramente, mergulhando sua vítima num quadro que pode ir muito além do simples arrependimento e da depressão ocasionados pela tomada de atitudes impensadas. A atuação dos instintos podem trazer comprometimentos jurídicos e eventualmente até a própria morte, exemplificada tantas vezes na tragédia que muitas brigas de trânsito se converteram para seus atores, tanto agentes, quanto vítimas, em que o saldo comum é que ambos os lados saem perdendo; tornaram-se presas fáceis do instinto.

É triste constatar que apesar de toda cientificidade sobre o assunto, grande parte dos seres humanos continua escrava de seus hormônios e necessidades físicas não vitais, permitindo que estes se sobressaiam sobre valores pessoais assumidos pública ou individualmente perante si mesmo, que deveriam balizar e nortear a conduta ética e moral humanas, traindo a si próprios, suas convicções e aqueles que confiaram. Acontecimento notório que desgraça muitas vidas que quiseram se aproveitar de um momento furtivo, instante esse que pouco ou quase nada agregaram a formação deste ser inconseqüente dos riscos a que se expôs.

Não se trata aqui da repressão deliberada aos instintos humanos, mas da importância que deve ser dada ao pensamento e a razão antes de entregar a manifestação deles. A autoridade da consciência é primordial para que se possa no mínimo almejar um domínio sobre eles, e essa obediência poderá ser obtida na medida em que cada um seja capaz de tornar-se senhor de si mesmo, de aprofundar-se dentro do “eu” individual, averiguando quem está no comando da situação, e a seu juízo fazer a escolha que julgar conveniente. Pelo ou menos, assim, não caberão justificativas para si mesmo.

O agir influenciado pelos instintos nivela o ser humano por baixo, levando-o a bestialidade, ao não pensar. É precipitado e imediatista, representado pelo querer puramente irracional, sem a substância ou o conteúdo da razoabilidade, sucumbindo a vontade primitiva, como um animal qualquer, neste aspecto ele é igualitário, destruindo a individualidade, remetendo o homem a vala comum da indiferença, que significa a perda do direito de escolha sobre seus atos, a subserviência cega as aspirações físicas e biológicas, confirmando a ausência de lucidez que se está imerso. Essa entrega perniciosa corrompe as estruturas mentais em prol de um comodismo que enfraquece o esforço de evolução e no mínimo engessa a racionalidade, sujeitando o ser humano a falta de civilidade que inviabiliza convívio social em certas ocasiões.

É preciso salientar que a liberdade de expressão e a espontaneidade em nada podem ser comparadas às manifestações do instinto. São coisas divergentes em suas origens e suas essências, não devem ser confundidas de maneira alguma, essa confusão consistiria no consentimento de que as coisas podem ocorrer ao bel prazer da inconsciência, esse comportamento mergulharia a sociedade humana numa anarquia regida pela bestialidade e pela força bruta, tornando-a escrava dos próprios instintos e ainda mais sujeita a barbárie que assola a humanidade periodicamente, tolhendo aquilo que o homem tem de mais nobre, a capacidade de pensar por si só. Controlar as pulsões e optar pelo caminho correto, o menos tortuoso, aquele que só se pode explorar quando é percorrido acompanhado da observação e da inteligência, que devem atuar de forma ampla e irrestrita, concede ao andarilho a possibilidade de reconhecer qual das alternativas é verdadeiramente boa, imputando a cada um a responsabilidade de suas próprias escolhas, feitas à luz da consciência e não somente sob a influência dos instintos.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Solidão



  Hoje vivemos num mundo tão “pequeno”, que não existem distancias maiores que aquela que separa a ponta dos  dedos das teclas de um computador, por outro lado, ou em conseqüência disso, o ser humano talvez nunca tenha estado tão desacompanhado do outro, que assim como o primeiro (ser), também pode ter se tornado vítima da mesma condição que assola a sociedade contemporânea. Embora este seja um assunto mais que em voga e que caibam sobre ele toda sorte de argumentos, discorrer sobre a solidão converte-se numa tarefa laboriosa quando se extrapola seu significado contemplando seus aspectos mais elevados, fugindo do ordinário, do significado comum, que normalmente a associa a dor e ao isolamento.

  As atribulações da vida moderna tem imposto a uma grande quantidade de pessoas certas circunstâncias da quais não podem fugir. Não é raro conhecer alguém que esteja nessa situação, freqüentemente até no seio familiar encontramos um parente incluído neste cenário, acostumados ao convívio social, os familiares tendem a lamentar a situação do próximo, mesmo que este tenha escolhido esta condição por vontade própria. Relacionar o sofrimento as pessoas solitárias é natural, faz parte do senso comum, contudo não que dizer que elas padeçam desta “infelicidade”, pelo contrário, muitos se glorificam por se encontrarem neste estado, que de certa forma concede a liberdade de agir sem ter que prestar satisfação a ninguém. Embora essa “liberdade” seja inerente aos que vivem sós, o preço que ela cobra pode ser bastante alto. Mesmo que a tecnologia brinde ao homem a possibilidade de se comunicar e até ver outras pessoas que podem estar a milhares de quilômetros de distância, ela não reparte as contas, não divide as tarefas do lar, não fornece um ombro amigo para encostar-se. Normalmente a solidão física sucumbe a primeira enfermidade, que seja apenas uma gripe mais forte, já é o suficiente para buscar ao próximo, até por prudência e sensatez. Quantas pessoas não deixaram este mundo precocemente vítimas de um mau súbito porque não tiveram quem os acudissem na hora. Infelizmente, a solidão aflige muitos seres maduros, que sob o peso dos anos acumulados, estão frágeis, muitos com a saúde comprometida, carecendo mais que nunca da companhia que conforta e assegura.

  O estar só é bastante relativo, quantas vezes um indivíduo se vê só no meio da multidão, quem nunca se perdeu dos pais, principalmente quando pequeno e mesmo estando em meio a outras pessoas experimentou o desespero da solidão momentânea, pior ainda quando ela é perene, potencializando a sensação de isolamento que se consuma no vazio, na falta da vontade de viver, quanto até mesmo “Deus” aparenta ser incapaz de preenchê-lo. Ao cético cabe então uma preocupação maior, apegar-se a quê ou a quem nessas horas, quando ele próprio já não é mais capaz de bastar-se, e a racionalidade não traz nenhuma resposta plausível, ter que resignar-se a certeza da miséria do que se é, meramente matéria humana viva, privando-se do alento da possibilidade de transcendência do espírito do homem.

A sapiência da natureza é notória. Pelos processos naturais, desde o acasalamento e a concepção dentro do útero materno que acolhe e protege a formação de um novo ser até o nascimento para vida, tem-se a companhia de alguém. Para alcançarmos a maturidade precisamos dos cuidados, do acompanhamento, do aprendizado dos mais velhos. Esse processo não ocorre por acaso. Que se saiba, ninguém sobrevive ou se faz sozinho, é necessário tempo para aprender a andar pelas próprias pernas antes de se aventurar pelo mundo e decidir sobre as escolhas que definirão os caminhos a serem seguidos. Optar pela solidão é um deles, embora algumas vezes a vida não deixe muitas alternativas, dificilmente ela privará alguém de encontrar outra pessoa, a menos que ela mesma não queira ou se permita a isso. Comentar sobre este assunto controverso é delicado, essa condição muitas vezes ocorre de forma inconsciente, oculta nos arcanos do psiquismo humano, em muitos casos mergulhando o ser na depressão, refletindo na dificuldade de se relacionar, na afetividade, no medo de amar, etc. Muitas vezes o isolamento de que se é vítima pode ser conseqüência dos critérios adotados para avaliar o outro, quando se é severo demais ou pouco tolerante, restringi-se a possibilidade de sucesso na busca por qualquer coisa, ainda mais quando essa coisa trata-se da cara metade. A simetria perfeita, exceto nos domínios da matemática, inexiste, o príncipe ou a princesa encantados são tão irreais quanto o encantamento que lhes é inerente. Trazer os pés à terra e procurar dentro de si mesmo, os conceitos que fundamentam essa postura, permite reavaliar as expectativas com relação ao outro, podendo facilitar o entendimento das causas para a solidão, esse pode ser bom um começo para aqueles que procuram vencer esta condição.

  Curiosamente essa situação configura uma contradição também habitual, aquele que se encontra acompanhado costuma lamentar a privação da liberdade que a solidão lhe concede e o que está só, reclama a ausência da companhia do parceiro, no entanto, o contrário é mais veemente e qualquer um que tenha experimentado a segunda condição tende a concordar com o fato.

  Dissociar o sofrimento, da solidão, como é entendido pelo senso comum é complicado, mas não impossível. Quantas vezes se almeja o estar só, traduzida na famosa expressão: “me deixa, quero ficar sozinho(a)”, que de tão corriqueira  não lhe é dada a relevância que merece. Tudo indica que os filósofos tenham percebido isso antes, talvez por exercitar mais profundamente sua faculdade pensar, vislumbraram a importância da solidão por outra ótica, aquela que repercute na conduta de si mesmo, compreendida pelo recolhimento a que se submetiam para tentar entender a si próprios, os outros e o mundo, que define o que é solitude.

  Contrariando os ditames da “Natureza” e as evidências evolutivas, o pensamento existencialista define a solidão como essência do humano, alegando que cada um vem ao mundo sozinho, passando pela vida como um ser em separado (um individuo, que é único, singular), e ao final da jornada morre sozinho, conformando-se a essa situação e aprendendo a partir dela como conduzir a vida. Essa concepção conflituosa confrontando a realidade dos fatos suscita alguns questionamentos, embora o existencialismo não se resuma a esta afirmação, cabe perguntar onde os filósofos dessa escola embasaram esta compreensão, talvez fosse fruto da solitude a que se submeteram, espelhando nos seus conceitos suas próprias vivências. Aparentemente esses aspectos não encontram uma correspondência palpável no mundo real. Essa orfandade ao longo do percurso da vida chega a ser cruel, e condenaria a existência humana a uma solidão permanente, tanto que outra vertente do existencialismo defende exatamente o oposto, onde os indivíduos devem se vincular uns aos outros formando um universo comum, em que criam e se comunicam, a solidão neste caso, constitui-se do sentimento de estar ausente a este universo. Uma ideia mais compatível a dependência e a vulnerabilidade humana.

  Arthur Schopenhauer (1788-1860) intitulou um texto com a seguinte frase: “Quem não ama a solidão, não ama a liberdade”, embora seja ácido em suas colocações, muito do que Schopenhauer afirma é procedente a luz da razão e demonstra como a solitude pode ser benéfica a construção do ser humano. Essa dedução pode estar ligada ao fato de que quando se está só, reservamo-nos a companhia do próprio “eu”, dos questionamentos, dos pensamentos e quiçá das compreensões. Esse ponto de vista é muito alentador, enxergar essa “solidão” como uma oportunidade para evoluir é de certa forma bastante estimulante. Nesses momentos em que se pode desvencilhar das aparências para ser pura e simplesmente o que se é, inteiro, incondicionalmente livre, que se deve aproveitar a ocasião para examinar as experiências únicas que cada um tem no transcorrer da vida, refletindo sobre as coisas boas e ruins que aconteceram, reconsiderando os fatos, construindo juízos que possam nortear a conduta individual para que ela aponte para o que há de mais nobre naquilo que ainda pode ser realizado, corrigindo injustiças, remediando os litígios e reatando laços rompidos.

  Esquivar-se da solidão física é mais que razoável, é saudável, bem pelo ou menos é o que comprova um estudo realizado pela Universidade de La Trobe na Austrália, que pesquisou cerca de dez mil mulheres e homens casados durante 15 anos e constatou que os casais vivem mais que os solteiros, principalmente no que tange ao universo masculino, mas essa abordagem bio-psico-social tem cunho meramente didático, servindo apenas como um alerta para aqueles que desejam viver sós. A solitude, porém consiste de um direito a privacidade, da vontade de ficar sozinho, essa reclusão é normalmente voluntária, muita vezes precisa-se dela para colocar as ideias em ordem, sem que isso configure algum suplício ou sofrimento, mas sim uma oportunidade para serenar a mente e avaliar os fatos de forma mais justa e imparcial, compreendendo melhor as causas e as consequências das nossas atitudes e as dos outros, tendo em foco que tudo isso colabora com a estabilidade emocional, tão necessária para si encontrar em paz.

  Estar sozinho ou acompanhado é tão questionável quanto o valor que se dá a condição de autonomia ou de sujeição que cada um destes termos encerra. Talvez não seja sempre, mas em grande parte das vezes constitui-se de uma escolha pessoal, portanto para finalizar este texto deixo duas citações populares que ensejam essa contradição, mas com apelos divergentes, um racional, o outro sentimental, fica a mercê das reflexões de cada um, aquela que melhor lhe convém.

“Antes só que mal acompanhado (a).” – Anônimo

“Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão.” – Vinicius de Moraes

Dedico este texto a minha irmã, que trouxe elementos do seu viver me incentivando a escrevê-lo.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Simetria



  Talvez fora observada primeiramente pelos matemáticos, no mundo dos polígonos ela se expressa em várias  formas geométricas planas ou espaciais e constitui-se resumidamente da reflexão da outra metade de um objeto ou coisa, igual ao espelho plano que reflete em sua face outra imagem, que embora apareça invertida em relação a original, é absolutamente idêntica, uma cópia "espelhada" dela. Não é somente no campo da matemática que ela se faz presente, também na física, biologia, arte, literatura e em outros aspectos da vida humana ela está evidente.

  É importante destacar que fora dos domínios da matemática e da geometria que pressupõe à simetria uma semelhança exata, conferida pela sobreposição pontual do objeto, assegurar que duas partes de um mesmo objeto sejam totalmente idênticas denotaria uma falácia. A similaridade ou a semelhança, por mais perfeitas que sejam, acabam por sucumbir a alguma diferença, mesmo que ela seja praticamente invisível, esboçam inevitavelmente alguma alteração. Ainda assim, pode-se deduzir que a simetria se aplica também a semelhança muito próxima, sem que essa demonstre de fato a igualdade absoluta. Essa percepção da similaridade está associada talvez ao raciocínio espacial que o cérebro humano é capaz de realizar a partir de uma visualização parcial, "podendo imaginar” uma concepção do todo que está encoberta ou que ainda não pôde ser observada. A utilização desta faculdade possibilita, por exemplo, conceber um rosto que foi visto apenas de perfil, ou seja, a outra metade “simétrica”, foi construída no interno mental utilizando recursos inatos da mente de qualquer pessoa, que misteriosamente compõe muitos dos conceitos humanos intuitivos sobre a simetria.

Esses conceitos são demasiado complexos, sem que se perceba interferem profundamente em nossas compreensões a respeito dos objetos, dos eventos e do mundo onde se está inserido. O ser humano tende a associar a beleza ao simétrico, e isto é normal, ela faz parte do nosso dia a dia e está presente em grande parte do que se conhece da natureza e do universo. Essa familiaridade torna a simetria invisível, ela é muito comum, normalmente só se percebe a ausência dela quando a coisa observada, geralmente simétrica, foge a esta regra. O mundo e o cosmos esta repleto de assimetrias e por isto é tão rico, tão diverso, tão belo, obtendo o equilíbrio a partir do seu próprio reverso, como a outra metade do simétrico.

Uma característica da simetria é a invariância, que associa ao objeto o aspecto imutável, aquilo que não está sujeito ou é propício a alguma transformação. A precoce física newtoniana considerava a velocidade da luz uma invariante, embora hoje se saiba eu sua velocidade de propagação se altera em função do meio, assim como as naturezas de tempo e espaço analisadas sob o olhar da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que reconduziram a uma nova compreensão sobre as constantes físicas, até então consideradas absolutas. Equívocos são normais, os primeiros astrônomos pensavam que as órbitas planetárias eram circulares, quando na verdade são elípticas.

  Aplicar o cartesianismo sobre a simetria é um comportamento razoável, desde que se parta do pressuposto que ela não está sujeita a controvérsia. Essa regra se fundamenta na observação do palpável, do concreto, do que pode ser atestado como verdade, falseando tudo aquilo que não satisfizer as exigências que se aplicam ao universo real. Descartes baseava suas observações respaldando-se em si mesmo e na natureza das coisas, a filosofia racionalista tem  a observação como premissa, evita o empirismo, almeja o conhecimento intelectual obtido a partir do questionamento, do que se experimenta e se compreende dele, sempre sob a tutela da razão. Apesar dessa inclinação, Descartes esbarra na sua convicção pessoal da existência de Deus, que ele define como a própria perfeição e argumenta que essa noção do divino não poderia partir do homem, porque este é um ser imperfeito. Embora esses conceitos metafísicos possam ter sofrido influências da época e do ambiente que Descartes se encontrava, não é possível, entretanto, dissociar deles a assimetria que lhes é intrínseca  corroborada pela própria controvérsia do que ensejam, consequência da confrontação do sensível, do intuitivo, com o racional, avalizada por ele quando afirma sua concepção sobre a dualidade da criatura humana, ilustrada pela fusão da mente e do corpo numa conformação única. Ironicamente a simetria depende da duplicidade, ou seja, não existe sozinha, ela só se manifesta em decorrência de sua condição bilateral ou radial, mas sempre subordinada à dependência complementar de suas contrapartes “simétricas”.

  Na natureza a simetria se evidencia em vários aspectos, principalmente nos seres vivos do mundo animal. Entre os vegetais a simetria coexiste com a dissimetria sem que se perceba, ao observar grande parte das flores ou frutos se torna muito evidente a presença da simetria, mas basta ir pouco além para identificar a ausência dela, como no crescimento do caule, na disposição dos galhos, no desenvolvimento da raiz, que são regidos sabiamente pela necessidade natural de distribuição do peso. Poder-se-ia argumentar que isto também seria uma forma não aparente de simetria. Outros aspectos da natureza, no entanto, são totalmente assimétricos, os geográficos, por exemplo, é praticamente impossível conceber a simetria neste campo, imaginar uma paisagem totalmente simétrica é praticamente inconcebível, isto porque o cérebro humano não está acostumado a este tipo de simetria, tente imaginar um oceano de ondas simétricas.

  Seria a percepção do simétrico um eco da compreensão humana do seu habitat, ou é consequência de um costume, produto de um hábito, de uma conduta adaptada a realidade deste mundo aparentemente “simétrico”?

  É possível constatar que a natureza na busca pelo equilíbrio sempre irá infringir a “lei da simetria” quando necessário. Várias obras humanas refletem isso, existem inúmeros exemplos na arte, na arquitetura, nos objetos de consumo. Imagine uma xícara sem asa, uma chaleira sem alça ou sem bico, portanto, é mais que óbvio que a assimetria é tão necessária quanto seu contrário.

Extrapolando as características materiais que são conferidas a simetria, há de se observar também que os pensamentos podem ser simétricos. Atribuir a eles uma ideia de proporção, equilíbrio, harmonia é muito conveniente no sentido mais negativo de seus significados.

  A simetria se torna nefasta quando a busca pela “igualdade” se propaga do material para o mental, essa migração perniciosa pressupõe o conformismo. A a similaridade no pensar esconde maliciosamente o condicionamento, a obediência, a submissão. Essas características são notórias em toda forma de dominação ideológica. Tal convergência alude a perda da individualidade e da condição do livre pensar. A pluralidade é um ingrediente indesejável nestes meios porque impede a previsibilidade do pensamento homogêneo, doutrinário, que assegura a letargia comportamental, inibindo a atuação da consciência e consequentemente a reação a doutrina.

  Este espectro assombra muitos seres desatentos ao "mundo" em que se encontram. Sob a égide do pensamento simétrico, que busca a ordem, a coesão do sentir e do pensar, as crenças e as doutrinas constroem seus centros de adestramento mental. Alijados de suas capacidades cognitivas mais elevadas, a criatura humana que se interna plácida e inerte nestes ambientes, dificilmente conseguirá, por vontade própria, ou lucidez, emergir sua cabeça para respirar o ar da liberdade, do contrário e do diverso. Sua clausura é incentivada a todo o momento sob a alegação de que a mudança leva à desarmonia, a desintegração, a perdição, apelando para insegurança e o sentimentalismo humano de forma pequena e rasteira, explorando todas as vulnerabilidades e fraquezas psíquicas possíveis.

  Aparentemente não é contraditório afirmar que o pensamento assimétrico garante ao homem um direito fundamental à sua existência, o de pensar por si próprio, livre dos temores e dogmatismo inculcados pelos condicionamentos de qualquer ordem. A simples garantia da liberdade de pensar por si mesmo justificaria sua adoção, amparada na majestosa sabedoria da Natureza que condiciona a simetria à dependência mínima da dualidade. A exatidão simétrica também é linda e maravilhosa em suas manifestações, pode e deve ser aproveitada como parâmetro comparativo na busca pela compreensão, utilizando-a para contrapor a variedade das partes numa busca por incoerências até se alcançar uma resposta plausível para vários questionamentos. Qualquer que seja o método adotado, ambas se complementam, desde que norteadas pelo derradeiro bom senso, que segundo Descartes, cada um de nós o tem praticamente em sua medida exata, no entanto, esta atrelado ao fato de como conduzimos nossos pensamentos e aos parâmetros pessoais que adotamos para avaliar parcialmente a coisa ou evento observados. 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Tábua de Salvação


  O texto abaixo consiste de um diálogo leve e descontraído, merece ser lido pelas reflexões que suscita, por isso foi "postado" aqui. Marcos Barbosa também redigiu outras obras interessantes. Mais informações sobre o autor encontram-se ao final do "post".

A Tábua de Salvação


Cenário: Uma praça no centro de uma cidade, com uma placa ao fundo: PRAÇA DA CONQUISTA.


O professor, de 51 anos, anda com um prego e um martelo na mão para um lado e outro, na Praça da Conquista.

Jamila é uma moça de 21 anos, pregadora, chega portando uma Bíblia debaixo do braço e começa o diálogo.
-Jamila: Professor, o que o Sr. Está fazendo com este prego e este martelo na mão?
-Professor: O mesmo que você está fazendo com a Bíblia debaixo do braço.
-Jamila: Como Professor? Eu estou com a Bíblia e vou fazer uma pregação e o Sr. vai fazer o quê?
-Professor: Uma pregação também.
-Jamila: Aonde? Aqui na praça agora não pode porque é a minha vez e é chegada a hora de pregar a palavra do Senhor.
-Professor: Fique tranqüila minha filha, pode pregar à vontade porque eu ainda estou procurando a minha Tábua de Salvação, onde eu vou pregar o meu prego, com o meu martelo.
-Jamila: Aaaah!... Professor... O Sr. está parecendo aquele filósofo que saiu procurando um verdadeiro homem com uma lamparina na mão, em pleno dia, na praça de Atenas.
-Professor: Diógenes, nascido em Laerte, filósofo estóico... (o Professor fala o nome do filósofo em tom professoral, de quem está dando uma aula...
-Jamila: Obrigada pela lembrança Professor... É isso mesmo mas... (faz um gesto de quem vai iniciar uma pregação e é interrompida com a continuação da fala do Professor).
-Professor: ... A diferença é que ele estava procurando um homem e eu estou procurando a minha Tábua de Salvação.
-Jamila: Me diga uma coisa Professor... O que significa esta nova alegoria que o Sr. está lançando em plena Praça da Conquista? (Ao perguntar, a pregadora faz aquele “ar” de estudante universitária do interior do Maranhão.)
-Professor: É muito simples... O martelo representa a minha ignorância. O prego representa as perguntas que eu faço para a vida, à natureza e tudo que está à minha volta. A Tábua de Salvação é a própria natureza, o universo, DEUS, tudo que é desconhecido e que me causa inquietação espiritual. Esta curiosidade interminável é que me dá forças para o trabalho de expansão da consciência da realidade.
-Jamila:Mas o Sr. pode fazer tudo isso aceitando Jesus como seu salvador... Aí o Sr. não precisa mais procurar uma Tábua de Salvação.
-Professor: Vamos com calma menina... Jesus é um grande filósofo, mas não é mágico.
-Jamila: Mas então o Sr. não aceita Jesus como seu salvador?
-Professor: (ignorando a pergunta, mas sem arrogância, continua)... Cada vez que  eu tenho uma dúvida, ou quando alguma circunstância da vida me leva a reflexão filosófica, eu pego a minha ignorância, (levantando o martelo), aponto a minha pergunta, (mostra um prego), ou minhas perguntas, (retira um punhado de pregos do bolso) para a Tábua de Salvação e começo a pregar.
(Sob os olhos assustados da pregadora, de Bíblia na mão, aparece misteriosamente um anjo com uma tábua cheia de pregos. Através de gestos e tocando um no outro com cordialidade, professor e anjo demonstram bastante intimidade, sem trocarem nenhuma palavra. Enquanto isto a pregadora se recua e fica olhando a cena, de longe, bastante assustada. Juntamente com a cena ouve-se uma música clássica, que pode ser Carmina Burana, ou a mensagem oposta contida na Nona Sinfonia de Beethoven. Enquanto se toca a música, em alto volume, a cena de profunda amizade continua entre o professor filósofo e o anjo. Agora eles  já se falam mas não são ouvido pela platéia. Seus gestos e palavras que continuam não sendo ouvidos pela platéia acompanham o ritmo da música. Ao mesmo tempo, parece que tudo acontece em câmera lenta. Seus gestos e palavras inaudíveis interpretam a mensagem da música. O anjo e o filósofo  dançam solto, fazem gestos de maestro, como quem comanda uma orquestra. Esta parte vai depender da criatividade dos atores. A Jamila, que estava assustada num canto, do meio para o fim da música vai demonstrando afeição pelo filósofo e o anjo, vai se aproximando aos poucos, até  se entrosar com os dois velhos amigos. A peça termina com eles conversando animadamente, mas as palavras deles não podem ser ouvidas pela platéia, que só consegue ouvir a música. Os atores devem fazer o possível para interpretar a música, para que fique mais atraente, principalmente se esta peça estiver sendo apresentada a um público pouco afeiçoado à cultura clássica.
Para terminar, os três se despedem com beijinhos no rosto, Jamila e o anjo saem e o professor fica agradecendo os primeiros aplausos, abraçado com a tábua da salvação, que na despedida foi entregue solenemente pelo anjo. Ato contínuo os dois voltam a agradecem os aplausos da platéia ao lado do Professor.


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, fazer uso comercial da obra, desde que seja dado crédito ao autor original (Marcos Barbosa - www.recantodasletras.com.br/autores/marcosbarbosa). Você não pode criar obras derivadas.


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Consciência



  Consciência, privilégio dado aos seres racionais, muito mais que uma condição, um estado de espírito. Devida suas características transcendentais pressupõe uma percepção e acuidade dos sentidos humanos num patamar tão abstrato que a torna quase intangível. Pairam sobre essa palavra uma miríade de conceitos, definições, opiniões e contradições. A quem chegue a questionar a necessidade da racionalidade para a comprovação da consciência, existem suposições que facultam a outros seres vivos, chamados irracionais, a possibilidade de experimentar motivados pelo instinto, um estado primitivo de consciência. Como se pode notar, o assunto é de fato controverso, nebuloso e abrangente. Seria ousadia demais tentar abarcar num simples texto parte das peculiaridades que lhe são inerentes, contudo é possível tecer algumas considerações sobre o que seja consciência.

  A palavra consciência é empregada cotidianamente nas mais comuns e triviais atividades como parte corriqueira do vocabulário, é geralmente usada no sentido de conhecimento, noção, tomar ciência, consentimento, aprovação, etc, frequentemente respaldado por algum valor moral ou religioso. Mas acepção deste nobre vocábulo insinua um desígnio mais elevado, aquele que concede ao homem a capacidade de se reconhecer enquanto criatura pensante, que é mais complexo, possibilitando aprender, conhecer, experimentar e examinar as conseqüências de seus atos e sentimentos frente às outras pessoas e ao mundo, permitindo a própria percepção da individualidade humana, que torna cada ser racional, único, em todo universo, supondo a inexistência da dualidade “consciencial”.

  Desde a assimilação da concepção de consciência pelo intelecto humano, instigados inicialmente pelos aspectos metafísicos que lhe são intrínsecos, vem-se buscando compreender os mistérios acerca da raiz dos pensamentos do homem. Mesmo que se remonte a história aos tempos pré-científicos, não é possível ir muito além da Grécia antiga, berço da filosofia. Difícil especular porque os gregos tiveram essa propensão a questionar as idéias a respeito do mundo e as interações do homem com ele, mas foi contundente o bastante para mudar os rumos da humanidade desde então. Talvez não tenham sido somente eles, mas é certo que eles fizeram aflorar naquele momento mais que o pensamento, mas também os conceitos oriundos das reflexões sobre a natureza e as origens do homem. Quando o matemático fenício Tales de Mileto, fundador da escola Jônica, transmitiu aos discípulos suas compreensões sobre a Terra e sua astronomia, uma vez que não nos legou nada escrito, iniciou um movimento humano incessante pela busca sensata de respostas.

  O empreendimento desta jornada infindável a procura do real significado da consciência tem esbarrado ao longo percurso em todo tipo de obstáculo cultural, histórico, religioso, teórico, contemporâneo e anacrônico.

  A célebre frase de René Descartes “penso, logo existo”, suscita a o questionamento que lhe é inerente. Desde a mais tenra infância até a percepção do “eu”, que delimita a individualidade humana, consubstanciado no sentimento da autoconsciência, aquele que faculta a cada pessoa o próprio reconhecimento através da ocupação de seu espaço frente ao mundo e aos outros seres com quem interage. A compreensão dessa linha divisória é imprescindível para o reconhecimento individual, ela permite identificar-se dentro de um contexto mais amplo, o da natureza que nos envolve. Como consequência das experiências pessoais, vão sendo construídos os conceitos que erigem as compreensões a respeito do que é observado e vivenciado. Naturalmente ao longo do tempo esses valores tendem a se modificar influenciados meio onde cada um habita e desenvolve seus juízos a respeito do mundo. Esse aspecto fundamental não deve ser ignorado em momento algum da jornada pela vida, porque dele derivarão o substrato duro ou permeável onde crescerá a consciência. Caso seja duro ou impermeável, a consciência o refletirá, tornando-se inerte e refratária a mudança e ao novo, o contrário, no entanto, permite a absorção de novas ideias e concepções a respeito do que se vive.

  Cada vez mais se percebe a busca pela informação, pela cultura, a tecnologia moderna propicia a um número incontável de pessoas o acesso ao conhecimento, extrapolando os limites geográficos das distâncias e do tempo que antes isolavam o saber humano em “tribos”. A derrubada dessas restrições concedeu as pessoas uma interação nunca antes vista, hoje a vastidão do planeta se resume a um apertar de teclas, não se justifica mais a alienação decorrente da contingência das fronteiras impostas pelo horizonte, que contido, resumia a esfera terrestre ao plano que podia ser observado. Bem aventurados sejam o ventos que trazem a qualquer um a brisa do saber, provendo o direito de se aventurar além do mundo concreto, palpável e plausível, fazendo progredir a consciência para o quê a caracteriza primordialmente, a sua origem enigmática.

  Reflexo das experiências acumuladas ao longo da jornada da vida, das concepções do bem e do mal, qualquer um está sujeito as suas próprias deficiências e propensões. É fácil se iludir, a natureza humana convida ao conforto e ao comodismo das verdades prontas, ignoto dessa condição muitos se deixam levar pelos conceitos alheios, atordoando os sentidos que buscam no conhecimento íntimo os ingredientes que misturados aos experimentos individuais culmirão na verdade obtida a partir das reflexões do próprio “eu”. Vítimas do senso comum, que escraviza e enfraquece a vontade, o homem se torna presa fácil de um modelo que lhe impinge uma barreira mental que não consegue transpor, produto do adestramento no qual se internou inconsciente de sua própria consciência.

  Formatada no molde existencial de cada um, a consciência expressa em si mesma a realidade em que a criatura humana se encontra exposta, consumada na declaração de Rousseau, “o homem é fruto do meio em que vive”, que também afirma que homem nasce “bom”, sendo corrompido posteriormente pela sociedade, ressalta a importância do zelo para com ela, não só como característica do psiquismo humano, mas como algo mais abrangente que a própria vida, considerando suas possibilidades metafísicas.

É inevitável fazer uma associação do conceito de inteligência emocional à consciência. As emoções humanas, que se constituem basicamente de sentimentos não podem ser ignoradas como coadjuvantes no processo de construção da consciência, simplesmente porque é praticamente impossível se desvencilhar delas ao raciocinar, refletir e compreender um novo pensamento ou conceito. Mensurar de forma hábil, imparcial e centrada as questões que são apresentadas pela vida não é tarefa fácil, a suscetibilidade aos sentimentos e estímulos de terceiros, intervém em nosso juízo comprometendo a clareza de pensamento tão necessária a identificação das experiências da vida. O mau uso das emoções prejudica a capacidade de filtrar as informações turvando o pensamento e o raciocínio. Ser capaz de controlar as variações emocionais, que ora se apresentam reprimidas, é um aspecto preponderante para o exercício pleno da consciência. Sucumbir ao sentimentalismo atrapalha o processo de autoconhecimento, principalmente quando essa condição implica na supressão das compreensões individuais. Muitas vezes essa anulação decorre simplesmente do medo em confrontar uma realidade onde podem estar inseridos outros seres humanos na qual se está envolvido, anulando as percepções oriundas da própria cognição. A necessidade de inter-relacionar não impede que se façam as próprias escolhas, através da inteligência, da educação, gentileza e afabilidade é possível contornar os entraves culturais, religiosos ou ideológicos, alcançando o sucesso na busca pela consciência, embora muitas vezes os argumentos sensatos, por mais inquestionáveis que sejam, esbarrem na nefasta barreira dogmática, configurada pela miopia mental que aflige os sectários.

  Tratando propositalmente com superficialidade os assuntos correlatos ao desenvolvimento da consciência individual, as religiões, crenças e doutrinas tendem a oprimir qualquer corrente de pensamento que ouse se rebelar contra suas verdades absolutas, esses opressores da atuação da consciência condenam e execram toda e qualquer forma de manifestação autônoma, justificando sua atitude na irrefutável vontade do aclamado ente superior. Mais que um direito, o questionamento é intrínseco ao processo de evolução humano, a negação do questionamento constitui-se por si só na renúncia a busca pela verdade, configurando a inquestionável dogmatização, que associa sempre que possível a perfeição a uma consciência superior, reservando somente aos crédulos e “dignos”, um espaço para o conhecimento das verdades de si mesmo e sua redenção.

  O cerceamento a reação é uma característica comum em qualquer processo doutrinário, visando nada mais que resguardar e manter imaculada a integridade de seu conteúdo, desdenhando outras fontes do saber, como se sua autoria constituísse a revelação de alguma divindade, ou de um ser iluminado, certificando-se de tratá-la como obra de algum emissário abençoado, aludindo a alguém mais evoluído que as pessoas comuns. Essa impostura configura-se na intransigência a manifestação da razão pela busca da verdade, tão necessário ao processo de modelagem de conhecimentos que poderão fazer parte da consciência. A admissão desse conceito assinala de forma indelével a sujeição do indivíduo a sua condição de incapaz de consentir suas próprias percepções, tolhindo-lhe mais que a liberdade de escolha, mas a reboque, também sua consciência, que anestesiada pelos dogmas torna-se incapaz de manifestar-se balizada pela razão, uma vez que, inadvertidamente, já admitiu sua própria condição de inferioridade perante aquele que ela mesma elegeu como ente superior.

  Qualquer tipo de sectarismo, que eleja seus messias, gurus ou mestres, demonstra a submissão à “verdade revelada”, independente do teor da mensagem transmitida, evidencia como sempre o condicionamento, a doutrinação, inibindo a livre atuação da consciência e da percepção da verdade. Atuando de forma sutil, transparente, praticamente invisível às faculdades de sentir e perceber daqueles que ingenuamente se acham capazes de pensar por si só.

  Ao dotar o homem de consciência a “natureza” brindou a ele uma dádiva, cuja base se fundamenta totalmente no exercício do livre arbítrio, a utilização dessa característica humana, só pode ser plenamente realizada quando os fatores de interferência externos não forem capazes de sobrepujar sua manifestação íntima e silenciosa.

  Sabendo-se que os conhecimentos são adquiridos de forma individual e aleatória de acordo com as experiências de cada um acerca de sua própria realidade, e sendo ela um conjunto de objetos nem sempre concretos, tem-se também que inferir através da sensibilidade as limitações lógicas de qualquer argumento. Essa relação de causa e efeito induz uma série de considerações sobre o raciocínio, que deve objetivar na medida do possível a aquisição de um novo conhecimento a partir de uma coleta de dados previamente selecionados, almejando algum de grau de assimilação a respeito dos mesmos, em síntese, a consciência aparentemente deriva dos processos resultantes da união do conhecimento, da experiência e do raciocínio pessoal.

  Paradoxalmente, o ato de raciocinar, tão peculiar a natureza humana, não pressupõe imediatamente o emprego consciência, constituindo-se basicamente de uma função cerebral, embora pressuponha inteligência, fato que naturalmente acontece ao se realizar cálculos mentais. Normalmente seus resultados se aplicam a obtenção de respostas curtas ou até a elaboração de argumentos sensatos que fundamentem a assimilação de algum conceito mais profundo sobre um assunto anteriormente observado e ponderado. Já o pensamento, produto elaborado da atividade de pensar, permite ao homem mais que perceber seu papel, inserindo-o no mundo, mas comprovar a expressão da consciência do espírito humano.

  Seria a consciência prerrogativa do pensamento, ou pensamento é fruto apenas da razão, da capacidade de raciocinar, ou ainda, a razão só se consumaria em resposta a atuação inteligência? Poder-se-ia deduzir que a consciência seria então o pré-requisito dessa tríade, constituindo desta forma uma contradição, sendo ela, ao mesmo tempo, a causa e a consequência de sua própria manifestação?

  Tentar conceituar filosófica ou cientificamente o que seja consciência é tão etéreo quanto sua própria confirmação. Esse fenômeno psicológico talvez esconda mais do que se pode ver a seu respeito, encobrindo na sua complexidade os aspectos metafísicos intrínsecos a existência de cada um. Dentre as qualidades humanas a consciência ergue-se soberana, valendo-se da completude do conhecimento que abarca na medida do que se vive, desta forma a cada dia vencido pode-se galgar um degrau a mais na escada da evolução. Partindo-se da premissa que não se pode renegar a existência de alguma coisa que ainda não se teve acesso, ser consciente é se permitir ao novo, ao desconhecido, consiste em quebrar paradigmas para ir além. É aniquilar o próprio medo da incerteza do eterno, conformando-se humildemente que talvez não seja possível entender tudo aquilo que se passa diante dos olhos, mas tendo a convicção de que apesar das limitações da percepção de nossa consciência, ela representa por si só, a vinculação a “algo” que está além de nossa própria existência.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O Pensamento Complexo



O texto reproduzido abaixo é de autoria de Humberto Mariotti e expõe de forma bastante profunda e conclusiva a sutil contradição inerente aos pensamentos de tudo que a vida nos possibilita conhecer e experimentar. O autor apresenta ao final um "check list" muito interessante a respeito do assunto abordado.


1. A complexidade não é um conceito teórico e sim um fato da vida. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira. É preciso, pois, tanto quanto possível entendê-los para melhor conviver com eles.
2. Não importa o quanto tentemos, não conseguimos reduzir essa multi-dimensionalidade a explicações simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras ou esquemas fechados de idéias. A complexidade só pode ser entendida por um sistema de pensamento aberto, abrangente e flexível — o pensamento complexo. Este configura uma nova visão de mundo, que aceita e procura compreender as mudanças contínuas do real e não pretende negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza, e sim conviver com elas.
3. Lembremos uma frase de Jean Piaget: "Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios". A experiência humana é um todo bio-psico-social, que não pode ser dividido em partes nem reduzido a nenhuma delas. Primeiro, percebemos o mundo. Em seguida, as percepções geram sentimentos e emoções. Na seqüência, estes são elaborados em forma de pensamentos, que vão determinar o nosso comportamento no cotidiano.
4. O modo como nos tornamos propensos (pela educação e pela cultura) a pensar é que vai determinar as práticas no dia-a-dia, tanto no plano individual quanto no social. Do ponto de vista bio-psico-social, o principal problema para a implantação do desenvolvimento sustentado (e portanto o desenvolvimento da cidadania) é a predominância, em nossa cultura, do modelo mental linear (ou lógica aristotélica, ou lógica do terceiro excluído).
5. Por esse modelo, A só pode ser igual a A. Tudo o que não se ajustar a essa dinâmica fica excluído. É a lógica do "ou/ou", que deixa de lado o "e/e", isto é, exclui a complementaridade e a diversidade. Desde os Gregos que esse modelo mental vem servindo de sustentação para os nossos sistemas educacionais.
6. Essa lógica levou à idéia de que se B vem depois de A com alguma freqüência, B é sempre o efeito e A é sempre a causa (causalidade simples). Na prática, essa posição gerou a crença (errônea) de que entre causas e efeitos existe sempre uma contigüidade ou uma proximidade muito estreita. Essa concepção é responsável pelo imediatismo, que dificulta e muitas vezes impede a compreensão de fenômenos complexos, como os de natureza bio-psico-social.
7. O modelo mental cartesiano é indispensável para resolver os problemas humanos mecânicos (abordáveis pelas ciências ditas exatas e pela tecnologia). Mas é insuficiente para resolver problemas humanos em que participam emoções e sentimentos (a dimensão psico-social). Um exemplo: o raciocínio linear aumenta a produtividade industrial por meio da automação, mas não consegue resolver o problema do desemprego e da exclusão social por ela gerados, porque se trata de questões não-lineares. O mundo financeiro é apenas mecânico, mas o universo da economia é mecânico e humano.
8. Desde os primeiros dias de escola (e de vida, dentro da cultura), nosso cérebro começa a ser profundamente formatado pelo modelo linear. Para ele, o predomínio de um determinado pensamento, com exclusão de quaisquer outros é "lógico" e perfeitamente "natural". Essa é a essência das ideologias em geral e do autoritarismo em particular. Desse modo, fenômenos como a exclusão social são também vistos como "lógicos", "naturais" e "inevitáveis".
9. O modelo mental linear-cartesiano forma a sustentação do empirismo, que diz que existe uma única realidade, que deve ser percebida da mesma forma por todos os homens. Hoje, porém, sabe-se que não existe percepção totalmente objetiva (ver abaixo, no item 11, a posição de Humberto Maturana).
10. Por isso, nos últimos anos esse modelo de pensamento tem sido questionado de muitas formas, inclusive pelo pensamento complexo. Este permite entender os processos autopoiéticos (autoprodutores, auto-sustentados, autogestionários), dos quais as sociedade humanas constituem um exemplo.
11. O pensamento complexo origina-se a partir da obra de vários autores, cujos trabalhos vêm tendo ampla aplicação em biologia, sociologia, antropologia social e desenvolvimento sustentado. Uma de suas principais linhas é a biologia da cognição, de Maturana, que sustenta que a realidade é percebida por um dado indivíduo segundo a estrutura (a configuração biopsico-social) de seu organismo num dado momento. Essa estrutura muda continuamente de acordo com a interação do organismo com o meio.
12. A diversidade de visões não impede (pelo contrário, pede) que cheguemos a acordos (consensos sociais) sobre o mundo em que vivemos. Esses consensos é que vão determinar as práticas sociais. Para que possamos chegar a consensos que levem em conta o respeito à diversidade de pontos de vista é necessário observar alguns parâmetros essenciais:
  •  O que chamamos de racional é o resultado de nossas percepções. No início, elas surgem como sentimentos e emoções. Só depois é que se transformam em pensamentos, que geram discursos, que por fim são formalizados como conceitos.
  •  O racional vem do emocional, não o contrário. Isso não quer dizer que devamos deixar de ser racionais. Significa apenas que precisamos aprender a harmonizar razão e emoção, pensamento mecânico e pensamento sistêmico. Essa é a proposta essencial do modelo complexo.
  •  Uma cultura é uma rede de conversações que define um modo de viver. Toda cultura é definida pelos discursos que nela predominam. Estes se originam nas conversações, que começam entre indivíduos, estendem-se às comunidades e por fim a todo o âmbito cultural.
  •  Os consensos sociais (que determinam, por exemplo, o que é permitido e o que não é, o que é real e o que é imaginário numa determinada cultura) resultam desses discursos, que por sua vez são oriundos das redes de conversação.
  •  Cresce-se numa cultura vivendo nela como um indivíduo participante da rede de conversações que a define. Crescer numa cultura significa, então, adquirir e desenvolver a cidadania.
  •  Uma cultura que não desenvolve a cidadania de seus membros não cresce, permanece subdesenvolvida. Logo, não pode sequer começar a pensar em desenvolvimento sustentado.
  •  Como vimos há pouco, todo sistema racional começa no emocional: o que pensamos vem do que sentimos. É por isso que nenhum argumento racional pode convencer as pessoas que já não estejam desde o início convencidas ou propensas a isso.
  •  Os argumentos racionais são úteis para iniciar conversações. Mas se eles insistem em permanecer lineares (ou seja, excludentes, apegados ao "ou/ou"), isso significa que querem manter-se como os únicos "verdadeiros", isto é, que não respeitam a diversidade. E esta, como sabemos, é a essência da cidadania.

13. Dessa maneira,
  •  Não se pode desenvolver uma compreensão satisfatória da cidadania e de desenvolvimento sustentado cuja essência seja apenas no pensamento linear.
  •  Por outro lado, o pensamento sistêmico, quando isolado, é também insuficiente para as mesmas finalidades.
  •  Há, portanto, necessidade de uma complementaridade entre ambos os modelos mentais. O pensamento linear não se sustenta sem o sistêmico, e vice-versa. O desenvolvimento sustentado precisa de um modelo de pensamento que lhe dê sustentação e estrutura. Este é o pensamento complexo.
  •  Como os processos de pensamento hegemônicos em nossa cultura estão unidimensionalizados pelo modelo linear, só um esforço educacional que comece na infância terá possibilidades de reverter de modo significativo esse quadro. Isso implica pelo menos o prazo de uma geração.
  •  No caso dos adolescentes e adultos de hoje, é possível alcançar mudanças substanciais nessa área, desde que eles sejam educacional e culturalmente sensibilizados.
  •  Para isso, é essencial a atuação das entidades do terceiro setor (entidades comunitárias), porque por meio delas é possível questionar a rigidez institucional e o modelo mental linear que, em geral, caracteriza as estruturas governamentais.


Pensamentos linear, sistêmico e complexo

1. Em primeiro lugar, lembremos o exemplo de Joseph O’Connor e Ian McDermott. A Terra é plana? É claro que sim: basta olhar o chão que pisamos. No entanto, como mostram as fotografias dos satélites e as viagens intercontinentais, ela é obviamente redonda. Concluímos então que do ponto de vista do pensamento linear, de causalidade simples e imediata, a Terra é plana. Uma abordagem mais ampla, porém, mostra que ela é redonda e faz parte de um sistema.

2. Precisamos dessas duas noções para as práticas do cotidiano. Mas elas não são suficientes, o que nos leva a ampliar o exemplo desses autores e dizer que:
a) do ponto de vista do pensamento linear a Terra é plana;
b) pela perspectiva do pensamento sistêmico ela é redonda;
c) por fim, do ângulo do pensamento complexo — que engloba os dois anteriores — ela é ao mesmo tempo plana e redonda.

3. Recapitulemos:

 O pensamento linear, ou linear-cartesiano, é a tradução atual da lógica de Aristóteles. Trata-se de uma abordagem, necessária (e indispensável) para as práticas da vida mecânica, mas que não é suficiente nos casos que envolvem sentimentos e emoções. Ou seja, não é capaz de entender e lidar com a totalidade da vida humana.

 O pensamento sistêmico é um instrumento valioso para a compreensão da complexidade do mundo natural. Porém, quando aplicado de modo mecânico, como simples ferramenta (como se vem fazendo nos dias atuais, principalmente nos EUA, no mundo das empresas), proporciona resultados meramente operacionais, que não são suficientes para compreender e abranger a totalidade do cotidiano das pessoas.

 Por outras palavras, o pensamento sistêmico pode proporcionar bons resultados no sentido mecânico-produtivista do termo, mas certamente não é o bastante para lidar com a complexidade dos sistemas naturais, em especial os humanos.

 É indispensável ter sempre em mente que, em que pese a sua grande importância, ele é apenas um dos operadores cognitivos do pensamento complexo. Por isso, quando utilizado, como tem sido, separado da idéia de complexidade, diminuem a sua eficácia e potencialidades.

 O pensamento complexo resulta da complementaridade (do abraço, como diz Edgar Morin) das visões de mundo linear e sistêmica. Essa abrangência possibilita a elaboração de saberes e práticas que permitem buscar novas formas de entender a complexidade dos sistemas naturais e lidar com ela, o que evidentemente inclui o ser humano e suas culturas. As conseqüências práticas dessa visão bem mais ampla são óbvias.

Alguns princípios do pensamento complexo
  •  Tudo está ligado a tudo.
  •  O mundo natural é constituído de opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares.
  •  Toda ação implica um feedback.
  •  Todo feedback resulta em novas ações.
  •  Vivemos em círculos sistêmicos e dinâmicos de feedback, e não em linhas estáticas de causaefeito imediato.
  •  Por isso, temos responsabilidade em tudo o que influenciamos.
  •  O feedback pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço.
  •  Todo sistema reage segundo a sua estrutura.
  •  A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua organização.
  •  Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais.
  •  Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis.
  •  Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo.
  •  Nunca se pode fazer uma coisa isolada.
  •  Não há fenômenos de causa única no mundo natural.
  •  As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus componentes.
  •  É impossível pensar num sistema sem pensar em seu contexto (seu ambiente).
  •  Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa.


Alguns benefícios do pensamento complexo
  •  Facilita a percepção de que a maioria das situações segue determinados padrões.
  •  Facilita a percepção de que é possível diagnosticar esses padrões (ou arquétipos sistêmicos, ou modelos estruturais) e assim intervir para modificá-los (no plano individual, no trabalho e em outras circunstâncias).
  •  Facilita o desenvolvimento de melhores estratégias de pensamento.
  •  Permite não apenas entender melhor e mais rapidamente as situações, mas também ter a possibilidade de mudar a forma de pensar que levou a elas.
  •  Permite aperfeiçoar as comunicações e as relações interpessoais.
  •  Permite perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade.
  •  Por isso, aumenta a capacidade de tomar decisões de grande amplitude e longo prazo.


O que se aprende por meio do pensamento complexo
  •  Que pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeito borboleta).
  •  Que nem sempre aprendemos pela experiência.
  •  Que só podemos nos autoconhecer com a ajuda dos outros.
  •  Que soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que aqueles que estamos tentando resolver.
  •  Que não existem fenômenos de causa única.
  •  Que toda ação produz efeitos colaterais.
  •  Que soluções óbvias em geral causam mais mal do que bem.
  •  Que é possível (e necessário) pensar em termos de conexões, e não de eventos isolados.
  •  Que os princípios do pensamento sistêmico podem ser aplicados a qualquer sistema.
  •  Que os melhores resultados vêm da conversação e do respeito à diversidade de opiniões, não do dogmatismo e da unidimensionalidade.
  •  Que o imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o subdesenvolvimento, seja ele pessoal, grupal ou cultural.


O trecho acima foi extraído do livro de Humberto Mariotti As Paixões do Ego: Complexidade, Política e Solidariedade
(São Paulo, Editora Palas Athena, 2000).