sexta-feira, 10 de maio de 2013

Dinheiro, O Ilusório Poder


Desde que nasce o homem começa a experimentar o que chamamos poder. Mas, como? O que “pode” o ser humano em tão tenra idade? Apesar de não ser instintivo, segundo os psicólogos, antes mesmo de aprender a se comunicar a criatura humana é capaz de manifestar seus desejos mais primitivos originados a partir dos instintos, como comer. Ao rir, fazer birra, chorar, etc., a criança demonstra suas necessidades e sentimentos, e também uma grande diversidade de emoções que ainda não pode exprimir através das palavras e, no entanto, podem ser reveladas por outros meios.

Na natureza boa parte das criaturas que se organizam em clãs ou grupos sociais, possuem um membro que detém o poder, o macho ou a fêmea alfa, a matriarca, etc. A convivência social entre humanos, segue a mesma linha, na célula familiar os filhos se submetem ao “poder” do pai e da mãe, que lhes provém a liderança, a segurança, o alimento, o amor (e também o primitivo respeito ao irmão (ã) mais velho que a princípio se impõe pelo tamanho sobre o mais novo). Observadores, os pequeninos são hábeis aprendizes, rapidamente assimilam a hierarquia familiar, aprendem manipular, dissimular e conhecer o poder. Percebem o “modus operandi” daquele pequeno universo e se condicionam a ele, subordinando-se às regras, mas no seu íntimo cultivam a vontade de conquistar sua redentora independência, que os livrará da submissão às “normas da casa”. 

Esse desejo pessoal pela liberdade é natural, porém na sociedade humana ele está associado ao poder financeiro, tão relevante para alcançar as condições necessárias para atingir esta meta, contudo, em decorrência dessa compreensão vigente, pensam que esse “desejo” lhes é facultado pela posse dinheiro. De fato, é verdade, no mundo contemporâneo, sem o vil metal não se vai muito longe. Mas a alforria dada pelo sucesso financeiro pode converter-se na numa masmorra fria e escura. Ao confundir dinheiro e poder, alguns homens costumam despir-se de sua moral e de sua ética, se sujeitando as mais medonhas maquinações para tê-lo cada vez mais, uma dependência perniciosa que pode consumir-lhes a vida, destruir famílias, desvirtuar suas origens e comprometer seu destino, trazendo a reboque todas as consequências nefastas que a sede cega pelo poder e o dinheiro podem abarcar. 

Quantas pessoas deixaram-se levar pela ganância e pela ambição para angariar benesses que estão além da vaidade descabida, seduzidas pelo dinheiro, imaginam que o dinheiro poderá render-lhes além do efêmero valor da fortuna, a fama e o poder que costumam estar associados ao sucesso financeiro, e quando alcançam alguma notoriedade vazia, acreditam  tornar-se ícones da admiração alheia, extrapolando o pequeno valor de seu duvidoso mérito. Esse equivocado conceito do mundo moderno aniquila a dignidade humana, inverte valores e justifica os meios para se alcançar os fins, mas até onde poderá chegar a criatura humana impregnada destes vícios. Será necessário um colapso social decorrente da ruptura destas estruturas sociais que privilegiam a arrogância e a indiferença, para que possa sobressair após duras penas e muito sofrimento uma nova forma de compreender as intrincadas relações humanas, mais justa e solidária, sem a tirania financeira reinante que afasta cada vez mais as pessoas. Crítico radical do capitalismo, Mahatma Gandhi, se opôs a esse sistema, que se vangloria da opulência e da posse material, e corrobora para o aumento das desigualdades que caracterizam a estratificação da sociedade humana em classes, ou melhor, “castas” regidas pelo desmoralizante poder aquisitivo. Adepto do asceticismo e avesso a cultura do consumismo exagerado, Gandhi acreditava numa distribuição mais igualitária da renda, algo que pudesse garantir a um número maior de pessoas uma qualidade melhor de vida, seu pensamento ficou registrado de forma indelével na seguinte afirmação: "No mundo há o quanto basta para a necessidade de todos, mas não para a ganância de alguns.".

Não é raro ver pessoas, que se acham abastadas, desmerecer a condição do outro apenas porque este se encontra numa situação menos favorável. Ignorantes da empáfia que assumem, esquecem-se que a humildade é uma das virtudes mais valorosas do espírito humano e que felizmente até o mais rico dos homens pode ser simples e humilde, se quiser, contudo, para alguns, pobres de espírito, pobreza muito mais cruel que a material, consideraram que ao agir desta maneira, humildemente, estejam assumindo uma postura de subserviência diante do outro e que isto caracterize algum demérito ou rebaixamento, arrogantes que esquecem da própria indigência espiritual que os aflige.  

Infelizmente, algumas pessoas são tão convictas de que são “melhores” que outras, que por achar que detém aquilo que de melhor seu dinheiro pôde comprar, enxergam-se numa realidade a parte, afastam-se do mundo comum, que já não lhe serve mais, que é apenas o reflexo de uma sociedade asquerosa e enauseante, onde elas se quer desejam pisar. Essa patologia anti-social chega ao ponto de restringir sua liberdade de ir e vir, confinando-as de tal forma que faz com que evitem transitar nos lugares públicos, cheio de pessoas comuns, humildes, inclusive mendigos, locais que consideram encardidos e insalubres. Inconscientes do próprio cárcere, negam a si mesmas conhecer e experimentar a multiplicidade de cenários que a vida as outorga, sejam eles belos ou não. Entorpecidas pela mediocridade de seu relativo “status”, encasteladas no seu mundo de “faz de conta”, cercam-se daqueles que lhe parecem iguais e muitas vezes desprezam antigas amizades, desinteressadas e verdadeiras, afastam-se de velhos amigos e pessoas boas que levam suas vidas simples e honestas.

Lamentavelmente, essa deficiência humana passa despercebida para muitas destas pessoas que por algum motivo se julgam melhores que outras, mesmo que qualquer cidadão tenha o direito inequívoco de estimar seu próprio valor, ao valorar-se em excesso, colocando-se acima dos demais, cria-lhes o delírio de uma auto-suficiência irreal, levando-os a ignorar que são tão vulneráveis quanto o resto da humanidade. Mesmo os poderosos que tem de se entrincheirar atrás de um exército de guarda costas, carros blindados e mansões impenetráveis, estão a mercê de si mesmos, dos riscos inerentes ao simples fato de estar vivo, principalmente ao de adoecer, as enfermidades não escolhem quem serão suas vítimas, ricos ou pobres, homens ou mulheres, ao acaso, nada importa. Recentemente um controverso presidente latino americano de origem modesta, experimentou a impotência de seu próprio poder ao si confrontar com a doença, eis que ele, advindo dos quartéis, chega ao cargo máximo de uma nação, apesar de ter todo um povo aos seus pés, pouco pôde fazer contra a moléstia auto-imune que se instalara em seu corpo. Mesmo que gastasse todo dinheiro do país não conseguiria armas para superar seu inimigo interno, que o atacou de forma silenciosa e “invisível”. Para que lhe serviram todo poder sobre a nação e o dinheiro que dispunha. Mesmo podendo pagar pelos melhores médicos do planeta, a linha do seu destino fora traçada de forma irrevogável, e talvez estivesse tão absorto pela ilusão do poder que foi incapaz de perceber a gravidade da doença que o acometeu, relegando-o a mesma condição de qualquer pessoa comum, obrigando-o a acatar resignado aos ditames da vida e derrotado, ter que encarar a impiedosa morte.

O parágrafo acima não é nada mais que uma metáfora crua da fragilidade humana e quão efêmera é sua existência. Não são apenas as doenças, o homem possui outros inimigos internos que interagem entre si e também agem silenciosos, como cupins, corroendo por dentro, porém de maneira mais grave, atacam a essência humana daqueles que se deixam seduzir pela aparente doçura do poder, açúcar que os consome por dentro deixando somente uma casca oca e bolorenta e que antes de tombar ainda poderá transmitir aos seus herdeiros valores igualmente vazios e equivocados, novamente, se assemelhando as doenças hereditárias, podem propagar aos descendentes o mesmo mal do qual padeceram seus ancestrais. 

Ao adular a si mesmo, o homem que insiste em se enganar, sonha em ser aquilo que nunca será, acaba por se expor ao risco de tornar-se um escravo infeliz, refém de sua busca obstinada pelo sucesso, frustrar-se-á sempre que se comparar a adoração às celebridades, ou a notoriedade que algumas pessoas comuns conseguiram em decorrência do reconhecimento e respeito adquiridos por sua notável sabedoria, contribuição social ou cultural. Muitas pessoas que estão em evidência, não dependeram necessariamente do dinheiro para alcançar o destaque, no entanto, mesmo que muitos famosos sejam ricos, não é verdadeiro afirmar que seja por consequência dele que adquiram sua reputação, na maioria dos casos, o que se verifica é o contrário, valeram-se do esforço, do talento, da Inteligência, etc. para sobressair, porém, a origem simples não lhes garante que estarão imunes ao egocentrismo, a arrogância e a soberba. O discutível Henry Thoreau disse certa vez: “O homem mais rico é aquele cujos prazeres são mais baratos.”

Este texto não alude ao voto de pobreza ou alguns desatinos filosóficos de Thoreau e Tolstoi, que insinuam que para ser feliz a pessoa deverá levar uma vida franciscana junto à Natureza renunciando aos seus anseios ou posses materiais, como gostam de divulgar oportunamente certos parasitas, mercadores da verdade que se aproveitam do poder da “palavra” ao arrepio de Deus. Seres transfigurados de salvadores que fazem “qualquer coisa” para auferir ganhos financeiros surrupiando e subtraindo os poucos bens e o minguado dinheiro dos verdadeiros humildes, alegando querer fazer o bem, dilapidam sem piedade os menos favorecidos, puros de coração, prometendo salvação, quando eles mesmos, infectos “pecadores”, padecem da moléstia da cobiça desmedida pelo dinheiro alheio, refletida na desumana falta de escrúpulos de suas atitudes.

Ninguém precisa acreditar em sofismas ou devaneios para encontrar um equilíbrio entre a necessidade do dinheiro e o fausto, qualquer pessoa “consciente” pode deduzir que para viver com um mínimo de dignidade a aquisição de posses materiais é necessária. A manutenção saudável da atual vida humana exige estes bens que permitem as pessoas viverem com algum conforto e decência, e também para si presentearem com o prazer de aproveitar a vida, o direito ao lazer, contudo, querer conquistar o poder à custa do dinheiro esperando felicidade nunca foi e nunca será uma boa política. Como o amor dos bons pais, o verdadeiro “poder” decorre do respeito e da liderança adquiridos pelo exemplo subsidiado pelo comportamento e pela postura isenta apresentada durante a trajetória da vida; coisa que não pode ser comprada é merecida por aqueles que tiveram a maturidade para lidar com o poder; perseverança para não se deixar influenciar pelo comodismo e a propensão ao fácil; e respeito aos valores morais, escudo para resistir aos feitiços da mordomia e da ostentação que podem encantar os mais suscetíveis às facilidades financeiras. Felizmente, temos inúmeros exemplos de pessoas que alcançaram o poder e não deixaram sua personalidade e seus princípios serem corrompidos pelo dinheiro, bastiões da integridade que iluminam como faróis na escuridão a conduta que aponta os bons rumos da vida, reforçando em nós a eterna esperança de que é possível aguardar por dias melhores. 

Ainda que o dinheiro possa comprar o silêncio das testemunhas e a omissão dos juízes, jamais poderá apaziguar a inquietude d’alma e redimi-lo de si mesmo.