Certamente na busca
pelo conhecimento de si mesmo o ser humano deverá confrontar a contradição
intrínseca ao fato da negação da "verdade", este objeto cuja busca insaciável permeia toda sua existência. Essa diligência vem consumindo o fósforo de muitos pensadores, religiosos
e pessoas comuns ao longo dos dias e noites de nossa conturbada história, precipitando na inquietude que tal
tema suscita às mentes mais atentas. Seria muito fácil afirmar que a verdade e
oposto da mentira e vice-versa, o conformismo albergado nessa questão talvez
seja um dos piores inimigos da criatura humana ao longo de sua evolução. A
parametrização da verdades contidas na tradição, tão nociva a liberdade, está de tal maneira entranhada na sociedade que quaisquer
manifestações avessas a ela configuram a reação à verdade. Quem poderia afirmar
que a verdade é de fato a exatamente a verdade? Quem ousaria atestar com segurança essa
afirmação? Aparentemente muito poucos teriam estatura e seriam capazes de fazê-lo, mas a “realidade” é
outra, muitos se arrogam donos da verdade, aliás, a verdade tornou-se uma “commodity”, um produto habilmente comercializado em um mercado ávido de
revelações e maledicências. Esses estelionatários da verdade povoam todos os cenários das
atividades humanas. Desde o seio da família, que inadvertidamente o faz, as
empresas que vendem seus produtos maravilhosos, associando sua imagem à cultura do
poder e do sucesso, os políticos com suas promessas irrealizáveis, as crenças
com seus dogmatismos e redenções, afora um universo incontável de comerciantes da
verdade que a colocam em destaque em suas vitrines.
É interessante observar que cada um, influenciado pelas imposturas, acaba sucumbindo ao “status quo”,
tornando-se a sua maneira, vítima e agente de suas próprias convicções, iludido
com as “realidades” fictícias que cada um é capaz de “imaginar” em relação a si
próprio, construindo um mundo quimérico adequado a personalidade e às medidas de
suas deficiências pessoais, ocultando as “verdades” inefáveis absconsas no
íntimo de cada ser, refletidas na “mentira” da pretensa vida que se vive.
A teoria é linda, o
mundo segundo a verdade seria perfeito, repleto de alegrias, paz e satisfações,
o contrário da mentira, que mergulharia esse mundo na anarquia, na dor, no
sofrimento, na discórdia, mas espere um pouco. Afinal em qual mundo se vive, no
primeiro ou no segundo? Que perfeição é está? Tão inalcançável e intangível.
Mesmo o mais míope dos fundamentalistas religiosos é capaz de perceber que o
mundo da verdade, apregoado como caminho da salvação não existe, a humanidade
está imersa num oceano de lama onde a dor e sofrimento são tão corriqueiros que
se tornaram habituais. Então, este não é o mundo da mentira? Aquele desprovido da glória da benevolente verdade. Onde está o erro?
Talvez se careça de
dados mais precisos, mas desde seus primórdios a civilização humana é “educada”
para zelar pela verdade e repelir a mentira, uma conveniência social decorrente
da necessidade de se colocar “ordem no caos”, afinal a estruturante verdade é
necessária para alicerçar e tornar "possível" qualquer convivência humana, servindo de referência
para a vida social e divisor de águas entre o bem e o mal.
Positivamente
pensando, o conceito da verdade é fundamental para a manutenção de algumas
premissas do estado de direito, o instrumento certo para balizar normas de
conduta utilizadas para estabelecer limites as manifestações individuais, não permitindo que estas extrapolem para balburdia. Natualmente, essa
regulamentação "ainda" é imprescindível parar tolher excessos doo comportamento do humano, tão sujeito as
tentações “materialistas”, "espirituais" e “carnais”, que a sociedade da “verdade” incute em seu
pensamento, algo que fatalmente se reflete na sua postura diante da vida. O incentivo a idolatria ao
sucesso, ao poder e a riqueza, contraditoriamente, conduzem a criatura humana
ao lado oposto, ao comodismo, ao desrespeito, a mentira, culminando, mesmo
diante de todos esses esforços, no fracasso da essência íntima daqueles que se renderam
ao dinheiro fácil, a trapaça, e a subversão.
Os meandros do
comportamento humano são tantos e tão singulares que o homem se deu ao luxo de
categorizar a verdade. Ora, se existe mais de uma verdade, qual seria a
verdade? Para desesperadora pergunta temos pelo menos uma alternativa que poderia
ser classificada como verdadeira, a “verdade científica” é de fato um retrato
da realidade experimentada naquele momento, consumada pela ciência e pelo método que lhe são inerentes. Em tese, não importa onde, nem quando, se forem seguidos criteriosamente as
mesmas condições e procedimentos, sempre se há de obter o mesmo resultado: palpável, constante,
imutável, no entanto, tem-se que ressaltar uma característica do aspecto
experimental, ou seja, a repetição da experiência ratifica a verdade posta à
prova, filosoficamente falando, a verdade deve e tem que ser pragmática,
subsidiada pela experiência. Por dedução, a verdade, neste caso, é fruto
da experiência, da comprovação científica, se apresenta irrefutável, quando se trata realmente
daquilo que foi testado, que no caso humano, poderia ser sentido ou vivenciado,
desde que se considere que nem tudo que o homem experimenta pode ser comprovado
cientificamente, porque se assim fosse, tão natural, tão simples, muitas pretensas verdades já
teriam caído por terra, desmascaradas, transparecendo a falsidade e a mentira
que ostentam. Não é a toa que muitas pessoas inquietas e eruditas acabem se convertendo
em ateus ou céticos pessimistas, quem sabe, desiludidos pela falta de respostas
plausíveis ou razoáveis as seus questionamentos.
A flexibilidade, é
permeável, faculta ao homem a possibilidade da mudança, uma transigência
imprescindível ao amadurecimento humano. A verdade como conseqüência do viver
deve ser experimentada, e na medida do que se vive, incorporada a realidade de
cada ser. O viver, é ele quem concede o direito universal de conhecer e reconhecer a verdade
quando ela se apresenta. Neste cenário o contrário da verdade não é a mentira,
a mentira transfigurou-se na credulidade, a propensão humana a crer, coisa que
extrapola os limites da razão, ultrapassando a sensatez, indo além de o simples
aceitar, conduz o crédulo a acreditar sem refletir ou criticar as verdades que
lhe são apresentadas. Essas características são claramente observadas em
qualquer mecanismo de manipulação de mentes, sempre haverá um detentor da
verdade emblemática, outorgando-se o direito defender suas ideologias políticas, religiosas
ou pessoais.
Manipular a realidade
em prol dos interesses pessoais, institucionais, ideológicos ou corporativos é transformá-la
em mentira envolta por uma carapaça de verdade. Os argumentos podem ser os mais
variados, desde zelar pela moral e os bons costumes, até mesmo a manutenção da
segurança pública. Desvirtuar a verdade é relativamente fácil, alterando o
foco, iluminando alguns pontos e obscurecendo outros não tão gloriosos. No jogo
político fica evidente essa prática nojenta do poder. Que o digam os derrotados
em guerras, os perdedores serão os vilões e os mocinhos estão sempre do lado
vencedor. A história humana está repleta desses exemplos. Manipuladas deste jeito
muitas mentiras assumem o caráter da verdade, a veracidade não é relevante,
muito menos clarificar a turbidez dessa água, que tantos bebem confiando na sua
pureza. Neste jogo sempre existirão prioridades acima do conhecimento da
verdade, em muitos casos a verdade se perdeu nos labirintos do tempo, mas na
maioria das vezes inexiste a boa intenção de revelar a essência dos
acontecimentos, por que arriscar-se perder as regalias e o poder de influência,
conquistados e mantidos, em alguns casos, há milênios?
A manutenção da
verdade é metafórica, normalmente os homens constroem leis que refletem às
necessidades de seus governos e credos, amparando-as no alicerce da verdade.
Não é difícil encontrar amostras desse fato, a cultura humana esta cheia de
provérbios e frases de efeito, embora banais, pode-se citar, por exemplo: a “lei
de causa e efeito”, ou seria a “lei do retorno”, ou “quem com fere com ferro
será ferido”, não importa, os exemplos são vários e abundantes, comparativamente
à exceção fica a cargo da terceira lei de Newton, a lei física da “ação e
reação”, as demais fogem do escopo científico, e se representam de alguma forma
a “verdade” fica o questionamento, se as leis “supremas ou universais” realmente
funcionam, por que a vida humana é tão injusta? Porque pessoas notoriamente
“boas”, que dedicaram ou dedicam sua existência a serviço do bem, não são
afortunadas como outras, que ao contrário, não possuem uma “ficha limpa”, uma
conduta digna, ilibada, melhor dizendo, politicamente correta? Para perguntas
desse cunho sempre surgem respostas infames como: “faltou-lhes sorte”, ou piores
ainda, “é a vontade de Deus”. São essas “verdades” que se apregoam pelos
caminhos da vida? Certamente que não. Mas, há aqueles que se contentam com
respostas evasivas, escravos que alimentam o fogo da caldeira que faz mover as
engrenagens da ignorância e da mentira humana.
A verdade é
conveniente, de qualquer ângulo que se observe, as relações sociais humanas
contemplam a verdade, a verdade é sinônimo de honra, de palavra, questionar a
verdade caracteriza a aversão a ela e tudo que representa, talvez por isso
homem relute tanto em contestá-la. Culturamente a contestação pressupõe a repulsa
a verdade, o medo do isolamento e do afastamento do círculo social aterrorizam
o homem, significa auto-imputar-se todos os defeitos daqueles que são avessos à
verdade e solidários da mentira. Esse pensamento inculcado na mente das pessoas
desde a mais tenra idade pode surtir alguns efeitos positivos para favorecer a
vida em sociedade, mas limita seus horizontes na busca pela verdade,
restringindo suas opções e limitando suas escolhas. Como é sabido, a verdade
pode ser dolorosa, então para poupar as pessoas da agonia e do sofrimento de
conhecer a realidade dos fatos, altruisticamente as “instituições” evitam, por
assim dizer, que sejam desvelados esses “segredos” potencialmente ameaçadores e
destrutivos, omitindo a “indesejável” verdade.
Tão nobre é esse motivo
que ele se tornou curiosamente e de forma unanime um “sentimento mundial”
ancião, o desejo “elevado” de poupar o povo dessa tortura, dando-lhe “pão e
circo”, deve surtir efeitos muitos eficazes na supressão da
vontade natural de "busca" pela verdade, uma vez que a receita é antiga e continua
fazendo sucesso. O que importa é entregar alguma verdade, mesmo que oca e sem
substância, o ser humano se contenta com a ilusão de que teve acesso à verdade e
deste modo, feliz, continua sua jornada errante em busca de seu paraíso, sendo
conduzido por todo tipo de manipulações, vulnerável a certeza da consciência de
quem pensa que tudo sabe. Mesmo sem nada saber a respeito do assunto em que
acredita, o homem tende a convertê-lo num conceito, num padrão, algo em que se
baseou subjetivamente, fundamentado apenas pelas suas convicções inabaláveis de
que aquilo representa a verdade, mas como afirmar que se trata da verdade? Mesmo
extrapolando para além da observação, do empirismo que permite experimentar, e
os dos sentimentos, que embora sejam subjetivos são bastante “palpáveis”, retornamos
ao começo, como se pode afirmar que isto ou aquilo é, ou foi real. Quando não
se pode contextualizar a verdade nesses aspectos ela assume outro, que foge à
realidade, adquirindo a característica de simbolismo, de metáfora, desqualificando-a
de sua essência primordial, a de retratar fielmente qualquer coisa que seja: objetos,
pessoas, histórias. Observar esse detalhe é indispensável quando se fala em
verdade, a ausência dele permite diferenciar a verdade do dogma, ou seja, a princípio
toda e qualquer afirmação é dogmática, a verdade não existe por si só, ela
passa a existir ou se manifesta a partir do momento em que pôde ser comprovada,
“sentida” ou experimentada, caso contrário é tão inverídica quanto uma mentira.
Qualquer pessoa pode afirmar o que quiser, os palanques políticos são
testemunhas, mas converter afirmações em verdades não é tão simples quanto
falar, fazer promessas, ou contar histórias.
Muitas verdades são
como lendas, sempre carecendo de uma comprovação, mas algumas tiveram suas
formas buriladas e realçadas, ao longo do tempo foram assumindo um posto que
não lhes pertencia inicialmente. Receberam a chancela, o Canon, de que
precisavam para perenizar sua permanência no mundo humano, se tornaram
estáveis, imunes as suas origens pagãs ou mundanas, assumiram outro “status”
diante dos homens, aqueles que lhe conferiram o título da “verdade”, esquecidos
da premissa acima, porém, nem as estrelas são eternas, e um dia essas “verdades”
também perecerão.
A verdade e a mentira
são tão inseparáveis quanto os dois lados de uma mesma moeda, e
contraditoriamente quantos não se valem da mentira para alcançar a verdade. Ao
longo da história humana são vários os casos de pessoas que se fizeram passar
por outra para alcançar um objetivo, que poderia ser a boa verdade ou coisa
pior. Quantas pessoas não se valeram ou ainda se valem desses artifícios para
alcançar um amor, socializar-se, amenizar a situação de um parente gravemente enfermo,
lançando mão da mentira. Aquele que nunca mentiu que atire a primeira pedra. É
lógico que a mentira, não é algo para se propagar ou utilizar-se dela para
benefícios espúrios. As chamadas “mentiras de pescador”, “inofensivas” são
toleráveis, mas continuam sendo mentiras e, portanto, devem ser evitadas.
Aparentemente fácil, evitar a mentira é dificílimo, principalmente quando se
vive tutorado por ela. A grande maioria das convenções sociais humanas é
forjada na mentira, inconsciente, o homem conformou-se com ela ao longo dos
anos, acreditando tratar-se da “verdade”. Seduzido pela grande maioria, ele
deixa-se levar pela corrente, submetendo-se as normas civis, políticas e
religiosas ditadas pelas instituições, colocando-o no meio da sopa comum, que
tudo generaliza, incutindo nele conceitos e linhas de conduta que se não
extinguem, no mínimo sufocam sua individualidade, intuições e percepções a respeito
do mundo a sua volta, porque é assim que ele se tornará “racional”, colocando-o
num patamar acima do reino animal. Será? Como pode o homem, esse “animal
racional”, assenhorar-se da verdade, e proclamar com certeza matemática sobre
todos os assuntos que estão além de sua ciência incipiente? Desde quando, e de
onde vem o conceito de céu e inferno? Quantos astronautas e exploradores de
cavernas regressaram de suas incursões nos confins do espaço ou nas entranhas
da terra, alegando ter encontrado Deus ou Satanás em suas moradas? Como são
débeis e frágeis as verdades humanas, podem esfacelar-se diante dos
questionamentos mais ingênuos, ainda assim, permanecem rijas como castelo
construído sobre a rocha firme. Não há como negar o mérito, os arquitetos da
verdade trabalharam e permanecem trabalhando bem, seus castelos de “cartas”,
glorificando as falsas verdades. Sim, porque segundo eles a verdade é
hermética, não está disponível em lugar algum, só poderá ser encontrada
trilhando os caminhos que irão revelá-la aos seus súditos. É como o sucesso
financeiro, colocado no degrau mais alto da escala “evolutiva” do homem, culto
que tanto mal tem trazido à humanidade ao longo de sua história.
É admirável como os
humanos são capazes de admitir a verdade não científica sem conhecê-la,
senti-la ou experimentá-la, qual justificativa poderia explicar tal situação,
como mensurar, qual o critério a ser adotado para afirmar que tal coisa se
trata ou não da verdade? Essa dualidade demonstra a possibilidade do absurdo
que paira sobre várias delas. Diga-se de passagem, o dito popular: “quem conta
um conto, aumenta um ponto”. São muitos os casos em que a verdade é apenas um
rascunho apagado de alguma história, uma representação opaca e pessoal de uma
ou mais testemunhas que se esforçaram em narrar, cada uma ao seu modo, quiçá
influenciadas pela imaginação, o quê ou aquilo que presenciaram. Essa
transposição nebulosa dos fatos, associada ao tempo, dificilmente se aproximará
da realidade. Desconsiderando que muitas verdades foram “traduzidas” para
línguas totalmente estranhas as da origem do evento e por milhares de vezes.
Sob essas circunstancias seria bastante natural e plausível que se questionasse
a credibilidade de certas verdades. Comparativamente, é como acreditar na fala
de um estranho que nunca se viu antes. Quem lhe garante a verdade? Ressalte-se
que muitas são avalizadas por “Deus”, portanto, inquestionáveis. Essa notória contraposição
entra as “verdades”, embora elucidativa e reveladora, põe em cheque a racionalidade
humana. Ora, para quem já dispõe de alguma ciência, seria natural que as verdades
não legitimadas pela experiência ou pelos conhecimentos científicos fossem postas
a prova para teste. Daí surge o conflito entre a crença e a razão, que
normalmente espelha as fraquezas e deficiências do comportamento humano
daqueles que relutam em admitir a verdade perante sua própria razão, por mais racionais
que pareçam, são incapazes de superar os conceitos e valores já admitidos. Despertar
para realidade não é simples e requer esforço. Muitos se perguntam: para quê? Quando
se pode continuar sonhando acordado, contemplando o eterno. É preferível deixar-se
enganar que enfrentar a verdade, aprender a encarar o mundo de forma natural, sujeitando-se
a dor desilusão e sendo obrigado a engolir o próprio orgulho. A crença que
alimenta a esperança é melhor que destruir o encantamento dos mundos quiméricos
e das utopias da salvação. Bem ou mal, várias pessoas pensam assim, a escolha é
um direito que as assiste. O desprendimento é virtude necessária a todos aqueles
que têm a audácia de querer conhecer e talvez alcançar alguma verdade, seja ela
cientifica ou não.
A arrogância humana em
torno da verdade é imbatível, a grande maioria das pessoas credita suas
existências às benesses divinas, são incapazes de conceber que suas vidas podem
ser meramente fruto do acaso e que se existe algum milagre em suas existência,
este pode ser chamado “vida”. Admitir que o homem possa ser apenas carne e
ossos, como fazem os ateus, consuma a negação do Criador e das verdades divinas,
por outros lado, revelam a humildade perante as leis da Natureza, que para
mesma maioria destes homens, está aqui para nos servir, considerando que homem
é o centro do universo, imagem e semelhança do “Criador” que ele mesmo criou,
portanto, este planeta é consequência do homem, que precisava de uma morada
para criação divina, e não o contrário, quando analisados por esta ótica míope.
Uma “verdade” muito conveniente para aqueles que se valem dela para justificar
os maus tratos e a destruição do mundo a sua volta. Respeitar o espaço alheio é
fundamental para que homem comece a entender sua própria verdade, está mais que
comprovado que os métodos e técnicas de persuasão da verdade e da civilidade vêm
falhando ao longo do tempo, não será fazendo parte do erro que o ser humano irá
encontrar a verdade, uma vez que ela já esta posta à mesa, para ser degustada e
apreciada pela razão e pelos sentimentos, que nada e nem ninguém virá aqui para
revelar que o próprio “Deus” já revelou, que a tal “busca” está a menos de um
passo de qualquer pessoa, e que para conseguir compreendê-la basta observar,
refletir, perceber a verdade presente em cada movimento da vida. Ser livre para
pensar por si só e edificar seus próprios conceitos, reformulando-os à medida que
se vive. Agir de outro modo é como advogar para um assassino confesso, por mais
elaborada que seja a defesa, o máximo que se poderá alcançar é uma redução da
pena, mas o réu nunca estará isento da culpa de suas atitudes ou escolhas.
Será que ao ignorarmos
as verdades presentes a nossa volta não estamos incorrendo no mesmo erro, advogando
em causa própria, tentando encobrir os equívocos e preconceitos que admitimos
como “verdades”, abrigando a mentira no seio de nossas vidas, ou pior,
propagando as falsas verdades para aqueles que pela ingenuidade ou pela tenra
idade se tornarão futuras vítimas de um sistema servil, que desde sempre vem
fazendo uso da mentira transfigurada em verdade. Neste caso, somos todos
advogados, réus e juízes, caberá a cada um ditar sua própria sentença, acatando
as “verdades” que lhe pareceram mais convincentes.
Segue abaixo texto de autoria de Rui Barbosa especulando sobre a mentira.
"Mentira toda ela. Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu, onde, segundo o Padre Vieira, que não chegou a conhecer o Dr. Urbano dos Santos, o próprio sol mentia ao Maranhão, e diríeis que hoje mente ao Brasil inteiro. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentiras nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados aos caudilhos, mentira de caudilhos e apaniguados à nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela mentira, que se acaba por se não discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes não sabem se estão, ou não estão mentindo. Um ambiente, em suma, de mentiraria, que, depois de ter iludido ou desesperado os contemporâneos, corre o risco de lograr ou desesperar os vindoiros, a posteridade, a história, no exame de uma época, em que, à força de se intrujarem uns aos outros, os políticos, afinal, se encontram burlados pelas suas próprias burlas, e colhidos nas malhas da sua própria intrujice, como é precisamente agora o caso."
Associação Comercial do Rio de Janeiro
Obras Completas de Rui Barbosa.
V. 46, t. 1, 1919. p. 31
Descritores: Mentira
Observações: Trecho da conferência "Às Classes Conservadoras". Autógrafo no Arquivo da FCRB.