terça-feira, 28 de agosto de 2012

Simetria



  Talvez fora observada primeiramente pelos matemáticos, no mundo dos polígonos ela se expressa em várias  formas geométricas planas ou espaciais e constitui-se resumidamente da reflexão da outra metade de um objeto ou coisa, igual ao espelho plano que reflete em sua face outra imagem, que embora apareça invertida em relação a original, é absolutamente idêntica, uma cópia "espelhada" dela. Não é somente no campo da matemática que ela se faz presente, também na física, biologia, arte, literatura e em outros aspectos da vida humana ela está evidente.

  É importante destacar que fora dos domínios da matemática e da geometria que pressupõe à simetria uma semelhança exata, conferida pela sobreposição pontual do objeto, assegurar que duas partes de um mesmo objeto sejam totalmente idênticas denotaria uma falácia. A similaridade ou a semelhança, por mais perfeitas que sejam, acabam por sucumbir a alguma diferença, mesmo que ela seja praticamente invisível, esboçam inevitavelmente alguma alteração. Ainda assim, pode-se deduzir que a simetria se aplica também a semelhança muito próxima, sem que essa demonstre de fato a igualdade absoluta. Essa percepção da similaridade está associada talvez ao raciocínio espacial que o cérebro humano é capaz de realizar a partir de uma visualização parcial, "podendo imaginar” uma concepção do todo que está encoberta ou que ainda não pôde ser observada. A utilização desta faculdade possibilita, por exemplo, conceber um rosto que foi visto apenas de perfil, ou seja, a outra metade “simétrica”, foi construída no interno mental utilizando recursos inatos da mente de qualquer pessoa, que misteriosamente compõe muitos dos conceitos humanos intuitivos sobre a simetria.

Esses conceitos são demasiado complexos, sem que se perceba interferem profundamente em nossas compreensões a respeito dos objetos, dos eventos e do mundo onde se está inserido. O ser humano tende a associar a beleza ao simétrico, e isto é normal, ela faz parte do nosso dia a dia e está presente em grande parte do que se conhece da natureza e do universo. Essa familiaridade torna a simetria invisível, ela é muito comum, normalmente só se percebe a ausência dela quando a coisa observada, geralmente simétrica, foge a esta regra. O mundo e o cosmos esta repleto de assimetrias e por isto é tão rico, tão diverso, tão belo, obtendo o equilíbrio a partir do seu próprio reverso, como a outra metade do simétrico.

Uma característica da simetria é a invariância, que associa ao objeto o aspecto imutável, aquilo que não está sujeito ou é propício a alguma transformação. A precoce física newtoniana considerava a velocidade da luz uma invariante, embora hoje se saiba eu sua velocidade de propagação se altera em função do meio, assim como as naturezas de tempo e espaço analisadas sob o olhar da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que reconduziram a uma nova compreensão sobre as constantes físicas, até então consideradas absolutas. Equívocos são normais, os primeiros astrônomos pensavam que as órbitas planetárias eram circulares, quando na verdade são elípticas.

  Aplicar o cartesianismo sobre a simetria é um comportamento razoável, desde que se parta do pressuposto que ela não está sujeita a controvérsia. Essa regra se fundamenta na observação do palpável, do concreto, do que pode ser atestado como verdade, falseando tudo aquilo que não satisfizer as exigências que se aplicam ao universo real. Descartes baseava suas observações respaldando-se em si mesmo e na natureza das coisas, a filosofia racionalista tem  a observação como premissa, evita o empirismo, almeja o conhecimento intelectual obtido a partir do questionamento, do que se experimenta e se compreende dele, sempre sob a tutela da razão. Apesar dessa inclinação, Descartes esbarra na sua convicção pessoal da existência de Deus, que ele define como a própria perfeição e argumenta que essa noção do divino não poderia partir do homem, porque este é um ser imperfeito. Embora esses conceitos metafísicos possam ter sofrido influências da época e do ambiente que Descartes se encontrava, não é possível, entretanto, dissociar deles a assimetria que lhes é intrínseca  corroborada pela própria controvérsia do que ensejam, consequência da confrontação do sensível, do intuitivo, com o racional, avalizada por ele quando afirma sua concepção sobre a dualidade da criatura humana, ilustrada pela fusão da mente e do corpo numa conformação única. Ironicamente a simetria depende da duplicidade, ou seja, não existe sozinha, ela só se manifesta em decorrência de sua condição bilateral ou radial, mas sempre subordinada à dependência complementar de suas contrapartes “simétricas”.

  Na natureza a simetria se evidencia em vários aspectos, principalmente nos seres vivos do mundo animal. Entre os vegetais a simetria coexiste com a dissimetria sem que se perceba, ao observar grande parte das flores ou frutos se torna muito evidente a presença da simetria, mas basta ir pouco além para identificar a ausência dela, como no crescimento do caule, na disposição dos galhos, no desenvolvimento da raiz, que são regidos sabiamente pela necessidade natural de distribuição do peso. Poder-se-ia argumentar que isto também seria uma forma não aparente de simetria. Outros aspectos da natureza, no entanto, são totalmente assimétricos, os geográficos, por exemplo, é praticamente impossível conceber a simetria neste campo, imaginar uma paisagem totalmente simétrica é praticamente inconcebível, isto porque o cérebro humano não está acostumado a este tipo de simetria, tente imaginar um oceano de ondas simétricas.

  Seria a percepção do simétrico um eco da compreensão humana do seu habitat, ou é consequência de um costume, produto de um hábito, de uma conduta adaptada a realidade deste mundo aparentemente “simétrico”?

  É possível constatar que a natureza na busca pelo equilíbrio sempre irá infringir a “lei da simetria” quando necessário. Várias obras humanas refletem isso, existem inúmeros exemplos na arte, na arquitetura, nos objetos de consumo. Imagine uma xícara sem asa, uma chaleira sem alça ou sem bico, portanto, é mais que óbvio que a assimetria é tão necessária quanto seu contrário.

Extrapolando as características materiais que são conferidas a simetria, há de se observar também que os pensamentos podem ser simétricos. Atribuir a eles uma ideia de proporção, equilíbrio, harmonia é muito conveniente no sentido mais negativo de seus significados.

  A simetria se torna nefasta quando a busca pela “igualdade” se propaga do material para o mental, essa migração perniciosa pressupõe o conformismo. A a similaridade no pensar esconde maliciosamente o condicionamento, a obediência, a submissão. Essas características são notórias em toda forma de dominação ideológica. Tal convergência alude a perda da individualidade e da condição do livre pensar. A pluralidade é um ingrediente indesejável nestes meios porque impede a previsibilidade do pensamento homogêneo, doutrinário, que assegura a letargia comportamental, inibindo a atuação da consciência e consequentemente a reação a doutrina.

  Este espectro assombra muitos seres desatentos ao "mundo" em que se encontram. Sob a égide do pensamento simétrico, que busca a ordem, a coesão do sentir e do pensar, as crenças e as doutrinas constroem seus centros de adestramento mental. Alijados de suas capacidades cognitivas mais elevadas, a criatura humana que se interna plácida e inerte nestes ambientes, dificilmente conseguirá, por vontade própria, ou lucidez, emergir sua cabeça para respirar o ar da liberdade, do contrário e do diverso. Sua clausura é incentivada a todo o momento sob a alegação de que a mudança leva à desarmonia, a desintegração, a perdição, apelando para insegurança e o sentimentalismo humano de forma pequena e rasteira, explorando todas as vulnerabilidades e fraquezas psíquicas possíveis.

  Aparentemente não é contraditório afirmar que o pensamento assimétrico garante ao homem um direito fundamental à sua existência, o de pensar por si próprio, livre dos temores e dogmatismo inculcados pelos condicionamentos de qualquer ordem. A simples garantia da liberdade de pensar por si mesmo justificaria sua adoção, amparada na majestosa sabedoria da Natureza que condiciona a simetria à dependência mínima da dualidade. A exatidão simétrica também é linda e maravilhosa em suas manifestações, pode e deve ser aproveitada como parâmetro comparativo na busca pela compreensão, utilizando-a para contrapor a variedade das partes numa busca por incoerências até se alcançar uma resposta plausível para vários questionamentos. Qualquer que seja o método adotado, ambas se complementam, desde que norteadas pelo derradeiro bom senso, que segundo Descartes, cada um de nós o tem praticamente em sua medida exata, no entanto, esta atrelado ao fato de como conduzimos nossos pensamentos e aos parâmetros pessoais que adotamos para avaliar parcialmente a coisa ou evento observados. 

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Tábua de Salvação


  O texto abaixo consiste de um diálogo leve e descontraído, merece ser lido pelas reflexões que suscita, por isso foi "postado" aqui. Marcos Barbosa também redigiu outras obras interessantes. Mais informações sobre o autor encontram-se ao final do "post".

A Tábua de Salvação


Cenário: Uma praça no centro de uma cidade, com uma placa ao fundo: PRAÇA DA CONQUISTA.


O professor, de 51 anos, anda com um prego e um martelo na mão para um lado e outro, na Praça da Conquista.

Jamila é uma moça de 21 anos, pregadora, chega portando uma Bíblia debaixo do braço e começa o diálogo.
-Jamila: Professor, o que o Sr. Está fazendo com este prego e este martelo na mão?
-Professor: O mesmo que você está fazendo com a Bíblia debaixo do braço.
-Jamila: Como Professor? Eu estou com a Bíblia e vou fazer uma pregação e o Sr. vai fazer o quê?
-Professor: Uma pregação também.
-Jamila: Aonde? Aqui na praça agora não pode porque é a minha vez e é chegada a hora de pregar a palavra do Senhor.
-Professor: Fique tranqüila minha filha, pode pregar à vontade porque eu ainda estou procurando a minha Tábua de Salvação, onde eu vou pregar o meu prego, com o meu martelo.
-Jamila: Aaaah!... Professor... O Sr. está parecendo aquele filósofo que saiu procurando um verdadeiro homem com uma lamparina na mão, em pleno dia, na praça de Atenas.
-Professor: Diógenes, nascido em Laerte, filósofo estóico... (o Professor fala o nome do filósofo em tom professoral, de quem está dando uma aula...
-Jamila: Obrigada pela lembrança Professor... É isso mesmo mas... (faz um gesto de quem vai iniciar uma pregação e é interrompida com a continuação da fala do Professor).
-Professor: ... A diferença é que ele estava procurando um homem e eu estou procurando a minha Tábua de Salvação.
-Jamila: Me diga uma coisa Professor... O que significa esta nova alegoria que o Sr. está lançando em plena Praça da Conquista? (Ao perguntar, a pregadora faz aquele “ar” de estudante universitária do interior do Maranhão.)
-Professor: É muito simples... O martelo representa a minha ignorância. O prego representa as perguntas que eu faço para a vida, à natureza e tudo que está à minha volta. A Tábua de Salvação é a própria natureza, o universo, DEUS, tudo que é desconhecido e que me causa inquietação espiritual. Esta curiosidade interminável é que me dá forças para o trabalho de expansão da consciência da realidade.
-Jamila:Mas o Sr. pode fazer tudo isso aceitando Jesus como seu salvador... Aí o Sr. não precisa mais procurar uma Tábua de Salvação.
-Professor: Vamos com calma menina... Jesus é um grande filósofo, mas não é mágico.
-Jamila: Mas então o Sr. não aceita Jesus como seu salvador?
-Professor: (ignorando a pergunta, mas sem arrogância, continua)... Cada vez que  eu tenho uma dúvida, ou quando alguma circunstância da vida me leva a reflexão filosófica, eu pego a minha ignorância, (levantando o martelo), aponto a minha pergunta, (mostra um prego), ou minhas perguntas, (retira um punhado de pregos do bolso) para a Tábua de Salvação e começo a pregar.
(Sob os olhos assustados da pregadora, de Bíblia na mão, aparece misteriosamente um anjo com uma tábua cheia de pregos. Através de gestos e tocando um no outro com cordialidade, professor e anjo demonstram bastante intimidade, sem trocarem nenhuma palavra. Enquanto isto a pregadora se recua e fica olhando a cena, de longe, bastante assustada. Juntamente com a cena ouve-se uma música clássica, que pode ser Carmina Burana, ou a mensagem oposta contida na Nona Sinfonia de Beethoven. Enquanto se toca a música, em alto volume, a cena de profunda amizade continua entre o professor filósofo e o anjo. Agora eles  já se falam mas não são ouvido pela platéia. Seus gestos e palavras que continuam não sendo ouvidos pela platéia acompanham o ritmo da música. Ao mesmo tempo, parece que tudo acontece em câmera lenta. Seus gestos e palavras inaudíveis interpretam a mensagem da música. O anjo e o filósofo  dançam solto, fazem gestos de maestro, como quem comanda uma orquestra. Esta parte vai depender da criatividade dos atores. A Jamila, que estava assustada num canto, do meio para o fim da música vai demonstrando afeição pelo filósofo e o anjo, vai se aproximando aos poucos, até  se entrosar com os dois velhos amigos. A peça termina com eles conversando animadamente, mas as palavras deles não podem ser ouvidas pela platéia, que só consegue ouvir a música. Os atores devem fazer o possível para interpretar a música, para que fique mais atraente, principalmente se esta peça estiver sendo apresentada a um público pouco afeiçoado à cultura clássica.
Para terminar, os três se despedem com beijinhos no rosto, Jamila e o anjo saem e o professor fica agradecendo os primeiros aplausos, abraçado com a tábua da salvação, que na despedida foi entregue solenemente pelo anjo. Ato contínuo os dois voltam a agradecem os aplausos da platéia ao lado do Professor.


Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, fazer uso comercial da obra, desde que seja dado crédito ao autor original (Marcos Barbosa - www.recantodasletras.com.br/autores/marcosbarbosa). Você não pode criar obras derivadas.


segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Consciência



  Consciência, privilégio dado aos seres racionais, muito mais que uma condição, um estado de espírito. Devida suas características transcendentais pressupõe uma percepção e acuidade dos sentidos humanos num patamar tão abstrato que a torna quase intangível. Pairam sobre essa palavra uma miríade de conceitos, definições, opiniões e contradições. A quem chegue a questionar a necessidade da racionalidade para a comprovação da consciência, existem suposições que facultam a outros seres vivos, chamados irracionais, a possibilidade de experimentar motivados pelo instinto, um estado primitivo de consciência. Como se pode notar, o assunto é de fato controverso, nebuloso e abrangente. Seria ousadia demais tentar abarcar num simples texto parte das peculiaridades que lhe são inerentes, contudo é possível tecer algumas considerações sobre o que seja consciência.

  A palavra consciência é empregada cotidianamente nas mais comuns e triviais atividades como parte corriqueira do vocabulário, é geralmente usada no sentido de conhecimento, noção, tomar ciência, consentimento, aprovação, etc, frequentemente respaldado por algum valor moral ou religioso. Mas acepção deste nobre vocábulo insinua um desígnio mais elevado, aquele que concede ao homem a capacidade de se reconhecer enquanto criatura pensante, que é mais complexo, possibilitando aprender, conhecer, experimentar e examinar as conseqüências de seus atos e sentimentos frente às outras pessoas e ao mundo, permitindo a própria percepção da individualidade humana, que torna cada ser racional, único, em todo universo, supondo a inexistência da dualidade “consciencial”.

  Desde a assimilação da concepção de consciência pelo intelecto humano, instigados inicialmente pelos aspectos metafísicos que lhe são intrínsecos, vem-se buscando compreender os mistérios acerca da raiz dos pensamentos do homem. Mesmo que se remonte a história aos tempos pré-científicos, não é possível ir muito além da Grécia antiga, berço da filosofia. Difícil especular porque os gregos tiveram essa propensão a questionar as idéias a respeito do mundo e as interações do homem com ele, mas foi contundente o bastante para mudar os rumos da humanidade desde então. Talvez não tenham sido somente eles, mas é certo que eles fizeram aflorar naquele momento mais que o pensamento, mas também os conceitos oriundos das reflexões sobre a natureza e as origens do homem. Quando o matemático fenício Tales de Mileto, fundador da escola Jônica, transmitiu aos discípulos suas compreensões sobre a Terra e sua astronomia, uma vez que não nos legou nada escrito, iniciou um movimento humano incessante pela busca sensata de respostas.

  O empreendimento desta jornada infindável a procura do real significado da consciência tem esbarrado ao longo percurso em todo tipo de obstáculo cultural, histórico, religioso, teórico, contemporâneo e anacrônico.

  A célebre frase de René Descartes “penso, logo existo”, suscita a o questionamento que lhe é inerente. Desde a mais tenra infância até a percepção do “eu”, que delimita a individualidade humana, consubstanciado no sentimento da autoconsciência, aquele que faculta a cada pessoa o próprio reconhecimento através da ocupação de seu espaço frente ao mundo e aos outros seres com quem interage. A compreensão dessa linha divisória é imprescindível para o reconhecimento individual, ela permite identificar-se dentro de um contexto mais amplo, o da natureza que nos envolve. Como consequência das experiências pessoais, vão sendo construídos os conceitos que erigem as compreensões a respeito do que é observado e vivenciado. Naturalmente ao longo do tempo esses valores tendem a se modificar influenciados meio onde cada um habita e desenvolve seus juízos a respeito do mundo. Esse aspecto fundamental não deve ser ignorado em momento algum da jornada pela vida, porque dele derivarão o substrato duro ou permeável onde crescerá a consciência. Caso seja duro ou impermeável, a consciência o refletirá, tornando-se inerte e refratária a mudança e ao novo, o contrário, no entanto, permite a absorção de novas ideias e concepções a respeito do que se vive.

  Cada vez mais se percebe a busca pela informação, pela cultura, a tecnologia moderna propicia a um número incontável de pessoas o acesso ao conhecimento, extrapolando os limites geográficos das distâncias e do tempo que antes isolavam o saber humano em “tribos”. A derrubada dessas restrições concedeu as pessoas uma interação nunca antes vista, hoje a vastidão do planeta se resume a um apertar de teclas, não se justifica mais a alienação decorrente da contingência das fronteiras impostas pelo horizonte, que contido, resumia a esfera terrestre ao plano que podia ser observado. Bem aventurados sejam o ventos que trazem a qualquer um a brisa do saber, provendo o direito de se aventurar além do mundo concreto, palpável e plausível, fazendo progredir a consciência para o quê a caracteriza primordialmente, a sua origem enigmática.

  Reflexo das experiências acumuladas ao longo da jornada da vida, das concepções do bem e do mal, qualquer um está sujeito as suas próprias deficiências e propensões. É fácil se iludir, a natureza humana convida ao conforto e ao comodismo das verdades prontas, ignoto dessa condição muitos se deixam levar pelos conceitos alheios, atordoando os sentidos que buscam no conhecimento íntimo os ingredientes que misturados aos experimentos individuais culmirão na verdade obtida a partir das reflexões do próprio “eu”. Vítimas do senso comum, que escraviza e enfraquece a vontade, o homem se torna presa fácil de um modelo que lhe impinge uma barreira mental que não consegue transpor, produto do adestramento no qual se internou inconsciente de sua própria consciência.

  Formatada no molde existencial de cada um, a consciência expressa em si mesma a realidade em que a criatura humana se encontra exposta, consumada na declaração de Rousseau, “o homem é fruto do meio em que vive”, que também afirma que homem nasce “bom”, sendo corrompido posteriormente pela sociedade, ressalta a importância do zelo para com ela, não só como característica do psiquismo humano, mas como algo mais abrangente que a própria vida, considerando suas possibilidades metafísicas.

É inevitável fazer uma associação do conceito de inteligência emocional à consciência. As emoções humanas, que se constituem basicamente de sentimentos não podem ser ignoradas como coadjuvantes no processo de construção da consciência, simplesmente porque é praticamente impossível se desvencilhar delas ao raciocinar, refletir e compreender um novo pensamento ou conceito. Mensurar de forma hábil, imparcial e centrada as questões que são apresentadas pela vida não é tarefa fácil, a suscetibilidade aos sentimentos e estímulos de terceiros, intervém em nosso juízo comprometendo a clareza de pensamento tão necessária a identificação das experiências da vida. O mau uso das emoções prejudica a capacidade de filtrar as informações turvando o pensamento e o raciocínio. Ser capaz de controlar as variações emocionais, que ora se apresentam reprimidas, é um aspecto preponderante para o exercício pleno da consciência. Sucumbir ao sentimentalismo atrapalha o processo de autoconhecimento, principalmente quando essa condição implica na supressão das compreensões individuais. Muitas vezes essa anulação decorre simplesmente do medo em confrontar uma realidade onde podem estar inseridos outros seres humanos na qual se está envolvido, anulando as percepções oriundas da própria cognição. A necessidade de inter-relacionar não impede que se façam as próprias escolhas, através da inteligência, da educação, gentileza e afabilidade é possível contornar os entraves culturais, religiosos ou ideológicos, alcançando o sucesso na busca pela consciência, embora muitas vezes os argumentos sensatos, por mais inquestionáveis que sejam, esbarrem na nefasta barreira dogmática, configurada pela miopia mental que aflige os sectários.

  Tratando propositalmente com superficialidade os assuntos correlatos ao desenvolvimento da consciência individual, as religiões, crenças e doutrinas tendem a oprimir qualquer corrente de pensamento que ouse se rebelar contra suas verdades absolutas, esses opressores da atuação da consciência condenam e execram toda e qualquer forma de manifestação autônoma, justificando sua atitude na irrefutável vontade do aclamado ente superior. Mais que um direito, o questionamento é intrínseco ao processo de evolução humano, a negação do questionamento constitui-se por si só na renúncia a busca pela verdade, configurando a inquestionável dogmatização, que associa sempre que possível a perfeição a uma consciência superior, reservando somente aos crédulos e “dignos”, um espaço para o conhecimento das verdades de si mesmo e sua redenção.

  O cerceamento a reação é uma característica comum em qualquer processo doutrinário, visando nada mais que resguardar e manter imaculada a integridade de seu conteúdo, desdenhando outras fontes do saber, como se sua autoria constituísse a revelação de alguma divindade, ou de um ser iluminado, certificando-se de tratá-la como obra de algum emissário abençoado, aludindo a alguém mais evoluído que as pessoas comuns. Essa impostura configura-se na intransigência a manifestação da razão pela busca da verdade, tão necessário ao processo de modelagem de conhecimentos que poderão fazer parte da consciência. A admissão desse conceito assinala de forma indelével a sujeição do indivíduo a sua condição de incapaz de consentir suas próprias percepções, tolhindo-lhe mais que a liberdade de escolha, mas a reboque, também sua consciência, que anestesiada pelos dogmas torna-se incapaz de manifestar-se balizada pela razão, uma vez que, inadvertidamente, já admitiu sua própria condição de inferioridade perante aquele que ela mesma elegeu como ente superior.

  Qualquer tipo de sectarismo, que eleja seus messias, gurus ou mestres, demonstra a submissão à “verdade revelada”, independente do teor da mensagem transmitida, evidencia como sempre o condicionamento, a doutrinação, inibindo a livre atuação da consciência e da percepção da verdade. Atuando de forma sutil, transparente, praticamente invisível às faculdades de sentir e perceber daqueles que ingenuamente se acham capazes de pensar por si só.

  Ao dotar o homem de consciência a “natureza” brindou a ele uma dádiva, cuja base se fundamenta totalmente no exercício do livre arbítrio, a utilização dessa característica humana, só pode ser plenamente realizada quando os fatores de interferência externos não forem capazes de sobrepujar sua manifestação íntima e silenciosa.

  Sabendo-se que os conhecimentos são adquiridos de forma individual e aleatória de acordo com as experiências de cada um acerca de sua própria realidade, e sendo ela um conjunto de objetos nem sempre concretos, tem-se também que inferir através da sensibilidade as limitações lógicas de qualquer argumento. Essa relação de causa e efeito induz uma série de considerações sobre o raciocínio, que deve objetivar na medida do possível a aquisição de um novo conhecimento a partir de uma coleta de dados previamente selecionados, almejando algum de grau de assimilação a respeito dos mesmos, em síntese, a consciência aparentemente deriva dos processos resultantes da união do conhecimento, da experiência e do raciocínio pessoal.

  Paradoxalmente, o ato de raciocinar, tão peculiar a natureza humana, não pressupõe imediatamente o emprego consciência, constituindo-se basicamente de uma função cerebral, embora pressuponha inteligência, fato que naturalmente acontece ao se realizar cálculos mentais. Normalmente seus resultados se aplicam a obtenção de respostas curtas ou até a elaboração de argumentos sensatos que fundamentem a assimilação de algum conceito mais profundo sobre um assunto anteriormente observado e ponderado. Já o pensamento, produto elaborado da atividade de pensar, permite ao homem mais que perceber seu papel, inserindo-o no mundo, mas comprovar a expressão da consciência do espírito humano.

  Seria a consciência prerrogativa do pensamento, ou pensamento é fruto apenas da razão, da capacidade de raciocinar, ou ainda, a razão só se consumaria em resposta a atuação inteligência? Poder-se-ia deduzir que a consciência seria então o pré-requisito dessa tríade, constituindo desta forma uma contradição, sendo ela, ao mesmo tempo, a causa e a consequência de sua própria manifestação?

  Tentar conceituar filosófica ou cientificamente o que seja consciência é tão etéreo quanto sua própria confirmação. Esse fenômeno psicológico talvez esconda mais do que se pode ver a seu respeito, encobrindo na sua complexidade os aspectos metafísicos intrínsecos a existência de cada um. Dentre as qualidades humanas a consciência ergue-se soberana, valendo-se da completude do conhecimento que abarca na medida do que se vive, desta forma a cada dia vencido pode-se galgar um degrau a mais na escada da evolução. Partindo-se da premissa que não se pode renegar a existência de alguma coisa que ainda não se teve acesso, ser consciente é se permitir ao novo, ao desconhecido, consiste em quebrar paradigmas para ir além. É aniquilar o próprio medo da incerteza do eterno, conformando-se humildemente que talvez não seja possível entender tudo aquilo que se passa diante dos olhos, mas tendo a convicção de que apesar das limitações da percepção de nossa consciência, ela representa por si só, a vinculação a “algo” que está além de nossa própria existência.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O Pensamento Complexo



O texto reproduzido abaixo é de autoria de Humberto Mariotti e expõe de forma bastante profunda e conclusiva a sutil contradição inerente aos pensamentos de tudo que a vida nos possibilita conhecer e experimentar. O autor apresenta ao final um "check list" muito interessante a respeito do assunto abordado.


1. A complexidade não é um conceito teórico e sim um fato da vida. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira. É preciso, pois, tanto quanto possível entendê-los para melhor conviver com eles.
2. Não importa o quanto tentemos, não conseguimos reduzir essa multi-dimensionalidade a explicações simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras ou esquemas fechados de idéias. A complexidade só pode ser entendida por um sistema de pensamento aberto, abrangente e flexível — o pensamento complexo. Este configura uma nova visão de mundo, que aceita e procura compreender as mudanças contínuas do real e não pretende negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza, e sim conviver com elas.
3. Lembremos uma frase de Jean Piaget: "Os fenômenos humanos são biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e mentais em seus meios". A experiência humana é um todo bio-psico-social, que não pode ser dividido em partes nem reduzido a nenhuma delas. Primeiro, percebemos o mundo. Em seguida, as percepções geram sentimentos e emoções. Na seqüência, estes são elaborados em forma de pensamentos, que vão determinar o nosso comportamento no cotidiano.
4. O modo como nos tornamos propensos (pela educação e pela cultura) a pensar é que vai determinar as práticas no dia-a-dia, tanto no plano individual quanto no social. Do ponto de vista bio-psico-social, o principal problema para a implantação do desenvolvimento sustentado (e portanto o desenvolvimento da cidadania) é a predominância, em nossa cultura, do modelo mental linear (ou lógica aristotélica, ou lógica do terceiro excluído).
5. Por esse modelo, A só pode ser igual a A. Tudo o que não se ajustar a essa dinâmica fica excluído. É a lógica do "ou/ou", que deixa de lado o "e/e", isto é, exclui a complementaridade e a diversidade. Desde os Gregos que esse modelo mental vem servindo de sustentação para os nossos sistemas educacionais.
6. Essa lógica levou à idéia de que se B vem depois de A com alguma freqüência, B é sempre o efeito e A é sempre a causa (causalidade simples). Na prática, essa posição gerou a crença (errônea) de que entre causas e efeitos existe sempre uma contigüidade ou uma proximidade muito estreita. Essa concepção é responsável pelo imediatismo, que dificulta e muitas vezes impede a compreensão de fenômenos complexos, como os de natureza bio-psico-social.
7. O modelo mental cartesiano é indispensável para resolver os problemas humanos mecânicos (abordáveis pelas ciências ditas exatas e pela tecnologia). Mas é insuficiente para resolver problemas humanos em que participam emoções e sentimentos (a dimensão psico-social). Um exemplo: o raciocínio linear aumenta a produtividade industrial por meio da automação, mas não consegue resolver o problema do desemprego e da exclusão social por ela gerados, porque se trata de questões não-lineares. O mundo financeiro é apenas mecânico, mas o universo da economia é mecânico e humano.
8. Desde os primeiros dias de escola (e de vida, dentro da cultura), nosso cérebro começa a ser profundamente formatado pelo modelo linear. Para ele, o predomínio de um determinado pensamento, com exclusão de quaisquer outros é "lógico" e perfeitamente "natural". Essa é a essência das ideologias em geral e do autoritarismo em particular. Desse modo, fenômenos como a exclusão social são também vistos como "lógicos", "naturais" e "inevitáveis".
9. O modelo mental linear-cartesiano forma a sustentação do empirismo, que diz que existe uma única realidade, que deve ser percebida da mesma forma por todos os homens. Hoje, porém, sabe-se que não existe percepção totalmente objetiva (ver abaixo, no item 11, a posição de Humberto Maturana).
10. Por isso, nos últimos anos esse modelo de pensamento tem sido questionado de muitas formas, inclusive pelo pensamento complexo. Este permite entender os processos autopoiéticos (autoprodutores, auto-sustentados, autogestionários), dos quais as sociedade humanas constituem um exemplo.
11. O pensamento complexo origina-se a partir da obra de vários autores, cujos trabalhos vêm tendo ampla aplicação em biologia, sociologia, antropologia social e desenvolvimento sustentado. Uma de suas principais linhas é a biologia da cognição, de Maturana, que sustenta que a realidade é percebida por um dado indivíduo segundo a estrutura (a configuração biopsico-social) de seu organismo num dado momento. Essa estrutura muda continuamente de acordo com a interação do organismo com o meio.
12. A diversidade de visões não impede (pelo contrário, pede) que cheguemos a acordos (consensos sociais) sobre o mundo em que vivemos. Esses consensos é que vão determinar as práticas sociais. Para que possamos chegar a consensos que levem em conta o respeito à diversidade de pontos de vista é necessário observar alguns parâmetros essenciais:
  •  O que chamamos de racional é o resultado de nossas percepções. No início, elas surgem como sentimentos e emoções. Só depois é que se transformam em pensamentos, que geram discursos, que por fim são formalizados como conceitos.
  •  O racional vem do emocional, não o contrário. Isso não quer dizer que devamos deixar de ser racionais. Significa apenas que precisamos aprender a harmonizar razão e emoção, pensamento mecânico e pensamento sistêmico. Essa é a proposta essencial do modelo complexo.
  •  Uma cultura é uma rede de conversações que define um modo de viver. Toda cultura é definida pelos discursos que nela predominam. Estes se originam nas conversações, que começam entre indivíduos, estendem-se às comunidades e por fim a todo o âmbito cultural.
  •  Os consensos sociais (que determinam, por exemplo, o que é permitido e o que não é, o que é real e o que é imaginário numa determinada cultura) resultam desses discursos, que por sua vez são oriundos das redes de conversação.
  •  Cresce-se numa cultura vivendo nela como um indivíduo participante da rede de conversações que a define. Crescer numa cultura significa, então, adquirir e desenvolver a cidadania.
  •  Uma cultura que não desenvolve a cidadania de seus membros não cresce, permanece subdesenvolvida. Logo, não pode sequer começar a pensar em desenvolvimento sustentado.
  •  Como vimos há pouco, todo sistema racional começa no emocional: o que pensamos vem do que sentimos. É por isso que nenhum argumento racional pode convencer as pessoas que já não estejam desde o início convencidas ou propensas a isso.
  •  Os argumentos racionais são úteis para iniciar conversações. Mas se eles insistem em permanecer lineares (ou seja, excludentes, apegados ao "ou/ou"), isso significa que querem manter-se como os únicos "verdadeiros", isto é, que não respeitam a diversidade. E esta, como sabemos, é a essência da cidadania.

13. Dessa maneira,
  •  Não se pode desenvolver uma compreensão satisfatória da cidadania e de desenvolvimento sustentado cuja essência seja apenas no pensamento linear.
  •  Por outro lado, o pensamento sistêmico, quando isolado, é também insuficiente para as mesmas finalidades.
  •  Há, portanto, necessidade de uma complementaridade entre ambos os modelos mentais. O pensamento linear não se sustenta sem o sistêmico, e vice-versa. O desenvolvimento sustentado precisa de um modelo de pensamento que lhe dê sustentação e estrutura. Este é o pensamento complexo.
  •  Como os processos de pensamento hegemônicos em nossa cultura estão unidimensionalizados pelo modelo linear, só um esforço educacional que comece na infância terá possibilidades de reverter de modo significativo esse quadro. Isso implica pelo menos o prazo de uma geração.
  •  No caso dos adolescentes e adultos de hoje, é possível alcançar mudanças substanciais nessa área, desde que eles sejam educacional e culturalmente sensibilizados.
  •  Para isso, é essencial a atuação das entidades do terceiro setor (entidades comunitárias), porque por meio delas é possível questionar a rigidez institucional e o modelo mental linear que, em geral, caracteriza as estruturas governamentais.


Pensamentos linear, sistêmico e complexo

1. Em primeiro lugar, lembremos o exemplo de Joseph O’Connor e Ian McDermott. A Terra é plana? É claro que sim: basta olhar o chão que pisamos. No entanto, como mostram as fotografias dos satélites e as viagens intercontinentais, ela é obviamente redonda. Concluímos então que do ponto de vista do pensamento linear, de causalidade simples e imediata, a Terra é plana. Uma abordagem mais ampla, porém, mostra que ela é redonda e faz parte de um sistema.

2. Precisamos dessas duas noções para as práticas do cotidiano. Mas elas não são suficientes, o que nos leva a ampliar o exemplo desses autores e dizer que:
a) do ponto de vista do pensamento linear a Terra é plana;
b) pela perspectiva do pensamento sistêmico ela é redonda;
c) por fim, do ângulo do pensamento complexo — que engloba os dois anteriores — ela é ao mesmo tempo plana e redonda.

3. Recapitulemos:

 O pensamento linear, ou linear-cartesiano, é a tradução atual da lógica de Aristóteles. Trata-se de uma abordagem, necessária (e indispensável) para as práticas da vida mecânica, mas que não é suficiente nos casos que envolvem sentimentos e emoções. Ou seja, não é capaz de entender e lidar com a totalidade da vida humana.

 O pensamento sistêmico é um instrumento valioso para a compreensão da complexidade do mundo natural. Porém, quando aplicado de modo mecânico, como simples ferramenta (como se vem fazendo nos dias atuais, principalmente nos EUA, no mundo das empresas), proporciona resultados meramente operacionais, que não são suficientes para compreender e abranger a totalidade do cotidiano das pessoas.

 Por outras palavras, o pensamento sistêmico pode proporcionar bons resultados no sentido mecânico-produtivista do termo, mas certamente não é o bastante para lidar com a complexidade dos sistemas naturais, em especial os humanos.

 É indispensável ter sempre em mente que, em que pese a sua grande importância, ele é apenas um dos operadores cognitivos do pensamento complexo. Por isso, quando utilizado, como tem sido, separado da idéia de complexidade, diminuem a sua eficácia e potencialidades.

 O pensamento complexo resulta da complementaridade (do abraço, como diz Edgar Morin) das visões de mundo linear e sistêmica. Essa abrangência possibilita a elaboração de saberes e práticas que permitem buscar novas formas de entender a complexidade dos sistemas naturais e lidar com ela, o que evidentemente inclui o ser humano e suas culturas. As conseqüências práticas dessa visão bem mais ampla são óbvias.

Alguns princípios do pensamento complexo
  •  Tudo está ligado a tudo.
  •  O mundo natural é constituído de opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares.
  •  Toda ação implica um feedback.
  •  Todo feedback resulta em novas ações.
  •  Vivemos em círculos sistêmicos e dinâmicos de feedback, e não em linhas estáticas de causaefeito imediato.
  •  Por isso, temos responsabilidade em tudo o que influenciamos.
  •  O feedback pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço.
  •  Todo sistema reage segundo a sua estrutura.
  •  A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua organização.
  •  Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais.
  •  Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis.
  •  Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo.
  •  Nunca se pode fazer uma coisa isolada.
  •  Não há fenômenos de causa única no mundo natural.
  •  As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus componentes.
  •  É impossível pensar num sistema sem pensar em seu contexto (seu ambiente).
  •  Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa.


Alguns benefícios do pensamento complexo
  •  Facilita a percepção de que a maioria das situações segue determinados padrões.
  •  Facilita a percepção de que é possível diagnosticar esses padrões (ou arquétipos sistêmicos, ou modelos estruturais) e assim intervir para modificá-los (no plano individual, no trabalho e em outras circunstâncias).
  •  Facilita o desenvolvimento de melhores estratégias de pensamento.
  •  Permite não apenas entender melhor e mais rapidamente as situações, mas também ter a possibilidade de mudar a forma de pensar que levou a elas.
  •  Permite aperfeiçoar as comunicações e as relações interpessoais.
  •  Permite perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade.
  •  Por isso, aumenta a capacidade de tomar decisões de grande amplitude e longo prazo.


O que se aprende por meio do pensamento complexo
  •  Que pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeito borboleta).
  •  Que nem sempre aprendemos pela experiência.
  •  Que só podemos nos autoconhecer com a ajuda dos outros.
  •  Que soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que aqueles que estamos tentando resolver.
  •  Que não existem fenômenos de causa única.
  •  Que toda ação produz efeitos colaterais.
  •  Que soluções óbvias em geral causam mais mal do que bem.
  •  Que é possível (e necessário) pensar em termos de conexões, e não de eventos isolados.
  •  Que os princípios do pensamento sistêmico podem ser aplicados a qualquer sistema.
  •  Que os melhores resultados vêm da conversação e do respeito à diversidade de opiniões, não do dogmatismo e da unidimensionalidade.
  •  Que o imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o subdesenvolvimento, seja ele pessoal, grupal ou cultural.


O trecho acima foi extraído do livro de Humberto Mariotti As Paixões do Ego: Complexidade, Política e Solidariedade
(São Paulo, Editora Palas Athena, 2000).

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Matrimônio



   Originada do latin arcaico “matris”, que quer dizer “mãe”, a palavra matrimônio abrange no seu significado muito mais que a simples união entre homem e mulher. Segundo as crenças, independentes da localidade onde são professadas, tendem a atribuir ao “divino”, aquilo que a “natureza”, já havia condicionado a todas as espécies sexuadas viventes sobre está Terra, o conseqüente acasalamento, imposto pelo instinto de preservação. Foi assim que as mais variadas formas de vida sexuadas deste planeta também “cresceram, multiplicaram e encheram a terra”.

   A união entre macho e fêmea é uma prerrogativa necessária a todos os seres que se reproduzem a partir dela, mesmo entre os humanos, é forte a manifestação do instinto que nos impulsiona a busca do parceiro, que neste caso será regida não pela força demonstrada na corte ou viço da plumagem, mesmo que inicialmente deixe-se influenciar pelos aspectos físicos, com certeza deverá prevalecer um conceito mais profundo, o da convivência que permite o conhecimento do outro, tão necessário a perpetuidade da união.

   A sacralização do casamento, como uma união vitalícia encobre a injustiça que lhe é inerente, impondo aos que se submeteram a essa lei, uma regra impiedosa e cruel. Ao longo da história não são raros os casos das conseqüências devastadoras destes dogmas. Quantos homens ou mulheres não padeceram assassinados pelos cônjuges, que sem se amarem, precisavam livrar-se do outro para constituir novo matrimônio, cometendo todo tipo de atrocidades para poder legitimar outra união diante de Deus. Não foi este o motivo que levou Henrique VIII a instituir a Igreja Anglicana em 1534, rompendo com Vaticano? Mas este fragmento de história serve apenas como referência, os males desta prática vão muito além.

   Mesmo que se afirme que o matrimônio é considerado sagrado nas mais diversas culturas, associando-o a vontade de um ente superior, colocando nas mãos de Deus um assunto tão natural. O fato é que o matrimônio está atrelado aos costumes, mesmo que “todo mundo” saiba que cabe simplesmente àqueles que se amam ou ao casal, definir entre ambos quando, como e se desejam realmente legitimar essa união perante o divino. A benção do casamento não tornará o homem ou a mulher que dele fazem parte, melhores ou piores do que realmente são, crer que isto vá mudar a personalidade humana da noite para o dia nada mais é que um equívoco, atribuindo as crenças o papel pedagógico de ensinar uma conduta que é de responsabilidade dos ingênuos nubentes.

   Talvez seja devido a isto que muitos sacerdotes aleguem que o fracasso matrimonial se deve a ausência da bênção divina sobre o casal. É muito cômodo e conveniente demonstrar aos fiéis a importância do criador, da sua relevância para a felicidade da união humana. Para todos aqueles que não se uniram sob sua consagração, considerando meramente a legalidade de uma união civil, resta, por conseqüência, a condenação a infelicidade. Deduz então, que quaisquer pessoas nessas condições estarão sujeitas ou mais propensas a infidelidade, a discórdia e ao divórcio, uma vez que não se submeteram ao sacramento. Portanto, é cabível interpretar que perante a religião, o casamento sob a tutela das leis humanas e o direito a anticoncepção contrariando as escrituras sagradas constituem o ilícito, desprezando a relevância da justiça de paz.

   Poderia ser este um fator de desagregação familiar? Uma das terríveis causas da tão propalada decadência da sociedade humana?

  Essas afirmações têm encontrado guarida nas mais diversas correntes doutrinárias. Mesmo que oriundas de ideologias diferentes, neste ponto elas mantém uma comunhão, uma unanimidade quase assombrosa a respeito desses assuntos elevados. Pelo que temem elas, pelo infortúnio que serão submetidos aqueles que se sujeitaram a união profana, materialista, o que seria muito nobre, ou a perda de um “status”, que lhes confere o poder da divindade, da salvação?

   Ultimamente a luz da razão tem colocado em xeque vários dogmas, incluindo o caráter sagrado de muitas celebrações religiosas. A indissolubilidade do sacramento é uma delas. Ora, uma união entre homem e mulher, ou de qualquer outra natureza, deve estar atada a vontade daqueles que a compõe, porque até onde se saiba, não existem garantias de felicidade vitalícia em lugar algum. Todos têm limitações, se existe imperfeição, use compreensão, se existe ódio, use amor, se existe rivalidade, use amizade. É claro que existem defeitos, mas sempre haverá qualidades que deverão prevalecer para contrapô-los. Esse é o mérito, utilizar-se das virtudes de cada um para levar a cabo o relacionamento, compreendendo que o ideal é aquilo que está ao nosso alcance, e não aquilo que imaginamos ser. Querer que o relacionamento perdure porque trata-se da ”vontade” de Deus é desumano, irracional, impor ao casal a perpetuidade do sofrimento de algo que não deu certo, que não traz mais consigo o prazer de estar junto, que deve ser-lhe inerente, aflorando em seu lugar a dor reprimida das emoções contidas, respaldada apenas pelo vazio das aparências, não pode contraditoriamente constituir-se na vontade Dele.

   Será que não importa as religiões o sofrimento alheio, ou trata-se simplesmente de uma contingência que a pessoa deverá se submeter por ter feito uma escolha infeliz da qual nunca poderá se redimir nesta vida; sendo obrigada a se sujeitar as infindáveis terapias de casal, ou pior, quando estas são realizadas em grupo, onde todos estão constrangidos e coagidos pela vergonha de expor a intimidade conjugal, acuados, submetendo-se à vontade de terceiros, deixando-se influenciar pelo pensamento daqueles que presumidamente só lhe querem bem.

   Para que possamos ter uma sociedade justa, onde o direito a cidadania é respeitado, é necessário desmistificar o matrimônio, a união de dois seres humanos deve ser laica, sem nenhuma apologia ao homossexualismo, mas permitindo ao cidadão a liberdade de manifestar sua vontade de escolha, sem preconceitos, sem que isso constitua crime. Senão, em respeito aos pais, responsáveis ou amigos, não cabe a terceiros ou a qualquer um julgar a natureza de uma união. As pessoas se unem por uma infinidade de motivos, amor, dinheiro, ascensão social e até pelas mais diversas necessidades, como uma nacionalidade estrangeira. De fato, não se pode ignorar alguma banalização deste ato solene, salientando que a causa natural do acasalamento é a procriação, como gostam de relembrar as religiões, que também insistem em afirmar que o casamento nos moldes atuais configure apenas a formalização de um relacionamento sexual. Apesar de tudo deve prevalecer a razão, o registro civil, aquele que é oficioso, que concede aos indivíduos que se confiam os direitos da condição de “cônjuge”, que é um termo neutro, assexuado, apto a qualquer tipo de união celebrada diante do juiz.

   Desvelado dos pecados atribuídos pelos dogmas, dos interesses espúrios, das estranhezas culturais como o matrimônio infantil, poligamia, entre outros, a união afetiva entre pessoas é acima de tudo uma oportunidade. A vida a dois propicia ao casal uma riqueza de experiências pessoais únicas que não devem ser desprezadas. O quanto é possível conhecer, compreender e aprender no convívio com o outro, compartilhando tudo que a vida nos oferece, até aquilo que não gostamos. Quando somos dois, as coisas se tornam mais tangíveis, nos tornamos mais fortes, estamos menos suscetíveis ao desespero, amparados pela nossa cara metade. Essa colaboração mútua se estende além da intimidade, imantando toda a família e o que estiver ao alcance de ambos com felicidade irradiada pelo compromisso consciente e respeitoso. A fecundidade feminina, que acolhe e armazena em seu ventre o resultado desse amor, presenteia aos pais a mais cara dádiva desta união, consumada pelo milagre da vida, posterizando mais do que o sangue e a carne, mas também tudo de bom que se poderá aprender e transmitir a esse novo ser.

   No final chegamos ao início, independentemente dos credos, das doutrinas, das ideologias, das convicções, constatamos que a solidez de uma união normalmente culminará na atuação das leis da “Natureza”, a conseqüente procriação.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Essas Mulheres


   Certas coisas nesse mundo são incompreensíveis, uma delas é a postura masculina diante das mulheres. Considerando que a pouco mais de um século, a esmagadora maioria das mulheres não tinha praticamente nenhum direito reconhecido, de pasmar essa constatação, levando-se em conta sua situação atual, menos constrangedora, elas ainda continuam subjugadas pelos preconceitos oriundos das mais diversas fontes. 

    Devido às imposições naturais sobre a evolução da criatura humana, as esposas, fisicamente mais frágeis, permaneciam em seus abrigos em função da própria necessidade de sobrevivência e preservação da espécie, quiçá influenciadas pelo instinto materno, porém, vimos observando através dos tempos a lenta e gradual quebra de paradigmas. Realmente, houve na pré-história do homem uma justificativa plausível para tal conduta, mas o que observamos com transcorrer das eras foi a manutenção do “status” do macho frente a subserviência feminina, sem nenhum apelo lógico. Quando o homem começou a formar suas primeiras vilas ou cidadelas, as ameaças do ambiente natural se tornaram menores, desde então, elas poderiam usufruir de outra condição, menos degradante e mais justa frente à “sociedade”.

   Desde a Grécia antiga, das deusas, musas e pitonisas, berço da filosofia ocidental, essa postura lamentável vinha sendo mantida nos meios acadêmicos. Discípulo de Sócrates, Platão, ilustre pensador e fundador da Academia em de Atenas, ignorando sua própria mitologia, talvez tenha sido um dos precursores desse processo. Para ele, a natureza feminina era inferior a dos homens. Esse pensamento platônico perdurou através dos séculos e outros grandes nomes da filosofia mundial aderiram a este devaneio, Descartes, Nietzsche, Schopenhauer, Hume, entre outros, que também posterizaram suas idéias equivocadas a respeito das mulheres. 

   A filosofia não é de todo culpada, isso não seria justo, as crenças e as religiões fizeram e ainda fazem a sua parte neste preconceito improcedente, submetendo as mulheres desde sua concepção divina, um papel secundário. Geralmente os livros “sagrados” cobram delas uma conduta ilibada, casta, irrepreensível, sem manchas. Quanto aos homens, estes seres “superiores”, há uma complacência maternal, tolerando o que para elas consumaria a condenação ao fogo eterno. Isso não é tudo. Elas devem atender aos anseios do marido, cozinhar, educar, cuidar das crianças, e daí por diante. Curiosamente, esse aspecto, é convergente entre várias correntes, e encontra respaldo no apoio sacerdotal. Estranha coincidência?

   Essa influência nefasta sobre as mentes femininas deve ser observada. Quando consideramos que todos os homens sobre esta terra foram gerados (até agora) em algum ventre, fica notória a atuação desses pensamentos sobre o agir da mulher. Na maioria das vezes ela é vítima da própria condição de escrava das imposturas, despercebida de sua condição, ela propaga deliberadamente aos seus, aquilo que assumiu como verdade inquestionável, convicta de estar fazendo o bem, quando na verdade cria sobre suas asas um homem que respeita apenas a figura materna, aquela que é sagrada, intocável; para todas as outras caberá o machismo e arrogância, fruto daquilo que lhe foi ensinado com a melhor das intenções.

   Passaram-se muitos os anos e a mulher continuava vista como uma serviçal e mais um objeto de prazer. Iniciou-se na Inglaterra no século XVIII, celeiro de tantos pensadores, o movimento feminista, que preconiza a igualdade de direitos entre homens e mulheres Duas mulheres e um homem se detacaram, Mary Wortley Montagu (1689-1762) escritora, poetisa e pioneira da vacinação contra a varíola na Europa, Mary Wollstonecraft (1739-1797), com a obra “A Reivindicação dos Direitos da Mulher” e John Stuart Mill (1806–1873), no século XIX,  com “Sujeição das Mulheres” onde comparou o casamento a escravização da mulher.

   Esses manifestos erigiram as fundações do comportamento feminino moderno. Conscientes e provocadas a cobrar seus direitos respaldados pela razão, elas partiram a busca daquilo que sempre lhes foi negado, a liberdade, a instrução e a independência pessoal. Paulatinamente, o feminismo vem superando barreiras sociais, ideológicas e dogmáticas, tudo isso em tão pouco tempo. Se as mulheres tivessem acesso aos seus direitos com mais brevidade, certamente a história da humanidade teria sido outra, quem sabe mais humana.

   Pelo ou menos no mundo ocidental, a situação tem melhorado nas últimas décadas.

   Muitas mulheres reclamam que os homens são lacônicos, em contrapartida, algumas tem a propensão a falar demais, esse comportamento pode sugerir a manifestação de sua sensibilidade mais refinada, amparada pela intuição (feminina). Agora libertas, elas recuperam o tempo que lhes foi roubado, desejam estudar mais, conhecer mais, saber mais e sentir mais. Se não bastasse isso, elas possuem uma visão de conjunto muito mais elaborada que a do sexo oposto, são atentas, escutam e gostam de ser ouvidas. Não é a toa que hoje mais da metade dos postos no mercado de trabalho, dos assentos nas universidades, e mais uma infinidade de lugares, elas tem ocupado seu lugar e se destacado, galgando posições na política e em altos cargos de chefia. Portanto devem os homens acordar, comunicar, sacudir a poeira, rever seus conceitos, reinventar-se, porque se estamos aqui, “racional e civilizadamente”, podemos somar, respeitar as diferenças sem desgastar a relação, seja no trabalho ou em casa, porque nunca nos será possível escapar dessa convivência celebrada pelos ditames da “natureza”. 

   A responsabilidade das mães, enquanto “mulheres”, é enorme, podem ajudar a mudar o mundo, plantando na mente fértil dos filhos homens a semente contra o preconceito, para que esta viceje bela e vigorosa como a planta bem adubada. Só elas têm como evitar a perenidade dessa situação, unida a sensatez do pai, minimizar esse problema crônico da humanidade. Geralmente, bons pais, são exemplos do zelo e do respeito mutuo, eles irão reforçar no pensamento dos pequenos a importância de alguns sentimentos, fazendo aflorar o amor, o afeto, a cumplicidade, a tolerância, a discrição e tantos outros que aproximam o casal. Essas bases fortalecem o relacionamento, os princípios familiares e tudo de bom que poderá advir da união sadia entre os sexos.

   Meu agradecimento a minha amada esposa, que tanto me compreende, auxilia e inspira; e a todas as mulheres, que brindam ao “homem”, o direito a vida.