Consciência,
privilégio dado aos seres racionais, muito mais que uma condição, um estado de
espírito. Devida suas características transcendentais pressupõe uma percepção e
acuidade dos sentidos humanos num patamar tão abstrato que a torna quase
intangível. Pairam sobre essa palavra uma miríade de conceitos, definições,
opiniões e contradições. A quem chegue a questionar a necessidade da
racionalidade para a comprovação da consciência, existem suposições que facultam
a outros seres vivos, chamados irracionais, a possibilidade de experimentar
motivados pelo instinto, um estado primitivo de consciência. Como se pode notar,
o assunto é de fato controverso, nebuloso e abrangente. Seria ousadia demais
tentar abarcar num simples texto parte das peculiaridades que lhe são
inerentes, contudo é possível tecer algumas considerações sobre o que seja
consciência.
A palavra consciência
é empregada cotidianamente nas mais comuns e triviais atividades como parte
corriqueira do vocabulário, é geralmente usada no sentido de conhecimento, noção,
tomar ciência, consentimento, aprovação, etc, frequentemente respaldado por
algum valor moral ou religioso. Mas acepção deste nobre vocábulo insinua um
desígnio mais elevado, aquele que concede ao homem a capacidade de se
reconhecer enquanto criatura pensante, que é mais complexo, possibilitando aprender,
conhecer, experimentar e examinar as conseqüências de seus atos e sentimentos
frente às outras pessoas e ao mundo, permitindo a própria percepção da
individualidade humana, que torna cada ser racional, único, em todo universo,
supondo a inexistência da dualidade “consciencial”.
Desde a assimilação da
concepção de consciência pelo intelecto humano, instigados inicialmente pelos
aspectos metafísicos que lhe são intrínsecos, vem-se buscando compreender os
mistérios acerca da raiz dos pensamentos do homem. Mesmo que se remonte a
história aos tempos pré-científicos, não é possível ir muito além da Grécia
antiga, berço da filosofia. Difícil especular porque os gregos tiveram essa
propensão a questionar as idéias a respeito do mundo e as interações do homem
com ele, mas foi contundente o bastante para mudar os rumos da humanidade desde
então. Talvez não tenham sido somente eles, mas é certo que eles fizeram
aflorar naquele momento mais que o pensamento, mas também os conceitos oriundos
das reflexões sobre a natureza e as origens do homem. Quando o matemático
fenício Tales de Mileto, fundador da escola Jônica, transmitiu aos discípulos suas
compreensões sobre a Terra e sua astronomia, uma vez que não nos legou nada
escrito, iniciou um movimento humano incessante pela busca sensata de respostas.
O empreendimento desta
jornada infindável a procura do real significado da consciência tem esbarrado
ao longo percurso em todo tipo de obstáculo cultural, histórico, religioso,
teórico, contemporâneo e anacrônico.
A célebre frase de René Descartes “penso,
logo existo”, suscita a o questionamento que lhe é inerente. Desde a mais tenra
infância até a percepção do “eu”, que delimita a individualidade humana,
consubstanciado no sentimento da autoconsciência, aquele que faculta a cada pessoa
o próprio reconhecimento através da ocupação de seu espaço frente ao mundo e
aos outros seres com quem interage. A compreensão dessa linha divisória é
imprescindível para o reconhecimento individual, ela permite identificar-se dentro
de um contexto mais amplo, o da natureza que nos envolve. Como consequência das
experiências pessoais, vão sendo construídos os conceitos que erigem as compreensões a respeito do que é observado e vivenciado. Naturalmente ao longo do
tempo esses valores tendem a se modificar influenciados meio onde cada um habita
e desenvolve seus juízos a respeito do mundo. Esse aspecto fundamental não deve
ser ignorado em momento algum da jornada pela vida, porque dele derivarão o
substrato duro ou permeável onde crescerá a consciência. Caso seja duro ou
impermeável, a consciência o refletirá, tornando-se inerte e refratária a
mudança e ao novo, o contrário, no entanto, permite a absorção de novas ideias e
concepções a respeito do que se vive.
Cada vez mais se
percebe a busca pela informação, pela cultura, a tecnologia moderna propicia a
um número incontável de pessoas o acesso ao conhecimento, extrapolando os
limites geográficos das distâncias e do tempo que antes isolavam o saber humano
em “tribos”. A derrubada dessas restrições concedeu as pessoas uma interação
nunca antes vista, hoje a vastidão do planeta se resume a um apertar de teclas,
não se justifica mais a alienação decorrente da contingência das fronteiras
impostas pelo horizonte, que contido, resumia a esfera terrestre ao plano que
podia ser observado. Bem aventurados sejam o ventos que trazem a qualquer um a
brisa do saber, provendo o direito de se aventurar além do mundo concreto,
palpável e plausível, fazendo progredir a consciência para o quê a caracteriza
primordialmente, a sua origem enigmática.
Reflexo das
experiências acumuladas ao longo da jornada da vida, das concepções do bem e do
mal, qualquer um está sujeito as suas próprias deficiências e propensões. É
fácil se iludir, a natureza humana convida ao conforto e ao comodismo das
verdades prontas, ignoto dessa condição muitos se deixam levar pelos conceitos
alheios, atordoando os sentidos que buscam no conhecimento íntimo os
ingredientes que misturados aos experimentos individuais culmirão na verdade obtida
a partir das reflexões do próprio “eu”. Vítimas do senso comum, que escraviza e
enfraquece a vontade, o homem se torna presa fácil de um modelo que lhe impinge
uma barreira mental que não consegue transpor, produto do adestramento no qual
se internou inconsciente de sua própria consciência.
Formatada no molde
existencial de cada um, a consciência expressa em si mesma a realidade em que a
criatura humana se encontra exposta, consumada na declaração de Rousseau, “o homem é
fruto do meio em que vive”, que também afirma que homem nasce “bom”, sendo
corrompido posteriormente pela sociedade, ressalta a importância do zelo para
com ela, não só como característica do psiquismo humano, mas como algo mais
abrangente que a própria vida, considerando suas possibilidades metafísicas.
É inevitável fazer uma
associação do conceito de inteligência emocional à consciência. As emoções
humanas, que se constituem basicamente de sentimentos não podem ser ignoradas
como coadjuvantes no processo de construção da consciência, simplesmente porque
é praticamente impossível se desvencilhar delas ao raciocinar, refletir e
compreender um novo pensamento ou conceito. Mensurar de forma hábil, imparcial
e centrada as questões que são apresentadas pela vida não é tarefa fácil, a
suscetibilidade aos sentimentos e estímulos de terceiros, intervém em nosso
juízo comprometendo a clareza de pensamento tão necessária a identificação das
experiências da vida. O mau uso das emoções prejudica a capacidade de filtrar as
informações turvando o pensamento e o raciocínio. Ser capaz de controlar as
variações emocionais, que ora se apresentam reprimidas, é um aspecto
preponderante para o exercício pleno da consciência. Sucumbir ao
sentimentalismo atrapalha o processo de autoconhecimento, principalmente quando
essa condição implica na supressão das compreensões individuais. Muitas vezes
essa anulação decorre simplesmente do medo em confrontar uma realidade onde
podem estar inseridos outros seres humanos na qual se está envolvido, anulando
as percepções oriundas da própria cognição. A necessidade de inter-relacionar não
impede que se façam as próprias escolhas, através da inteligência, da educação,
gentileza e afabilidade é possível contornar os entraves culturais, religiosos
ou ideológicos, alcançando o sucesso na busca pela consciência, embora muitas
vezes os argumentos sensatos, por mais inquestionáveis que sejam, esbarrem na nefasta
barreira dogmática, configurada pela miopia mental que aflige os sectários.
Tratando propositalmente com
superficialidade os assuntos correlatos ao desenvolvimento da consciência individual, as religiões, crenças e
doutrinas tendem a oprimir qualquer corrente de pensamento que ouse se rebelar
contra suas verdades absolutas, esses opressores da atuação da consciência condenam e
execram toda e qualquer forma de manifestação autônoma, justificando sua atitude
na irrefutável vontade do aclamado ente superior. Mais que um direito, o
questionamento é intrínseco ao processo de evolução humano, a negação do
questionamento constitui-se por si só na renúncia a busca pela verdade,
configurando a inquestionável dogmatização, que associa sempre que possível a
perfeição a uma consciência superior, reservando somente aos crédulos e
“dignos”, um espaço para o conhecimento das verdades de si mesmo e sua redenção.
O cerceamento a reação
é uma característica comum em qualquer processo doutrinário, visando nada mais
que resguardar e manter imaculada a integridade de seu conteúdo, desdenhando outras fontes do saber, como se sua
autoria constituísse a revelação de alguma divindade, ou de um ser iluminado,
certificando-se de tratá-la como obra de algum emissário abençoado, aludindo a alguém
mais evoluído que as pessoas comuns. Essa impostura configura-se na intransigência a manifestação da razão pela busca da verdade, tão necessário ao processo de modelagem
de conhecimentos que poderão fazer parte da consciência. A admissão desse conceito assinala
de forma indelével a sujeição do indivíduo a sua condição de incapaz de consentir suas próprias percepções, tolhindo-lhe mais que a liberdade de escolha, mas a
reboque, também sua consciência, que anestesiada pelos dogmas torna-se incapaz
de manifestar-se balizada pela razão, uma vez que, inadvertidamente, já admitiu
sua própria condição de inferioridade perante aquele que ela mesma elegeu como
ente superior.
Qualquer tipo de
sectarismo, que eleja seus messias, gurus ou mestres, demonstra a submissão à “verdade
revelada”, independente do teor da mensagem transmitida, evidencia como sempre
o condicionamento, a doutrinação, inibindo a livre atuação da
consciência e da percepção da verdade. Atuando de forma sutil, transparente,
praticamente invisível às faculdades de sentir e perceber daqueles que ingenuamente se acham capazes de pensar por si só.
Ao dotar o homem de consciência
a “natureza” brindou a ele uma dádiva, cuja base se fundamenta totalmente no exercício
do livre arbítrio, a utilização dessa característica humana, só pode ser
plenamente realizada quando os fatores de interferência externos não forem
capazes de sobrepujar sua manifestação íntima e silenciosa.
Sabendo-se que os
conhecimentos são adquiridos de forma individual e aleatória de acordo com as
experiências de cada um acerca de sua própria realidade, e sendo ela um
conjunto de objetos nem sempre concretos, tem-se também que inferir através da
sensibilidade as limitações lógicas de qualquer argumento. Essa relação de
causa e efeito induz uma série de considerações sobre o raciocínio, que deve
objetivar na medida do possível a aquisição de um novo conhecimento a partir de
uma coleta de dados previamente selecionados, almejando algum de grau de
assimilação a respeito dos mesmos, em síntese, a consciência aparentemente deriva
dos processos resultantes da união do conhecimento, da experiência e do
raciocínio pessoal.
Paradoxalmente, o ato
de raciocinar, tão peculiar a natureza humana, não pressupõe imediatamente o
emprego consciência, constituindo-se basicamente de uma função cerebral, embora
pressuponha inteligência, fato que naturalmente acontece ao se realizar cálculos
mentais. Normalmente seus resultados se aplicam a obtenção de respostas curtas
ou até a elaboração de argumentos sensatos que fundamentem a assimilação de
algum conceito mais profundo sobre um assunto anteriormente observado e ponderado. Já o
pensamento, produto elaborado da atividade de pensar, permite ao homem mais que
perceber seu papel, inserindo-o no mundo, mas comprovar a expressão da
consciência do espírito humano.
Seria a consciência
prerrogativa do pensamento, ou pensamento é fruto apenas da razão, da capacidade
de raciocinar, ou ainda, a razão só se consumaria em resposta a atuação
inteligência? Poder-se-ia deduzir que a consciência seria então o pré-requisito
dessa tríade, constituindo desta forma uma contradição, sendo ela, ao mesmo
tempo, a causa e a consequência de sua própria manifestação?
Tentar conceituar filosófica
ou cientificamente o que seja consciência é tão etéreo quanto sua própria
confirmação. Esse fenômeno psicológico talvez esconda mais do que se pode ver a
seu respeito, encobrindo na sua complexidade os aspectos metafísicos intrínsecos
a existência de cada um. Dentre as qualidades humanas a consciência ergue-se soberana,
valendo-se da completude do conhecimento que abarca na medida do que se vive,
desta forma a cada dia vencido pode-se galgar um degrau a mais na escada da
evolução. Partindo-se da premissa que não se pode renegar a existência de alguma
coisa que ainda não se teve acesso, ser consciente é se permitir ao novo, ao
desconhecido, consiste em quebrar paradigmas para ir além. É aniquilar o
próprio medo da incerteza do eterno, conformando-se humildemente que talvez não
seja possível entender tudo aquilo que se passa diante dos olhos, mas tendo a
convicção de que apesar das limitações da percepção de nossa consciência, ela
representa por si só, a vinculação a “algo” que está além de nossa própria
existência.
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