Talvez fora observada primeiramente pelos matemáticos, no mundo dos polígonos ela se expressa em várias
formas geométricas planas ou espaciais e constitui-se
resumidamente da reflexão da outra metade de um objeto ou coisa, igual ao espelho plano que reflete em sua face outra imagem, que embora apareça invertida em
relação a original, é absolutamente idêntica, uma cópia "espelhada" dela. Não é somente no
campo da matemática que ela se faz presente, também na física, biologia, arte,
literatura e em outros aspectos da vida humana ela está evidente.
É importante
destacar que fora dos domínios da matemática e da geometria que pressupõe à simetria uma semelhança
exata, conferida pela sobreposição pontual do objeto, assegurar que duas partes de um mesmo
objeto sejam totalmente idênticas denotaria uma falácia. A similaridade ou a
semelhança, por mais perfeitas que sejam, acabam por sucumbir a alguma
diferença, mesmo que ela seja praticamente invisível, esboçam inevitavelmente alguma alteração. Ainda assim, pode-se deduzir que a simetria se aplica também a semelhança muito
próxima, sem que essa demonstre de fato a igualdade absoluta. Essa percepção da
similaridade está associada talvez ao raciocínio espacial que o cérebro humano
é capaz de realizar a partir de uma visualização parcial, "podendo imaginar” uma
concepção do todo que está encoberta ou que ainda não pôde ser observada. A
utilização desta faculdade possibilita, por exemplo, conceber um rosto que foi
visto apenas de perfil, ou seja, a outra metade “simétrica”, foi construída no
interno mental utilizando recursos inatos da mente de qualquer pessoa, que misteriosamente compõe muitos dos
conceitos humanos intuitivos sobre a simetria.
Esses
conceitos são demasiado complexos, sem que se perceba interferem profundamente
em nossas compreensões a respeito dos objetos, dos eventos e do mundo onde se está inserido. O
ser humano tende a associar a beleza ao simétrico, e isto é normal, ela faz parte do
nosso dia a dia e está presente em grande parte do que se conhece da natureza e do universo. Essa
familiaridade torna a simetria invisível, ela é muito comum, normalmente só se
percebe a ausência dela quando a coisa observada, geralmente simétrica, foge a
esta regra. O mundo e o cosmos esta repleto de assimetrias e por isto é tão rico, tão diverso, tão belo, obtendo o equilíbrio a partir do seu próprio reverso, como a outra
metade do simétrico.
Uma característica
da simetria é a invariância, que associa ao objeto o aspecto imutável,
aquilo que não está sujeito ou é propício a alguma transformação. A precoce física newtoniana considerava a velocidade da luz uma invariante, embora hoje se saiba eu sua velocidade de propagação
se altera em função do meio, assim como as naturezas de tempo e espaço analisadas
sob o olhar da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que reconduziram a uma nova
compreensão sobre as constantes físicas, até então consideradas absolutas. Equívocos são normais, os
primeiros astrônomos pensavam que as órbitas planetárias eram circulares, quando na
verdade são elípticas.
Aplicar o cartesianismo sobre a simetria é um comportamento razoável, desde que se parta do
pressuposto que ela não está sujeita a controvérsia. Essa regra se fundamenta
na observação do palpável, do concreto, do que pode ser atestado como verdade, falseando
tudo aquilo que não satisfizer as exigências que se aplicam ao universo real. Descartes
baseava suas observações respaldando-se em si mesmo e na natureza das coisas, a filosofia racionalista tem a observação como premissa, evita o empirismo, almeja o conhecimento intelectual
obtido a partir do questionamento, do que se experimenta e se compreende dele, sempre
sob a tutela da razão. Apesar dessa inclinação, Descartes esbarra na sua convicção pessoal
da existência de Deus, que ele define como a própria perfeição e argumenta que essa
noção do divino não poderia partir do homem, porque este é um ser imperfeito. Embora
esses conceitos metafísicos possam ter sofrido influências da época e do ambiente que Descartes se encontrava, não é possível, entretanto, dissociar deles a
assimetria que lhes é intrínseca corroborada pela própria controvérsia do que ensejam, consequência da confrontação do sensível, do intuitivo, com o racional, avalizada por ele quando afirma sua concepção sobre a dualidade da criatura
humana, ilustrada pela fusão da mente e do corpo numa conformação única. Ironicamente a simetria depende da duplicidade, ou seja, não existe sozinha, ela só se manifesta em
decorrência de sua condição bilateral ou radial, mas sempre subordinada à dependência complementar de suas contrapartes
“simétricas”.
Na natureza
a simetria se evidencia em vários aspectos, principalmente nos seres vivos do
mundo animal. Entre os vegetais a simetria coexiste com a dissimetria sem que
se perceba, ao observar grande parte das flores ou frutos se torna muito evidente a presença da simetria, mas basta ir pouco além para identificar a ausência
dela, como no crescimento do caule, na disposição dos galhos, no desenvolvimento da
raiz, que são regidos sabiamente pela necessidade natural de distribuição do peso. Poder-se-ia
argumentar que isto também seria uma forma não aparente de simetria. Outros
aspectos da natureza, no entanto, são totalmente assimétricos, os geográficos,
por exemplo, é praticamente impossível conceber a simetria neste campo,
imaginar uma paisagem totalmente simétrica é praticamente inconcebível, isto porque
o cérebro humano não está acostumado a este tipo de simetria, tente imaginar um oceano de ondas simétricas.
Seria a percepção do simétrico um eco da compreensão humana do seu habitat, ou é consequência de um costume, produto de um hábito, de uma conduta adaptada a realidade deste mundo aparentemente “simétrico”?
Seria a percepção do simétrico um eco da compreensão humana do seu habitat, ou é consequência de um costume, produto de um hábito, de uma conduta adaptada a realidade deste mundo aparentemente “simétrico”?
É possível
constatar que a natureza na busca pelo equilíbrio sempre irá infringir a “lei
da simetria” quando necessário. Várias obras humanas refletem isso, existem inúmeros exemplos
na arte, na arquitetura, nos objetos de consumo. Imagine uma xícara sem
asa, uma chaleira sem alça ou sem bico, portanto, é mais que óbvio que a assimetria é tão
necessária quanto seu contrário.
Extrapolando as características materiais que são conferidas a simetria, há de se observar também que os
pensamentos podem ser simétricos. Atribuir a eles uma ideia de proporção,
equilíbrio, harmonia é muito conveniente no sentido mais negativo de seus
significados.
A simetria
se torna nefasta quando a busca pela “igualdade” se propaga do material para o
mental, essa migração perniciosa pressupõe o conformismo. A a similaridade no
pensar esconde maliciosamente o condicionamento, a obediência, a submissão.
Essas características são notórias em toda forma de dominação ideológica. Tal convergência
alude a perda da individualidade e da condição do livre pensar. A pluralidade é
um ingrediente indesejável nestes meios porque impede a previsibilidade do
pensamento homogêneo, doutrinário, que assegura a letargia comportamental,
inibindo a atuação da consciência e consequentemente a reação a doutrina.
Este espectro
assombra muitos seres desatentos ao "mundo" em que se encontram. Sob a égide
do pensamento simétrico, que busca a ordem, a coesão do sentir e do pensar, as crenças e as doutrinas constroem seus centros de adestramento mental. Alijados
de suas capacidades cognitivas mais elevadas, a criatura humana que se interna plácida e inerte nestes ambientes, dificilmente conseguirá, por vontade própria, ou
lucidez, emergir sua cabeça para respirar o ar da liberdade, do contrário e do
diverso. Sua clausura é incentivada a todo o momento sob a alegação de que a
mudança leva à desarmonia, a desintegração, a perdição, apelando para insegurança
e o sentimentalismo humano de forma pequena e rasteira, explorando todas as vulnerabilidades e fraquezas psíquicas possíveis.
Aparentemente
não é contraditório afirmar que o pensamento assimétrico garante ao homem um direito
fundamental à sua existência, o de pensar por si próprio, livre dos temores e
dogmatismo inculcados pelos condicionamentos de qualquer ordem. A simples garantia
da liberdade de pensar por si mesmo justificaria sua adoção, amparada na majestosa sabedoria da Natureza que condiciona a simetria à dependência mínima da dualidade. A
exatidão simétrica também é linda e maravilhosa em suas manifestações, pode e deve
ser aproveitada como parâmetro comparativo na busca pela compreensão,
utilizando-a para contrapor a variedade das partes numa busca por incoerências até se alcançar uma resposta plausível para vários questionamentos. Qualquer
que seja o método adotado, ambas se complementam, desde que norteadas pelo derradeiro
bom senso, que segundo Descartes, cada um de nós o tem praticamente em sua medida exata, no entanto, esta atrelado ao fato de como conduzimos nossos pensamentos e aos parâmetros pessoais que adotamos para avaliar parcialmente a coisa ou evento observados.
Boas tardes Luiz!
ResponderExcluirJá que eu peguei o jeito de digitar o “captcha”, estou agora publicando o comentário que tentei publicar na semana passada e não consegui, beleza?
...................
Depois de uma prazerosa hibernação estou de volta ao mundo da interação, o qual também não deixa de ser prazeroso.
Assim, começo meu aprazimento com a nova e bela repaginação do seu blog. Ficou alegre.
Vou ruminar este seu texto, ou melhor, vou ruminar seus últimos textos; devagar, devagarinho. De antemão, achei beleza você abordar a questão da simetria/assimetria associada ao pensamento. Vou continuar longe daqueles que tentam nos colocar em um “chiqueirinho e bebe” com seus pensamentos simétricos. Sigo as incertezas do pensamento assimétrico que nos garante pensar por nós mesmos. Ou seja:
“Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo ...
É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante...”
Abração,
Roberto Lira