sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Solidão



  Hoje vivemos num mundo tão “pequeno”, que não existem distancias maiores que aquela que separa a ponta dos  dedos das teclas de um computador, por outro lado, ou em conseqüência disso, o ser humano talvez nunca tenha estado tão desacompanhado do outro, que assim como o primeiro (ser), também pode ter se tornado vítima da mesma condição que assola a sociedade contemporânea. Embora este seja um assunto mais que em voga e que caibam sobre ele toda sorte de argumentos, discorrer sobre a solidão converte-se numa tarefa laboriosa quando se extrapola seu significado contemplando seus aspectos mais elevados, fugindo do ordinário, do significado comum, que normalmente a associa a dor e ao isolamento.

  As atribulações da vida moderna tem imposto a uma grande quantidade de pessoas certas circunstâncias da quais não podem fugir. Não é raro conhecer alguém que esteja nessa situação, freqüentemente até no seio familiar encontramos um parente incluído neste cenário, acostumados ao convívio social, os familiares tendem a lamentar a situação do próximo, mesmo que este tenha escolhido esta condição por vontade própria. Relacionar o sofrimento as pessoas solitárias é natural, faz parte do senso comum, contudo não que dizer que elas padeçam desta “infelicidade”, pelo contrário, muitos se glorificam por se encontrarem neste estado, que de certa forma concede a liberdade de agir sem ter que prestar satisfação a ninguém. Embora essa “liberdade” seja inerente aos que vivem sós, o preço que ela cobra pode ser bastante alto. Mesmo que a tecnologia brinde ao homem a possibilidade de se comunicar e até ver outras pessoas que podem estar a milhares de quilômetros de distância, ela não reparte as contas, não divide as tarefas do lar, não fornece um ombro amigo para encostar-se. Normalmente a solidão física sucumbe a primeira enfermidade, que seja apenas uma gripe mais forte, já é o suficiente para buscar ao próximo, até por prudência e sensatez. Quantas pessoas não deixaram este mundo precocemente vítimas de um mau súbito porque não tiveram quem os acudissem na hora. Infelizmente, a solidão aflige muitos seres maduros, que sob o peso dos anos acumulados, estão frágeis, muitos com a saúde comprometida, carecendo mais que nunca da companhia que conforta e assegura.

  O estar só é bastante relativo, quantas vezes um indivíduo se vê só no meio da multidão, quem nunca se perdeu dos pais, principalmente quando pequeno e mesmo estando em meio a outras pessoas experimentou o desespero da solidão momentânea, pior ainda quando ela é perene, potencializando a sensação de isolamento que se consuma no vazio, na falta da vontade de viver, quanto até mesmo “Deus” aparenta ser incapaz de preenchê-lo. Ao cético cabe então uma preocupação maior, apegar-se a quê ou a quem nessas horas, quando ele próprio já não é mais capaz de bastar-se, e a racionalidade não traz nenhuma resposta plausível, ter que resignar-se a certeza da miséria do que se é, meramente matéria humana viva, privando-se do alento da possibilidade de transcendência do espírito do homem.

A sapiência da natureza é notória. Pelos processos naturais, desde o acasalamento e a concepção dentro do útero materno que acolhe e protege a formação de um novo ser até o nascimento para vida, tem-se a companhia de alguém. Para alcançarmos a maturidade precisamos dos cuidados, do acompanhamento, do aprendizado dos mais velhos. Esse processo não ocorre por acaso. Que se saiba, ninguém sobrevive ou se faz sozinho, é necessário tempo para aprender a andar pelas próprias pernas antes de se aventurar pelo mundo e decidir sobre as escolhas que definirão os caminhos a serem seguidos. Optar pela solidão é um deles, embora algumas vezes a vida não deixe muitas alternativas, dificilmente ela privará alguém de encontrar outra pessoa, a menos que ela mesma não queira ou se permita a isso. Comentar sobre este assunto controverso é delicado, essa condição muitas vezes ocorre de forma inconsciente, oculta nos arcanos do psiquismo humano, em muitos casos mergulhando o ser na depressão, refletindo na dificuldade de se relacionar, na afetividade, no medo de amar, etc. Muitas vezes o isolamento de que se é vítima pode ser conseqüência dos critérios adotados para avaliar o outro, quando se é severo demais ou pouco tolerante, restringi-se a possibilidade de sucesso na busca por qualquer coisa, ainda mais quando essa coisa trata-se da cara metade. A simetria perfeita, exceto nos domínios da matemática, inexiste, o príncipe ou a princesa encantados são tão irreais quanto o encantamento que lhes é inerente. Trazer os pés à terra e procurar dentro de si mesmo, os conceitos que fundamentam essa postura, permite reavaliar as expectativas com relação ao outro, podendo facilitar o entendimento das causas para a solidão, esse pode ser bom um começo para aqueles que procuram vencer esta condição.

  Curiosamente essa situação configura uma contradição também habitual, aquele que se encontra acompanhado costuma lamentar a privação da liberdade que a solidão lhe concede e o que está só, reclama a ausência da companhia do parceiro, no entanto, o contrário é mais veemente e qualquer um que tenha experimentado a segunda condição tende a concordar com o fato.

  Dissociar o sofrimento, da solidão, como é entendido pelo senso comum é complicado, mas não impossível. Quantas vezes se almeja o estar só, traduzida na famosa expressão: “me deixa, quero ficar sozinho(a)”, que de tão corriqueira  não lhe é dada a relevância que merece. Tudo indica que os filósofos tenham percebido isso antes, talvez por exercitar mais profundamente sua faculdade pensar, vislumbraram a importância da solidão por outra ótica, aquela que repercute na conduta de si mesmo, compreendida pelo recolhimento a que se submetiam para tentar entender a si próprios, os outros e o mundo, que define o que é solitude.

  Contrariando os ditames da “Natureza” e as evidências evolutivas, o pensamento existencialista define a solidão como essência do humano, alegando que cada um vem ao mundo sozinho, passando pela vida como um ser em separado (um individuo, que é único, singular), e ao final da jornada morre sozinho, conformando-se a essa situação e aprendendo a partir dela como conduzir a vida. Essa concepção conflituosa confrontando a realidade dos fatos suscita alguns questionamentos, embora o existencialismo não se resuma a esta afirmação, cabe perguntar onde os filósofos dessa escola embasaram esta compreensão, talvez fosse fruto da solitude a que se submeteram, espelhando nos seus conceitos suas próprias vivências. Aparentemente esses aspectos não encontram uma correspondência palpável no mundo real. Essa orfandade ao longo do percurso da vida chega a ser cruel, e condenaria a existência humana a uma solidão permanente, tanto que outra vertente do existencialismo defende exatamente o oposto, onde os indivíduos devem se vincular uns aos outros formando um universo comum, em que criam e se comunicam, a solidão neste caso, constitui-se do sentimento de estar ausente a este universo. Uma ideia mais compatível a dependência e a vulnerabilidade humana.

  Arthur Schopenhauer (1788-1860) intitulou um texto com a seguinte frase: “Quem não ama a solidão, não ama a liberdade”, embora seja ácido em suas colocações, muito do que Schopenhauer afirma é procedente a luz da razão e demonstra como a solitude pode ser benéfica a construção do ser humano. Essa dedução pode estar ligada ao fato de que quando se está só, reservamo-nos a companhia do próprio “eu”, dos questionamentos, dos pensamentos e quiçá das compreensões. Esse ponto de vista é muito alentador, enxergar essa “solidão” como uma oportunidade para evoluir é de certa forma bastante estimulante. Nesses momentos em que se pode desvencilhar das aparências para ser pura e simplesmente o que se é, inteiro, incondicionalmente livre, que se deve aproveitar a ocasião para examinar as experiências únicas que cada um tem no transcorrer da vida, refletindo sobre as coisas boas e ruins que aconteceram, reconsiderando os fatos, construindo juízos que possam nortear a conduta individual para que ela aponte para o que há de mais nobre naquilo que ainda pode ser realizado, corrigindo injustiças, remediando os litígios e reatando laços rompidos.

  Esquivar-se da solidão física é mais que razoável, é saudável, bem pelo ou menos é o que comprova um estudo realizado pela Universidade de La Trobe na Austrália, que pesquisou cerca de dez mil mulheres e homens casados durante 15 anos e constatou que os casais vivem mais que os solteiros, principalmente no que tange ao universo masculino, mas essa abordagem bio-psico-social tem cunho meramente didático, servindo apenas como um alerta para aqueles que desejam viver sós. A solitude, porém consiste de um direito a privacidade, da vontade de ficar sozinho, essa reclusão é normalmente voluntária, muita vezes precisa-se dela para colocar as ideias em ordem, sem que isso configure algum suplício ou sofrimento, mas sim uma oportunidade para serenar a mente e avaliar os fatos de forma mais justa e imparcial, compreendendo melhor as causas e as consequências das nossas atitudes e as dos outros, tendo em foco que tudo isso colabora com a estabilidade emocional, tão necessária para si encontrar em paz.

  Estar sozinho ou acompanhado é tão questionável quanto o valor que se dá a condição de autonomia ou de sujeição que cada um destes termos encerra. Talvez não seja sempre, mas em grande parte das vezes constitui-se de uma escolha pessoal, portanto para finalizar este texto deixo duas citações populares que ensejam essa contradição, mas com apelos divergentes, um racional, o outro sentimental, fica a mercê das reflexões de cada um, aquela que melhor lhe convém.

“Antes só que mal acompanhado (a).” – Anônimo

“Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão.” – Vinicius de Moraes

Dedico este texto a minha irmã, que trouxe elementos do seu viver me incentivando a escrevê-lo.

2 comentários:

  1. Boas noites Luiz!
    Esse seu escrito dá muito pano pra manga e, também, é um novelo de várias pontas. Assim sendo, não é fácil costurar esse fato (sem trocadilho) simetricamente, nem assimetricamente.
    Observamos a Solidão como algo estranho. Ela parece ser assustadora para alguns, que tentam evitá-la, enquanto é buscada por outros. Sendo ela a percepção de um total isolamento; como você manifestou, é realmente laborioso extrapolá-la para seus aspectos mais elevados. Não sendo nossa preocupação evitá-la, superá-la ou buscá-la, ficamos apenas tentando compreender um ou outro aspecto nela envolvido, melhor dito: enovelado.
    Além das contradições por você já manifestou há uma peculiaridade em nossas atividades. Apesar de nossos sentimentos e pensamentos serem expansíveis, as nossas ações são exclusivas e separadoras. Se não, vejamos: consideramos as coisas como minhas e suas; vangloriamo-nos em sermos brasileiros ou argentinos, cristãos ou budistas, capitalistas ou comunistas; não tendemos a dividir e separar? Nossas atividades, em qualquer situação, é uma forma de isolamento e, contraditoriamente, estamos sempre buscando escapar da solidão, quer seja através da bebida, da diversão, da religião ou de qualquer outra forma de ilusão.
    Penso que o anônimo que diz: “Antes só que mal acompanhado (a)” retrata bem essa ilusão a respeito da solidão. Enquanto que o poetinha Vinicius de Moraes começa a levantar o véu de Ísis ao relacionar a questão da solidão com o amor.
    Se um dia chegarmos a compreender que “O Mundo Somos Nós”, como afirma JK, talvez a solitude deixe de ser um problema.
    Abração,
    Roberto Lira

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  2. Luiz, só agora consegui publicar resolver o problema com o "captcha" e publicar meu comentário! Vou tentar publicar outro no texto anterior. Vamos ver se vai dá certo.
    abração,
    rjtl

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