Originada
do latin arcaico “matris”, que quer dizer “mãe”, a palavra matrimônio abrange no seu
significado muito mais que a simples união entre homem e mulher. Segundo as
crenças, independentes da localidade onde são professadas, tendem a atribuir ao
“divino”, aquilo que a “natureza”, já havia condicionado a todas as espécies
sexuadas viventes sobre está Terra, o conseqüente acasalamento, imposto pelo
instinto de preservação. Foi assim que as mais variadas formas de vida sexuadas
deste planeta também “cresceram, multiplicaram e encheram a terra”.
A união
entre macho e fêmea é uma prerrogativa necessária a todos os seres que se
reproduzem a partir dela, mesmo entre os humanos, é forte a manifestação do
instinto que nos impulsiona a busca do parceiro, que neste caso será regida não
pela força demonstrada na corte ou viço da plumagem, mesmo que inicialmente
deixe-se influenciar pelos aspectos físicos, com certeza deverá prevalecer um conceito
mais profundo, o da convivência que permite o conhecimento do outro, tão
necessário a perpetuidade da união.
A
sacralização do casamento, como uma união vitalícia encobre a injustiça que lhe
é inerente, impondo aos que se submeteram a essa lei, uma regra impiedosa e
cruel. Ao longo da história não são raros os casos das conseqüências devastadoras
destes dogmas. Quantos homens ou mulheres não padeceram assassinados pelos cônjuges,
que sem se amarem, precisavam livrar-se do outro para constituir novo matrimônio,
cometendo todo tipo de atrocidades para poder legitimar outra união diante de
Deus. Não foi este o motivo que levou Henrique VIII a instituir a Igreja
Anglicana em 1534, rompendo com Vaticano? Mas este fragmento de história serve
apenas como referência, os males desta prática vão muito além.
Mesmo que
se afirme que o matrimônio é considerado sagrado nas mais diversas culturas, associando-o
a vontade de um ente superior, colocando nas mãos de Deus um assunto tão
natural. O fato é que o matrimônio está atrelado aos costumes, mesmo que “todo
mundo” saiba que cabe simplesmente àqueles que se amam ou ao casal, definir entre
ambos quando, como e se desejam realmente legitimar essa união perante o divino.
A benção do casamento não tornará o homem ou a mulher que dele fazem parte, melhores
ou piores do que realmente são, crer que isto vá mudar a personalidade humana
da noite para o dia nada mais é que um equívoco, atribuindo as crenças o papel pedagógico
de ensinar uma conduta que é de responsabilidade dos ingênuos nubentes.
Talvez seja
devido a isto que muitos sacerdotes aleguem que o fracasso matrimonial se deve
a ausência da bênção divina sobre o casal. É muito cômodo e conveniente demonstrar
aos fiéis a importância do criador, da sua relevância para a felicidade da
união humana. Para todos aqueles que não se uniram sob sua consagração,
considerando meramente a legalidade de uma união civil, resta, por conseqüência,
a condenação a infelicidade. Deduz então, que quaisquer pessoas nessas
condições estarão sujeitas ou mais propensas a infidelidade, a discórdia e ao
divórcio, uma vez que não se submeteram ao sacramento. Portanto, é cabível interpretar
que perante a religião, o casamento sob a tutela das leis humanas e o direito a
anticoncepção contrariando as escrituras sagradas constituem o ilícito, desprezando
a relevância da justiça de paz.
Poderia ser
este um fator de desagregação familiar? Uma das terríveis causas da tão
propalada decadência da sociedade humana?
Essas
afirmações têm encontrado guarida nas mais diversas correntes doutrinárias.
Mesmo que oriundas de ideologias diferentes, neste ponto elas mantém uma
comunhão, uma unanimidade quase assombrosa a respeito desses assuntos elevados.
Pelo que temem elas, pelo infortúnio que serão submetidos aqueles que se sujeitaram
a união profana, materialista, o que seria muito nobre, ou a perda de um “status”,
que lhes confere o poder da divindade, da salvação?
Ultimamente
a luz da razão tem colocado em xeque vários dogmas, incluindo o caráter sagrado
de muitas celebrações religiosas. A indissolubilidade do sacramento é uma
delas. Ora, uma união entre homem e mulher, ou de qualquer outra natureza, deve
estar atada a vontade daqueles que a compõe, porque até onde se saiba, não
existem garantias de felicidade vitalícia em lugar algum. Todos têm limitações,
se existe imperfeição, use compreensão, se existe ódio, use amor, se existe rivalidade,
use amizade. É claro que existem defeitos, mas sempre haverá qualidades que
deverão prevalecer para contrapô-los. Esse é o mérito, utilizar-se das virtudes
de cada um para levar a cabo o relacionamento, compreendendo que o ideal é
aquilo que está ao nosso alcance, e não aquilo que imaginamos ser. Querer que o
relacionamento perdure porque trata-se da ”vontade” de Deus é desumano, irracional,
impor ao casal a perpetuidade do sofrimento de algo que não deu certo, que não
traz mais consigo o prazer de estar junto, que deve ser-lhe inerente, aflorando
em seu lugar a dor reprimida das emoções contidas, respaldada apenas pelo vazio
das aparências, não pode contraditoriamente constituir-se na vontade Dele.
Será que
não importa as religiões o sofrimento alheio, ou trata-se simplesmente de uma contingência
que a pessoa deverá se submeter por ter feito uma escolha infeliz da qual nunca
poderá se redimir nesta vida; sendo obrigada a se sujeitar as infindáveis
terapias de casal, ou pior, quando estas são realizadas em grupo, onde todos estão
constrangidos e coagidos pela vergonha de expor a intimidade conjugal, acuados,
submetendo-se à vontade de terceiros, deixando-se influenciar pelo pensamento
daqueles que presumidamente só lhe querem bem.
Para que
possamos ter uma sociedade justa, onde o direito a cidadania é respeitado, é
necessário desmistificar o matrimônio, a união de dois seres humanos deve ser
laica, sem nenhuma apologia ao homossexualismo, mas permitindo ao cidadão a
liberdade de manifestar sua vontade de escolha, sem preconceitos, sem que isso
constitua crime. Senão, em respeito aos pais, responsáveis ou amigos, não cabe a
terceiros ou a qualquer um julgar a natureza de uma união. As pessoas se unem
por uma infinidade de motivos, amor, dinheiro, ascensão social e até pelas mais
diversas necessidades, como uma nacionalidade estrangeira. De fato, não se pode
ignorar alguma banalização deste ato solene, salientando que a causa natural do
acasalamento é a procriação, como gostam de relembrar as religiões, que também insistem
em afirmar que o casamento nos moldes atuais configure apenas a formalização de
um relacionamento sexual. Apesar de tudo deve prevalecer a razão, o registro
civil, aquele que é oficioso, que concede aos indivíduos que se confiam os
direitos da condição de “cônjuge”, que é um termo neutro, assexuado, apto a qualquer
tipo de união celebrada diante do juiz.
Desvelado
dos pecados atribuídos pelos dogmas, dos interesses espúrios, das estranhezas
culturais como o matrimônio infantil, poligamia, entre outros, a união afetiva entre
pessoas é acima de tudo uma oportunidade. A vida a dois propicia ao casal uma
riqueza de experiências pessoais únicas que não devem ser desprezadas. O quanto
é possível conhecer, compreender e aprender no convívio com o outro,
compartilhando tudo que a vida nos oferece, até aquilo que não gostamos. Quando
somos dois, as coisas se tornam mais tangíveis, nos tornamos mais fortes, estamos
menos suscetíveis ao desespero, amparados pela nossa cara metade. Essa colaboração
mútua se estende além da intimidade, imantando toda a família e o que estiver
ao alcance de ambos com felicidade irradiada pelo compromisso consciente e respeitoso.
A fecundidade feminina, que acolhe e armazena em seu ventre o resultado desse
amor, presenteia aos pais a mais cara dádiva desta união, consumada pelo
milagre da vida, posterizando mais do que o sangue e a carne, mas também tudo
de bom que se poderá aprender e transmitir a esse novo ser.
No final
chegamos ao início, independentemente dos credos, das doutrinas, das ideologias,
das convicções, constatamos que a solidez de uma união normalmente culminará na atuação
das leis da “Natureza”, a conseqüente procriação.
Bons fins de tardes Luiz!
ResponderExcluirEsse seu texto foi muito bem urdido e penso que oportuno, especialmente, para aqueles que se encontram estabelecendo esse vínculo matrimonial. Com quarenta anos de casado, para mim essa questão já está bem resolvida. Isso graças a mim e a Kayo (esposa) e não a qualquer crença ou dogma. Penso que devemos essa resolução a sempre termos consentindo com tudo o que você manifestou no texto. Eu tenho quatro filhos casados (um homem e três mulheres) e todos eles receberam, na época oportuna, esses fundamentos que tão bem expuseste.
Espero que seu texto, agora disponível na blogosfera, possa tirar muitos daqueles que se encontram na escuridão dos tabus inescrupulosos sobre esse tema. Beleza de texto!
Abração,
Roberto Lira
Bom dia Roberto,
ResponderExcluirTenho que de ser honesto, desde que tive a oportunidade de conhecê-lo, encontrando em ti alguém que estivesse disposto a trocar percepções sobre a vida, tenho cambiado muitas compreensões e porque não dizer hábitos e conceitos também. Desde então, tenho tentado ser mais observador, não só sobre mim mesmo, mas também sobre o cotidiano, que de tão comum, acabamos por ignorar sua riqueza.
Penso que a vida, seja como ela for, sempre brindará as pessoas as mais diversas experiências. Infelizmente em conseqüência do materialismo vigente nas culturas em geral, ficamos míopes a esses cenários, que nem sempre são belos, mas sempre são capazes de nos agregar uma experiência nova, um aprendizado, algo de bom.
Tenho dificuldades para assimilar o pensamento de JK, mas persisto, a poucos, e também com sua colaboração, venho conseguindo compreender sua mensagem cifrada. Em função disso, tenho procurado refletir sobre dia-a-dia, encontrando inumeráveis fontes de inspiração para redigir minhas "abobrinhas".
Agradeço o sincero elogio, e continuo contando com sua companhia nesta caminhada.
Grande abraço,
Luiz Otávio