terça-feira, 14 de agosto de 2012

Matrimônio



   Originada do latin arcaico “matris”, que quer dizer “mãe”, a palavra matrimônio abrange no seu significado muito mais que a simples união entre homem e mulher. Segundo as crenças, independentes da localidade onde são professadas, tendem a atribuir ao “divino”, aquilo que a “natureza”, já havia condicionado a todas as espécies sexuadas viventes sobre está Terra, o conseqüente acasalamento, imposto pelo instinto de preservação. Foi assim que as mais variadas formas de vida sexuadas deste planeta também “cresceram, multiplicaram e encheram a terra”.

   A união entre macho e fêmea é uma prerrogativa necessária a todos os seres que se reproduzem a partir dela, mesmo entre os humanos, é forte a manifestação do instinto que nos impulsiona a busca do parceiro, que neste caso será regida não pela força demonstrada na corte ou viço da plumagem, mesmo que inicialmente deixe-se influenciar pelos aspectos físicos, com certeza deverá prevalecer um conceito mais profundo, o da convivência que permite o conhecimento do outro, tão necessário a perpetuidade da união.

   A sacralização do casamento, como uma união vitalícia encobre a injustiça que lhe é inerente, impondo aos que se submeteram a essa lei, uma regra impiedosa e cruel. Ao longo da história não são raros os casos das conseqüências devastadoras destes dogmas. Quantos homens ou mulheres não padeceram assassinados pelos cônjuges, que sem se amarem, precisavam livrar-se do outro para constituir novo matrimônio, cometendo todo tipo de atrocidades para poder legitimar outra união diante de Deus. Não foi este o motivo que levou Henrique VIII a instituir a Igreja Anglicana em 1534, rompendo com Vaticano? Mas este fragmento de história serve apenas como referência, os males desta prática vão muito além.

   Mesmo que se afirme que o matrimônio é considerado sagrado nas mais diversas culturas, associando-o a vontade de um ente superior, colocando nas mãos de Deus um assunto tão natural. O fato é que o matrimônio está atrelado aos costumes, mesmo que “todo mundo” saiba que cabe simplesmente àqueles que se amam ou ao casal, definir entre ambos quando, como e se desejam realmente legitimar essa união perante o divino. A benção do casamento não tornará o homem ou a mulher que dele fazem parte, melhores ou piores do que realmente são, crer que isto vá mudar a personalidade humana da noite para o dia nada mais é que um equívoco, atribuindo as crenças o papel pedagógico de ensinar uma conduta que é de responsabilidade dos ingênuos nubentes.

   Talvez seja devido a isto que muitos sacerdotes aleguem que o fracasso matrimonial se deve a ausência da bênção divina sobre o casal. É muito cômodo e conveniente demonstrar aos fiéis a importância do criador, da sua relevância para a felicidade da união humana. Para todos aqueles que não se uniram sob sua consagração, considerando meramente a legalidade de uma união civil, resta, por conseqüência, a condenação a infelicidade. Deduz então, que quaisquer pessoas nessas condições estarão sujeitas ou mais propensas a infidelidade, a discórdia e ao divórcio, uma vez que não se submeteram ao sacramento. Portanto, é cabível interpretar que perante a religião, o casamento sob a tutela das leis humanas e o direito a anticoncepção contrariando as escrituras sagradas constituem o ilícito, desprezando a relevância da justiça de paz.

   Poderia ser este um fator de desagregação familiar? Uma das terríveis causas da tão propalada decadência da sociedade humana?

  Essas afirmações têm encontrado guarida nas mais diversas correntes doutrinárias. Mesmo que oriundas de ideologias diferentes, neste ponto elas mantém uma comunhão, uma unanimidade quase assombrosa a respeito desses assuntos elevados. Pelo que temem elas, pelo infortúnio que serão submetidos aqueles que se sujeitaram a união profana, materialista, o que seria muito nobre, ou a perda de um “status”, que lhes confere o poder da divindade, da salvação?

   Ultimamente a luz da razão tem colocado em xeque vários dogmas, incluindo o caráter sagrado de muitas celebrações religiosas. A indissolubilidade do sacramento é uma delas. Ora, uma união entre homem e mulher, ou de qualquer outra natureza, deve estar atada a vontade daqueles que a compõe, porque até onde se saiba, não existem garantias de felicidade vitalícia em lugar algum. Todos têm limitações, se existe imperfeição, use compreensão, se existe ódio, use amor, se existe rivalidade, use amizade. É claro que existem defeitos, mas sempre haverá qualidades que deverão prevalecer para contrapô-los. Esse é o mérito, utilizar-se das virtudes de cada um para levar a cabo o relacionamento, compreendendo que o ideal é aquilo que está ao nosso alcance, e não aquilo que imaginamos ser. Querer que o relacionamento perdure porque trata-se da ”vontade” de Deus é desumano, irracional, impor ao casal a perpetuidade do sofrimento de algo que não deu certo, que não traz mais consigo o prazer de estar junto, que deve ser-lhe inerente, aflorando em seu lugar a dor reprimida das emoções contidas, respaldada apenas pelo vazio das aparências, não pode contraditoriamente constituir-se na vontade Dele.

   Será que não importa as religiões o sofrimento alheio, ou trata-se simplesmente de uma contingência que a pessoa deverá se submeter por ter feito uma escolha infeliz da qual nunca poderá se redimir nesta vida; sendo obrigada a se sujeitar as infindáveis terapias de casal, ou pior, quando estas são realizadas em grupo, onde todos estão constrangidos e coagidos pela vergonha de expor a intimidade conjugal, acuados, submetendo-se à vontade de terceiros, deixando-se influenciar pelo pensamento daqueles que presumidamente só lhe querem bem.

   Para que possamos ter uma sociedade justa, onde o direito a cidadania é respeitado, é necessário desmistificar o matrimônio, a união de dois seres humanos deve ser laica, sem nenhuma apologia ao homossexualismo, mas permitindo ao cidadão a liberdade de manifestar sua vontade de escolha, sem preconceitos, sem que isso constitua crime. Senão, em respeito aos pais, responsáveis ou amigos, não cabe a terceiros ou a qualquer um julgar a natureza de uma união. As pessoas se unem por uma infinidade de motivos, amor, dinheiro, ascensão social e até pelas mais diversas necessidades, como uma nacionalidade estrangeira. De fato, não se pode ignorar alguma banalização deste ato solene, salientando que a causa natural do acasalamento é a procriação, como gostam de relembrar as religiões, que também insistem em afirmar que o casamento nos moldes atuais configure apenas a formalização de um relacionamento sexual. Apesar de tudo deve prevalecer a razão, o registro civil, aquele que é oficioso, que concede aos indivíduos que se confiam os direitos da condição de “cônjuge”, que é um termo neutro, assexuado, apto a qualquer tipo de união celebrada diante do juiz.

   Desvelado dos pecados atribuídos pelos dogmas, dos interesses espúrios, das estranhezas culturais como o matrimônio infantil, poligamia, entre outros, a união afetiva entre pessoas é acima de tudo uma oportunidade. A vida a dois propicia ao casal uma riqueza de experiências pessoais únicas que não devem ser desprezadas. O quanto é possível conhecer, compreender e aprender no convívio com o outro, compartilhando tudo que a vida nos oferece, até aquilo que não gostamos. Quando somos dois, as coisas se tornam mais tangíveis, nos tornamos mais fortes, estamos menos suscetíveis ao desespero, amparados pela nossa cara metade. Essa colaboração mútua se estende além da intimidade, imantando toda a família e o que estiver ao alcance de ambos com felicidade irradiada pelo compromisso consciente e respeitoso. A fecundidade feminina, que acolhe e armazena em seu ventre o resultado desse amor, presenteia aos pais a mais cara dádiva desta união, consumada pelo milagre da vida, posterizando mais do que o sangue e a carne, mas também tudo de bom que se poderá aprender e transmitir a esse novo ser.

   No final chegamos ao início, independentemente dos credos, das doutrinas, das ideologias, das convicções, constatamos que a solidez de uma união normalmente culminará na atuação das leis da “Natureza”, a conseqüente procriação.

2 comentários:

  1. Bons fins de tardes Luiz!
    Esse seu texto foi muito bem urdido e penso que oportuno, especialmente, para aqueles que se encontram estabelecendo esse vínculo matrimonial. Com quarenta anos de casado, para mim essa questão já está bem resolvida. Isso graças a mim e a Kayo (esposa) e não a qualquer crença ou dogma. Penso que devemos essa resolução a sempre termos consentindo com tudo o que você manifestou no texto. Eu tenho quatro filhos casados (um homem e três mulheres) e todos eles receberam, na época oportuna, esses fundamentos que tão bem expuseste.
    Espero que seu texto, agora disponível na blogosfera, possa tirar muitos daqueles que se encontram na escuridão dos tabus inescrupulosos sobre esse tema. Beleza de texto!
    Abração,
    Roberto Lira

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  2. Bom dia Roberto,

    Tenho que de ser honesto, desde que tive a oportunidade de conhecê-lo, encontrando em ti alguém que estivesse disposto a trocar percepções sobre a vida, tenho cambiado muitas compreensões e porque não dizer hábitos e conceitos também. Desde então, tenho tentado ser mais observador, não só sobre mim mesmo, mas também sobre o cotidiano, que de tão comum, acabamos por ignorar sua riqueza.

    Penso que a vida, seja como ela for, sempre brindará as pessoas as mais diversas experiências. Infelizmente em conseqüência do materialismo vigente nas culturas em geral, ficamos míopes a esses cenários, que nem sempre são belos, mas sempre são capazes de nos agregar uma experiência nova, um aprendizado, algo de bom.

    Tenho dificuldades para assimilar o pensamento de JK, mas persisto, a poucos, e também com sua colaboração, venho conseguindo compreender sua mensagem cifrada. Em função disso, tenho procurado refletir sobre dia-a-dia, encontrando inumeráveis fontes de inspiração para redigir minhas "abobrinhas".

    Agradeço o sincero elogio, e continuo contando com sua companhia nesta caminhada.

    Grande abraço,

    Luiz Otávio

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