domingo, 25 de novembro de 2012

A Mentira da Verdade


Certamente na busca pelo conhecimento de si mesmo o ser humano deverá confrontar a contradição intrínseca ao fato da negação da "verdade", este objeto cuja busca insaciável permeia toda sua existência. Essa diligência vem consumindo o fósforo de muitos pensadores, religiosos e pessoas comuns ao longo dos dias e noites de nossa conturbada história, precipitando na inquietude que tal tema suscita às mentes mais atentas. Seria muito fácil afirmar que a verdade e oposto da mentira e vice-versa, o conformismo albergado nessa questão talvez seja um dos piores inimigos da criatura humana ao longo de sua evolução. A parametrização da verdades contidas na tradição, tão nociva a liberdade, está de tal maneira entranhada na sociedade que quaisquer manifestações avessas a ela configuram a reação à verdade. Quem poderia afirmar que a verdade é de fato a exatamente a verdade? Quem ousaria atestar com segurança essa afirmação? Aparentemente muito poucos teriam estatura e seriam capazes de fazê-lo, mas a “realidade” é outra, muitos se arrogam donos da verdade, aliás, a verdade tornou-se uma “commodity”, um produto habilmente comercializado em um mercado ávido de revelações e maledicências. Esses estelionatários da verdade povoam todos os cenários das atividades humanas. Desde o seio da família, que inadvertidamente o faz, as empresas que vendem seus produtos maravilhosos, associando sua imagem à cultura do poder e do sucesso, os políticos com suas promessas irrealizáveis, as crenças com seus dogmatismos e redenções, afora um universo incontável de comerciantes da verdade que a colocam em destaque em suas vitrines.

É interessante observar que cada um, influenciado pelas imposturas, acaba sucumbindo ao “status quo”, tornando-se a sua maneira, vítima e agente de suas próprias convicções, iludido com as “realidades” fictícias que cada um é capaz de “imaginar” em relação a si próprio, construindo um mundo quimérico adequado a personalidade e às medidas de suas deficiências pessoais, ocultando as “verdades” inefáveis absconsas no íntimo de cada ser, refletidas na “mentira” da pretensa vida que se vive.

A teoria é linda, o mundo segundo a verdade seria perfeito, repleto de alegrias, paz e satisfações, o contrário da mentira, que mergulharia esse mundo na anarquia, na dor, no sofrimento, na discórdia, mas espere um pouco. Afinal em qual mundo se vive, no primeiro ou no segundo? Que perfeição é está? Tão inalcançável e intangível. Mesmo o mais míope dos fundamentalistas religiosos é capaz de perceber que o mundo da verdade, apregoado como caminho da salvação não existe, a humanidade está imersa num oceano de lama onde a dor e sofrimento são tão corriqueiros que se tornaram habituais. Então, este não é o  mundo da mentira? Aquele desprovido da glória da benevolente verdade. Onde está o erro? 

Talvez se careça de dados mais precisos, mas desde seus primórdios a civilização humana é “educada” para zelar pela verdade e repelir a mentira, uma conveniência social decorrente da necessidade de se colocar “ordem no caos”, afinal a estruturante verdade é necessária para alicerçar e tornar "possível" qualquer convivência humana, servindo de referência para a vida social e divisor de águas entre o bem e o mal.

Positivamente pensando, o conceito da verdade é fundamental para a manutenção de algumas premissas do estado de direito, o instrumento certo para balizar normas de conduta utilizadas para estabelecer limites as manifestações individuais, não permitindo que estas extrapolem para balburdia. Natualmente, essa regulamentação "ainda" é imprescindível parar tolher excessos doo comportamento do humano, tão sujeito as tentações “materialistas”, "espirituais" e “carnais”, que a sociedade da “verdade” incute em seu pensamento, algo que fatalmente se reflete na sua postura diante da vida. O incentivo a idolatria ao sucesso, ao poder e a riqueza, contraditoriamente, conduzem a criatura humana ao lado oposto, ao comodismo, ao desrespeito, a mentira, culminando, mesmo diante de todos esses esforços, no fracasso da essência íntima daqueles que se renderam ao dinheiro fácil, a trapaça, e a subversão.

Os meandros do comportamento humano são tantos e tão singulares que o homem se deu ao luxo de categorizar a verdade. Ora, se existe mais de uma verdade, qual seria a verdade? Para desesperadora pergunta temos pelo menos uma alternativa que poderia ser classificada como verdadeira, a “verdade científica” é de fato um retrato da realidade experimentada naquele momento, consumada pela ciência e pelo método que lhe são inerentes. Em tese, não importa onde, nem quando, se forem seguidos criteriosamente as mesmas condições e procedimentos, sempre se há de obter o mesmo resultado: palpável, constante, imutável, no entanto, tem-se que ressaltar uma característica do aspecto experimental, ou seja, a repetição da experiência ratifica a verdade posta à prova, filosoficamente falando, a verdade deve e tem que ser pragmática, subsidiada pela experiência. Por dedução, a verdade, neste caso, é fruto da experiência, da comprovação científica, se apresenta irrefutável, quando se trata realmente daquilo que foi testado, que no caso humano, poderia ser sentido ou vivenciado, desde que se considere que nem tudo que o homem experimenta pode ser comprovado cientificamente, porque se assim fosse, tão natural, tão simples, muitas pretensas verdades já teriam caído por terra, desmascaradas, transparecendo a falsidade e a mentira que ostentam. Não é a toa que muitas pessoas inquietas e eruditas acabem se convertendo em ateus ou céticos pessimistas, quem sabe, desiludidos pela falta de respostas plausíveis ou razoáveis as seus questionamentos.

A flexibilidade, é permeável, faculta ao homem a possibilidade da mudança, uma transigência imprescindível ao amadurecimento humano. A verdade como conseqüência do viver deve ser experimentada, e na medida do que se vive, incorporada a realidade de cada ser. O viver, é ele quem concede o direito universal de conhecer e reconhecer a verdade quando ela se apresenta. Neste cenário o contrário da verdade não é a mentira, a mentira transfigurou-se na credulidade, a propensão humana a crer, coisa que extrapola os limites da razão, ultrapassando a sensatez, indo além de o simples aceitar, conduz o crédulo a acreditar sem refletir ou criticar as verdades que lhe são apresentadas. Essas características são claramente observadas em qualquer mecanismo de manipulação de mentes, sempre haverá um detentor da verdade emblemática, outorgando-se o direito defender suas ideologias políticas, religiosas ou pessoais.

Manipular a realidade em prol dos interesses pessoais, institucionais, ideológicos ou corporativos é transformá-la em mentira envolta por uma carapaça de verdade. Os argumentos podem ser os mais variados, desde zelar pela moral e os bons costumes, até mesmo a manutenção da segurança pública. Desvirtuar a verdade é relativamente fácil, alterando o foco, iluminando alguns pontos e obscurecendo outros não tão gloriosos. No jogo político fica evidente essa prática nojenta do poder. Que o digam os derrotados em guerras, os perdedores serão os vilões e os mocinhos estão sempre do lado vencedor. A história humana está repleta desses exemplos. Manipuladas deste jeito muitas mentiras assumem o caráter da verdade, a veracidade não é relevante, muito menos clarificar a turbidez dessa água, que tantos bebem confiando na sua pureza. Neste jogo sempre existirão prioridades acima do conhecimento da verdade, em muitos casos a verdade se perdeu nos labirintos do tempo, mas na maioria das vezes inexiste a boa intenção de revelar a essência dos acontecimentos, por que arriscar-se perder as regalias e o poder de influência, conquistados e mantidos, em alguns casos, há milênios?

A manutenção da verdade é metafórica, normalmente os homens constroem leis que refletem às necessidades de seus governos e credos, amparando-as no alicerce da verdade. Não é difícil encontrar amostras desse fato, a cultura humana esta cheia de provérbios e frases de efeito, embora banais, pode-se citar, por exemplo: a “lei de causa e efeito”, ou seria a “lei do retorno”, ou “quem com fere com ferro será ferido”, não importa, os exemplos são vários e abundantes, comparativamente à exceção fica a cargo da terceira lei de Newton, a lei física da “ação e reação”, as demais fogem do escopo científico, e se representam de alguma forma a “verdade” fica o questionamento, se as leis “supremas ou universais” realmente funcionam, por que a vida humana é tão injusta? Porque pessoas notoriamente “boas”, que dedicaram ou dedicam sua existência a serviço do bem, não são afortunadas como outras, que ao contrário, não possuem uma “ficha limpa”, uma conduta digna, ilibada, melhor dizendo, politicamente correta? Para perguntas desse cunho sempre surgem respostas infames como: “faltou-lhes sorte”, ou piores ainda, “é a vontade de Deus”. São essas “verdades” que se apregoam pelos caminhos da vida? Certamente que não. Mas, há aqueles que se contentam com respostas evasivas, escravos que alimentam o fogo da caldeira que faz mover as engrenagens da ignorância e da mentira humana.

A verdade é conveniente, de qualquer ângulo que se observe, as relações sociais humanas contemplam a verdade, a verdade é sinônimo de honra, de palavra, questionar a verdade caracteriza a aversão a ela e tudo que representa, talvez por isso homem relute tanto em contestá-la. Culturamente a contestação pressupõe a repulsa a verdade, o medo do isolamento e do afastamento do círculo social aterrorizam o homem, significa auto-imputar-se todos os defeitos daqueles que são avessos à verdade e solidários da mentira. Esse pensamento inculcado na mente das pessoas desde a mais tenra idade pode surtir alguns efeitos positivos para favorecer a vida em sociedade, mas limita seus horizontes na busca pela verdade, restringindo suas opções e limitando suas escolhas. Como é sabido, a verdade pode ser dolorosa, então para poupar as pessoas da agonia e do sofrimento de conhecer a realidade dos fatos, altruisticamente as “instituições” evitam, por assim dizer, que sejam desvelados esses “segredos” potencialmente ameaçadores e destrutivos, omitindo a “indesejável” verdade.

Tão nobre é esse motivo que ele se tornou curiosamente e de forma unanime um “sentimento mundial” ancião, o desejo “elevado” de poupar o povo dessa tortura, dando-lhe “pão e circo”, deve surtir efeitos muitos eficazes na supressão da vontade natural de "busca" pela verdade, uma vez que a receita é antiga e continua fazendo sucesso. O que importa é entregar alguma verdade, mesmo que oca e sem substância, o ser humano se contenta com a ilusão de que teve acesso à verdade e deste modo, feliz, continua sua jornada errante em busca de seu paraíso, sendo conduzido por todo tipo de manipulações, vulnerável a certeza da consciência de quem pensa que tudo sabe. Mesmo sem nada saber a respeito do assunto em que acredita, o homem tende a convertê-lo num conceito, num padrão, algo em que se baseou subjetivamente, fundamentado apenas pelas suas convicções inabaláveis de que aquilo representa a verdade, mas como afirmar que se trata da verdade? Mesmo extrapolando para além da observação, do empirismo que permite experimentar, e os dos sentimentos, que embora sejam subjetivos são bastante “palpáveis”, retornamos ao começo, como se pode afirmar que isto ou aquilo é, ou foi real. Quando não se pode contextualizar a verdade nesses aspectos ela assume outro, que foge à realidade, adquirindo a característica de simbolismo, de metáfora, desqualificando-a de sua essência primordial, a de retratar fielmente qualquer coisa que seja: objetos, pessoas, histórias. Observar esse detalhe é indispensável quando se fala em verdade, a ausência dele permite diferenciar a verdade do dogma, ou seja, a princípio toda e qualquer afirmação é dogmática, a verdade não existe por si só, ela passa a existir ou se manifesta a partir do momento em que pôde ser comprovada, “sentida” ou experimentada, caso contrário é tão inverídica quanto uma mentira. Qualquer pessoa pode afirmar o que quiser, os palanques políticos são testemunhas, mas converter afirmações em verdades não é tão simples quanto falar, fazer promessas, ou contar histórias.

Muitas verdades são como lendas, sempre carecendo de uma comprovação, mas algumas tiveram suas formas buriladas e realçadas, ao longo do tempo foram assumindo um posto que não lhes pertencia inicialmente. Receberam a chancela, o Canon, de que precisavam para perenizar sua permanência no mundo humano, se tornaram estáveis, imunes as suas origens pagãs ou mundanas, assumiram outro “status” diante dos homens, aqueles que lhe conferiram o título da “verdade”, esquecidos da premissa acima, porém, nem as estrelas são eternas, e um dia essas “verdades” também perecerão.

A verdade e a mentira são tão inseparáveis quanto os dois lados de uma mesma moeda, e contraditoriamente quantos não se valem da mentira para alcançar a verdade. Ao longo da história humana são vários os casos de pessoas que se fizeram passar por outra para alcançar um objetivo, que poderia ser a boa verdade ou coisa pior. Quantas pessoas não se valeram ou ainda se valem desses artifícios para alcançar um amor, socializar-se, amenizar a situação de um parente gravemente enfermo, lançando mão da mentira. Aquele que nunca mentiu que atire a primeira pedra. É lógico que a mentira, não é algo para se propagar ou utilizar-se dela para benefícios espúrios. As chamadas “mentiras de pescador”, “inofensivas” são toleráveis, mas continuam sendo mentiras e, portanto, devem ser evitadas. Aparentemente fácil, evitar a mentira é dificílimo, principalmente quando se vive tutorado por ela. A grande maioria das convenções sociais humanas é forjada na mentira, inconsciente, o homem conformou-se com ela ao longo dos anos, acreditando tratar-se da “verdade”. Seduzido pela grande maioria, ele deixa-se levar pela corrente, submetendo-se as normas civis, políticas e religiosas ditadas pelas instituições, colocando-o no meio da sopa comum, que tudo generaliza, incutindo nele conceitos e linhas de conduta que se não extinguem, no mínimo sufocam sua individualidade, intuições e percepções a respeito do mundo a sua volta, porque é assim que ele se tornará “racional”, colocando-o num patamar acima do reino animal. Será? Como pode o homem, esse “animal racional”, assenhorar-se da verdade, e proclamar com certeza matemática sobre todos os assuntos que estão além de sua ciência incipiente? Desde quando, e de onde vem o conceito de céu e inferno? Quantos astronautas e exploradores de cavernas regressaram de suas incursões nos confins do espaço ou nas entranhas da terra, alegando ter encontrado Deus ou Satanás em suas moradas? Como são débeis e frágeis as verdades humanas, podem esfacelar-se diante dos questionamentos mais ingênuos, ainda assim, permanecem rijas como castelo construído sobre a rocha firme. Não há como negar o mérito, os arquitetos da verdade trabalharam e permanecem trabalhando bem, seus castelos de “cartas”, glorificando as falsas verdades. Sim, porque segundo eles a verdade é hermética, não está disponível em lugar algum, só poderá ser encontrada trilhando os caminhos que irão revelá-la aos seus súditos. É como o sucesso financeiro, colocado no degrau mais alto da escala “evolutiva” do homem, culto que tanto mal tem trazido à humanidade ao longo de sua história.

É admirável como os humanos são capazes de admitir a verdade não científica sem conhecê-la, senti-la ou experimentá-la, qual justificativa poderia explicar tal situação, como mensurar, qual o critério a ser adotado para afirmar que tal coisa se trata ou não da verdade? Essa dualidade demonstra a possibilidade do absurdo que paira sobre várias delas. Diga-se de passagem, o dito popular: “quem conta um conto, aumenta um ponto”. São muitos os casos em que a verdade é apenas um rascunho apagado de alguma história, uma representação opaca e pessoal de uma ou mais testemunhas que se esforçaram em narrar, cada uma ao seu modo, quiçá influenciadas pela imaginação, o quê ou aquilo que presenciaram. Essa transposição nebulosa dos fatos, associada ao tempo, dificilmente se aproximará da realidade. Desconsiderando que muitas verdades foram “traduzidas” para línguas totalmente estranhas as da origem do evento e por milhares de vezes. Sob essas circunstancias seria bastante natural e plausível que se questionasse a credibilidade de certas verdades. Comparativamente, é como acreditar na fala de um estranho que nunca se viu antes. Quem lhe garante a verdade? Ressalte-se que muitas são avalizadas por “Deus”, portanto, inquestionáveis. Essa notória contraposição entra as “verdades”, embora elucidativa e reveladora, põe em cheque a racionalidade humana. Ora, para quem já dispõe de alguma ciência, seria natural que as verdades não legitimadas pela experiência ou pelos conhecimentos científicos fossem postas a prova para teste. Daí surge o conflito entre a crença e a razão, que normalmente espelha as fraquezas e deficiências do comportamento humano daqueles que relutam em admitir a verdade perante sua própria razão, por mais racionais que pareçam, são incapazes de superar os conceitos e valores já admitidos. Despertar para realidade não é simples e requer esforço. Muitos se perguntam: para quê? Quando se pode continuar sonhando acordado, contemplando o eterno. É preferível deixar-se enganar que enfrentar a verdade, aprender a encarar o mundo de forma natural, sujeitando-se a dor desilusão e sendo obrigado a engolir o próprio orgulho. A crença que alimenta a esperança é melhor que destruir o encantamento dos mundos quiméricos e das utopias da salvação. Bem ou mal, várias pessoas pensam assim, a escolha é um direito que as assiste. O desprendimento é virtude necessária a todos aqueles que têm a audácia de querer conhecer e talvez alcançar alguma verdade, seja ela cientifica ou não.

A arrogância humana em torno da verdade é imbatível, a grande maioria das pessoas credita suas existências às benesses divinas, são incapazes de conceber que suas vidas podem ser meramente fruto do acaso e que se existe algum milagre em suas existência, este pode ser chamado “vida”. Admitir que o homem possa ser apenas carne e ossos, como fazem os ateus, consuma a negação do Criador e das verdades divinas, por outros lado, revelam a humildade perante as leis da Natureza, que para mesma maioria destes homens, está aqui para nos servir, considerando que homem é o centro do universo, imagem e semelhança do “Criador” que ele mesmo criou, portanto, este planeta é consequência do homem, que precisava de uma morada para criação divina, e não o contrário, quando analisados por esta ótica míope. Uma “verdade” muito conveniente para aqueles que se valem dela para justificar os maus tratos e a destruição do mundo a sua volta. Respeitar o espaço alheio é fundamental para que homem comece a entender sua própria verdade, está mais que comprovado que os métodos e técnicas de persuasão da verdade e da civilidade vêm falhando ao longo do tempo, não será fazendo parte do erro que o ser humano irá encontrar a verdade, uma vez que ela já esta posta à mesa, para ser degustada e apreciada pela razão e pelos sentimentos, que nada e nem ninguém virá aqui para revelar que o próprio “Deus” já revelou, que a tal “busca” está a menos de um passo de qualquer pessoa, e que para conseguir compreendê-la basta observar, refletir, perceber a verdade presente em cada movimento da vida. Ser livre para pensar por si só e edificar seus próprios conceitos, reformulando-os à medida que se vive. Agir de outro modo é como advogar para um assassino confesso, por mais elaborada que seja a defesa, o máximo que se poderá alcançar é uma redução da pena, mas o réu nunca estará isento da culpa de suas atitudes ou escolhas.

Será que ao ignorarmos as verdades presentes a nossa volta não estamos incorrendo no mesmo erro, advogando em causa própria, tentando encobrir os equívocos e preconceitos que admitimos como “verdades”, abrigando a mentira no seio de nossas vidas, ou pior, propagando as falsas verdades para aqueles que pela ingenuidade ou pela tenra idade se tornarão futuras vítimas de um sistema servil, que desde sempre vem fazendo uso da mentira transfigurada em verdade. Neste caso, somos todos advogados, réus e juízes, caberá a cada um ditar sua própria sentença, acatando as “verdades” que lhe pareceram mais convincentes.

Segue abaixo texto de autoria de Rui Barbosa especulando sobre a mentira.

"Mentira toda ela. Mentira de tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu, onde, segundo o Padre Vieira, que não chegou a conhecer o Dr. Urbano dos Santos, o próprio sol mentia ao Maranhão, e diríeis que hoje mente ao Brasil inteiro. Mentira nos protestos. Mentira nas promessas. Mentira nos programas. Mentira nos projetos. Mentira nos progressos. Mentira nas reformas. Mentiras nas convicções. Mentira nas transmutações. Mentira nas soluções. Mentira nos homens, nos atos e nas coisas. Mentira no rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos. Mentira dos caudilhos aos seus apaniguados, mentira dos seus apaniguados aos caudilhos, mentira de caudilhos e apaniguados à nação. Mentira nas instituições. Mentira nas eleições. Mentira nas apurações. Mentira nas mensagens. Mentira nos relatórios. Mentira nos inquéritos. Mentira nos concursos. Mentira nas embaixadas. Mentira nas candidaturas. Mentira nas responsabilidades. Mentira nos desmentidos. A mentira geral. O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela mentira, que se acaba por se não discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes não sabem se estão, ou não estão mentindo. Um ambiente, em suma, de mentiraria, que, depois de ter iludido ou desesperado os contemporâneos, corre o risco de lograr ou desesperar os vindoiros, a posteridade, a história, no exame de uma época, em que, à força de se intrujarem uns aos outros, os políticos, afinal, se encontram burlados pelas suas próprias burlas, e colhidos nas malhas da sua própria intrujice, como é precisamente agora o caso."
Associação Comercial do Rio de Janeiro
Obras Completas de Rui Barbosa. 
V. 46, t. 1, 1919. p. 31
Descritores: Mentira

Observações: Trecho da conferência "Às Classes Conservadoras". Autógrafo no Arquivo da FCRB.



4 comentários:

  1. Caro dialogador Luiz, bons dias, boas tardes e boas noites!

    Partindo do princípio que a palavra não é a coisa, a “verdade” não é a verdade, embora a “mentira” seja sempre mentira. Vou me esquivar de categorizar a verdade, mas não de tentar inventar a verdade verdadeira (kkkkkkkkk).

    Mesmo sendo menos que um neófito para a tarefa proposta, descarto as “verdades científicas”, pois estas são contestáveis, portanto provisórias, não podem ser a verdade verdadeira. A observação, fundamentada no empirismo, é a base para formulação das leis na ciência. A Mecânica Clássica cingia toda a verdade cientifica antes da Mecânica Relativista de Einstein. Nos últimos tempos a ciência tenta unificar a Mecânica Relativista (espaço-tempo) com a Mecânica Quântica (espaço-momento) para realizar o sonho de que a “verdadeira realidade” seja revelada. Será que conseguirá? A observação nos dá as teorias, mas também as derruba.

    Dando continuidade a “neoplasia” do meu enxerimento, menciono as diversas “verdades filosóficas” contempladas pela: Metafísica que trata da natureza da verdade; a Lógica que trata da preservação da verdade; e a Epistemologia que trata do conhecimento da verdade. Sem condições de imiscuir-me nessas “verdades filosóficas”, também as descarto de ser a minha verdade verdadeira.

    Como aprendiz de observador passivo, coloco novamente em pauta a observação no centro da questão da verdade verdadeira. Para isso recorro ao contexto das ciências da complexidade, mais precisamente a cibernética de segunda ordem, onde o observador e o observado são considerados inseparáveis. Diferentemente da cibernética de primeira ordem onde o observador e o observado são dois entes distintos.

    Décadas antes dos conceitos da cibernética começar a se estabelecer, nosso amigo JK insistentemente os expunha afirmando que “o observador é a coisa observada”. Vários desses aportes foram adotados e complementados pelo físico David Bohm, que por um bom período trabalhou em colaboração com JK. (O livro “A eliminação do tempo psicológico”, de Davi Bohm e J. Krishnamurti é a transcrição de alguns dos diálogos entre esses dois pensadores).

    Se “o observador é a coisa observado” como afirma JK e como é sustentado também pela cibernética de segunda ordem, a verdade verdadeira, ou seja, a minha verdade verdadeira é aquela que sou capaz de perceber. Espero que quando minha mente for capaz de se manter silenciosa, vazia de pensamentos, minha percepção de qualquer verdade serja direta, portanto verdadeira.

    É lógico que a mente pode ser bem mais facilmente ser esvaziada, de pensamentos desnecessários, depois de uma boa reflexão sobre esse seu texto. Outra vez você foi fundo na escrevinhada. Beleza de texto!

    Ah! Já ia me esquecendo de falar sobre a mentira. Bem, essa eu deixo para nosso especialista em mentiras, nosso apedeuto mor – o Lula. Este mente pra c......

    Abração,

    Roberto Lira

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    1. Boa noite Roberto,

      Desta vez meu caro, você se aprofundou bastante no comentário, levantando e suscitando questionamentos passíveis de uma tese.

      Verdade seja dita, também sou neófito e solidário, gosto de fazer minhas leituras e "escrevinhar" minhas "abobrinhas". Me ajudam e me estimulam a tentar compreender as vivências que venho experimentando. De certa forma consinto com suas observações sobre a parcialidade da verdade, mesmo daquela dita científica. Por outro lado, o texto em pauta, que diga-se de passagem intencionalmente controverso, tem que possuir alguns respaldo lógico, alguma verdade que pudesse ser "trazida à baila" para que o texto não ficasse vazio de alguma verdade, neste caso a escolha recaiu sobre a verdade científica, caso contrário, estaria renegando praticamente todas as verdades humanas.

      A mecânica quântica com suas teorias e hipóteses revolucionários realmente tem abalado os princípios da mecânica newtoniana, principalmente quando consideramos que este ramo da física esta se tornando interdisciplinar, mesclando conceitos oriundos da filosofia, psicologia, etc, adquirindo um viés híbrido, promovendo a fusão da lógica matemática ao relativismo das ciências humanas.

      Embora não tenha visto o filme todo, o filme "Quem somos nós", traz a cena vários aspectos contraditórios da existência humana. Grande parte dos assuntos que são tratados nesta "fita", foram inspirados nos escritos do físico espiritualista indiano Amit Goswami Ph.D em física quântica. Inclusive tenho que terminar de assistir ao filme (vale a pena, é muito bom).

      De certa forma, e talvez influenciado por JK, acabo surpreendendo-me com algumas posturas pessoais relativistas, procuro evitar condutas céticas, julgo muito módico ser cético. Tenho tentado me manter atento aos condicionamentos, as parametrizações que vivemos no dia-a-dia que fazem parte de nossa cultura. É inegável que as verdades mudem, se adequem, oscilem em função do ambiente, da época, da ciência e do contexto em que estão inseridas. Max Weber que aprofundou no campo da epistemologia, alega que as verdades serão sempre cientificamente verdadeiras, enquanto não forem rejeitadas.

      Quanto ao "observador é a coisa observada", penso que consciência, que é única, individual, condiciona nossa compreensão, ou seja, tendemos a querer entender ou compreender aquilo que observamos sob uma certa ótica pessoal, geralmente influenciados por algum condicionamento, conveniência ou consentimento, comprometendo um análise racional do observador sobre a coisa observada, em resumo, deixamos que nossos conceitos, juízos e valores, corrompam nossa observação do objeto em estudo, sendo o resultado uma mistura decorrente do interação entre estes dois objetos, mas no entanto não constitui uma representação do mundo real. Além disso, entendo também que essa visão deva ser holística, pressupondo conhecer o todo para posteriormente detalhar as partes. Então, conforme explanei, também consinto que o observador e a coisa observada são inseparáveis.

      Sou otimista, esvaziar a mente de um idiota inteligente não deve ser muito difícil.

      Sinceramente, estou tateando no quarto escuro para não bater a cabeça na parede, mas sou cabeça dura e persisto na minha caminhada, penso que já consegui uma companheiro para dividir as agruras do percurso e vamos que vamos.

      Para finalizar, concordo, o Lula mente pra caramba. Não deixe de ver a capa da Revista Veja desta semana. Você vai gostar.

      Um grande abraço,

      Luiz Otávio

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    2. Bons dias Luiz!

      É tudo isso aí que você manifestou e até mais, que eu ainda não percebi... kkkkk!

      Quanto ao filme inspirado nos escritos do Amit Goswami eu ainda não o vi. Já li dois livros dele: “A alma quântica” e “Universo Autoconsciente” e os tenho em PDF. Se você ainda não leu e tiver interesse em recebê-los eu te mando por email. Tenho também os PDFs dos diálogos de JK e Davi Bohm: “Eliminação do Tempo Psicológico” e “O Futuro da Humanidade”. Quando quiser mande as ordens, beleza?

      Abração,

      Roberto Lira

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    3. Boa noite Roberto,

      Como vamos?...

      Eis que as festas de fim de ano se aproximam, a cidade se enfeita, se alvoroça, o trânsito se torna um exercício de auto-controle, mas afinal, é Natal, e queiramos ou não é uma excelente oportunidade de estar com a família e se comprazer com outros seres que amamos.

      Pois é, portanto vou aproveitar a ocasião da oferta para confirmar que tenho interesse nos livros acima oferecidos, para que possa lê-los e armar-me com mais munições para peleiarmos sobre nossas reflexões.

      Me aguarde...

      Amigo Roberto, grande abraço e bons "sonhos".
      (que sono)

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