sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Celebração


Eis que mais um ano se completa, se encerra, termina. Mais que o transcurso de um tempo cronológico, esse período marca a derradeira conclusão de mais uma fase vivida, não importa como ela tenha sido, se foi boa ou se foi ruim, a relatividade destes conceitos é tão subjetiva quanto o julgamento que qualquer um faz da própria existência. Independente das opiniões que se tenha a respeito, é incontestável que este é um tempo sem volta, e submerso nas águas do passado, nunca mais emergirá. Mesmo que no ocidente essa época seja marcada por simbolismos e crenças, é inegável a relevância dela para todo mundo e o quanto as pessoas aguardam este momento de redenção para consultar seus calendários e planejar seus objetivos, muitas vezes iguais ou similares àqueles que as motivou em anos anteriores, anseios projetados que perderam seu vigor diante do obstáculo das fraquezas individuais. Esses 365 dias que fracionam a vida humana em dias, meses, anos, décadas e para alguns felizardos séculos, marcam de forma indelével os eventos registrados na história de cada ser humano sobre esta terra. Da comemoração do nascimento, da data dos aniversários, até o luto da morte, os anos que perfazem os ciclos da vida são recheados de todos os tipos de celebrações.


Mesmo o mais primitivo dos povos criou seus motivos, momentos especiais para festejar ao redor do calor de uma fogueira, uma simples caçada, por mais natural que fosse o mote, essa era uma oportunidade para confraternizar e estreitar os laços entre os membros da tribo e buscar para cada um, a partir do conjunto, a força e a coesão necessárias para se manterem unidos e confiantes em torno de si mesmos e da importância de sua existência dentro daquele contexto. A comunhão do grupo traz mais que conforto para o espírito, ela assegura aos seus membros o bem estar de ser querido, o poder de dar e receber o chamado calor humano, de fazer parte de um conjunto que defende, mas que ao mesmo tempo também o protege.



O parágrafo acima remete a nem sempre óbvia relevância prioritária que se deva dar a família, o clã que acolhe e resguarda seus entes, não porque compartilham o mesmo sangue, mas porque dividem seu amor e celebram juntas suas felicidades, dores e tristezas que a existência os impõe, portanto, desde a restrita célula familiar, essa necessidade de participar e compartilhar faz com que os seres humanos, de acordo com sua cultura e seus credos, estabeleçam suas cerimônias e confraternizações para comemorar seus mitos e datas importantes, posterizando as tradições ancestrais convenientes aos critérios e valores de uma determinada sociedade.



Cultura, política, crenças, é irrelevante saber sobre quais alicerces estão fundamentadas as celebrações de um povo ou nação, o mais importante é saber aproveitá-las de maneira consciente, ponderada, ter a certeza de que a vida pode e deve ser festejada sempre, em qualquer dia, todos os dias, independente das datas e épocas do ano.



Alguém precisa esperar que um ano termine para fazer planos e tentar realizar seus sonhos por mais ousados que sejam?



O bom senso indica que não.



Para maioria das pessoas, basta ter saúde e vontade para ir além, perseguir e persistir no intento do que cada um deseja para si, vencendo na medida do possível os obstáculos do caminho, contudo, sem deixar abater-se diante das dificuldades. O problema que aflige muitos é considerar normal esmorecer durante o trajeto, quando na verdade não é, ou não deveria ser. Existem muitos exemplos de seres humanos comuns, pessoas normais, que mesmo estando em uma idade mais avançada ou entrevados, vítimas de algum infortúnio do acaso, são exemplos de bravura e superação, gente encantada com a vida, que vivem e desfrutam de tudo como se fosse a primeira vez, sem medo de serem felizes, insistem em buscar o prazer de estar vivo, experimentar sem culpa e sem receios as novidades e delícias que o mundo oferece a todos ao despertar de cada manhã.



Esse momento de alegria, entusiasmo e valentia nada mais é que o desafio trivial que qualquer pessoa empreende ao acordar, o de vencer mais um dia, depois outro e outro, limitado apenas por uma sucessão finita ditada pela morte, mas até lá, o espírito de luta deverá prevalecer encontrando coragem e disposição na família, nos amigos, nas coisas próximas que fazem bem. A certeza do fim ao invés de ser um desestímulo, deve ser encarada como combustível extra para seguir adiante e prosseguir, revelando para terceiros o segredo de que sempre é necessário ir mais longe que se pensa para alcançar os objetivos individuais almejados para uma vida. Quem sabe, este longe não está tão distante e pode estar mais perto que se imagina?



Então, vamos celebrar todos os dias, porque este pode ser o último. Viver o presente, amadurecido pelas experiências do passado, com os pés no futuro, permite moldar e remodelar nossa essência humana, recriando-nos cada vez que percebemos que podemos melhorar algo, demolindo e reconstruindo a imagem que nos reflete, retocando os tons mais soturnos do caráter por outros mais luminosos e gratificantes, desfrutando da companhia, amando e aprendendo com as pessoas enquanto “estão”, experimentando o novo e comprovando que não é impossível mudar, fazer diferente, sair do lugar comum e ser feliz, porque a vida é tão longa quanto seu próprio instante.


Feliz dia novo...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Essência


Talvez jamais saibamos responder um questionamento tão presente quanto a própria existência humana, o quê ou quem somos nós? Desde que a capacidade de raciocinar permitiu aos homens formular perguntas sobre si mesmo, essa pergunta deve ser, sem dúvida, uma das mais constantes. A criatura humana por seu caráter bio-psico- espirutual, busca incessantemente por respostas, persiste ante a frustração de receber respostas vagas, carentes do respaldo lógico e científico que justifiquem a existência do espírito do homem com uma explicação plausível, laica, desprovida das verdades dogmáticas que muito pouco acrescentam ao crescimento intelectual do homem, subsídio mínimo necessário para concepção de um juízo sensato sobre esse assunto. As respostas prontas, “reveladas”, fundamentadas na duvidosa revelação do divino, trazem consigo além do conformismo de aceitar que as coisas “são assim”, o convite a internar-se num universo ideológico moldado para doutrinar o pensamento humano, cerceando a liberdade mais íntima que a Natureza lhe proveu, a de ser livre para fazer suas próprias escolhas, “conscientemente”, construindo sua individualidade baseada nas vivências pessoais, porém de forma isenta, sem vícios ou alienações de qualquer ordem, contrariando o que geralmente acontece, buscando sempre calcar respostas sobre o inexplicável, respaldadas pelos ensinamentos sagrados transmitidos por algum ser “irrefutavelmente” superior, cuja própria e controversa definição o reduz a mediocridade da “imagem e semelhança” do homem. Esta definição aviltante para com o Altíssimo, embora careça de substância e razoabilidade, lança sobre a humanidade uma centelha de esperança em sua possibilidade de redenção, associando-a a “essência divina” de sua criação, que sugere, consequentemente, uma pergunta: como pode ser o homem, diminuto, composto por matéria, a imagem e semelhança de um ser presumidamente imaterial, tão onipotente, que é capaz de abarcar o todo universo? Não que se esteja pondo em xeque a existência Dele, mas é uma indagação natural quanto à “revelação”, se analisada as vistas do raciocínio e da sensatez.

Cientificamente falando, o quê é um ser humano? Um amontoado de células que se arranjaram num organismo capaz de pensar. Por mais simplista e desalentadora que seja esta definição, nela existe uma verdade incontestável daquilo que realmente é o homem, pelo ou menos aos olhos da ciência em uma visão macroscópica; um animal inteligente. Mas nem tudo são espinhos nesse jardim, brindado com a capacidade de pensar, o homem pôde ir além dos instintos, mesmo se submetendo às restrições que o corpo físico lhe impõe, ele pode ponderar antes de agir, ou seja, pensar, agir “conscientemente” antes de tomar suas atitudes. Essa faculdade humana possibilita na grande maioria dos casos a probabilidade de prever as conseqüências de um ato ou atitude antes que sejam executados. Muito mais que uma vantagem biológica, permite ao homem construir coisas e alterar o ambiente que o cerca, concedendo-lhe uma prerrogativa exclusivamente humana, o direito de escolher seu destino enquanto criatura única, indivisível, pessoal; direcionando suas energias para os objetivos de sua “vida”, que podem ser bons ou maus. Talvez dentre esses “objetivos de vida” reside uma questão crucial para encontrar a essência que cada um quer para si, aquele constituído pela soma dos valores que se pôde amigalhar ao longo do percurso da própria existência, que auxiliados pela educação, moral, bom senso, etc., possibilitam cultivar aqueles de bem.

Seria ótimo se existissem apenas mundos perfeitos, onde somente os princípios mais nobres e elevados como a ética, o respeito, a honestidade, entre outros, se manifestassem, mas infelizmente para cada uma dessas qualidades existem seus contrários, antônimos, que de alguma forma devem ajudar a compor o equilíbrio que mantém essa essência, talvez imperfeita, de aromas que compõe a fugaz vida humana. Talvez se o homem vivesse nesse mundo onírico, estivesse mais ciente de sua própria miudeza, seres que perderam a noção de sua essência primordial de carne e osso, alimentados pelos arroubos da inteligência, que distorcida, os faz achar que são melhores e superiores, uma obra do divino que lhes avaliza a vida eterna, quando a existência da criatura humana não passa de um breve lampejo diante da história do universo, insinuando a insignificância dessas vidas perante a magnitude do cosmos.

Embora o homem possua noção de si mesmo e tenha conseguido modificar o ambiente que o cerca tentando adequá-lo as suas necessidades, muitas vezes destruindo mais que construindo, não muda o fato da indiferença para consigo e com os outros a sua volta. Sua percepção egocêntrica, muitas vezes supera a causa principal do que poderia ser parte de sua essência, ocultando suas qualidades mais notáveis à sombra da indiferença que compromete seu comportamento. Essa carapaça psicológica blinda a sensibilidade e os sentimentos humanos para com a vida, o mais caro dos presentes, tornando-a comum e ordinária frente a outros objetivos terrenos menos essenciais e somente ao final dela percebe-se o quanto eram supérfluos e dispensáveis. A dádiva de viver perdeu parte de sua relevância para o homem contemporâneo, mergulhado nas utopias das verdades supersticiosas ou na cegueira do materialismo crônico, isola-se na auto-suficiência de si mesmo e com seus sentidos entorpecidos, ignora a oportunidade de conviver e compartilhar suas experiências com outros que não se encaixam nos padrões de seu mundo comum, deixa de conhecer a essência alheia, enclausurado pelos preconceitos e verdades que elegeu como absolutas, furtando-se da possibilidade de aprender um pouco mais sobre si e a humanidade da qual faz parte, desprezando a chance justa que a Natureza lhe concedeu.

Ao percorrer os caminhos do destino é provável que vida humana reflita em sua trajetória o antagonismo que prevalece sempre como um divisor de águas, demarcando de forma invisível, porém real, a diversidade de culturas e credos momentaneamente indispensáveis para fecundidade do solo onde germinam diferentes mentes e diferentes mundos dentro de uma mesma Terra, o heterogêneo prepondera criando a diversidade que poderia temperar o caldo da evolução do homem, mas a pluralidade de pensamentos divergentes esbarra na incompreensão e na intolerância daquilo que deveria amalgamar e não desagregar a mistura do “bicho homem”, criando grumos, isolando, ao invés de unir a família humana. A situação pode ser ainda mais complexa quando se considera que pessoas que pensaram conseguir livrar-se das crenças e doutrinas cultivam a mesmas deficiências daqueles que tanto criticam, esquecendo-se da causa porque lutam; inconscientes de que estão corroendo sua própria essência frente suas atitudes. Muitas vezes o deboche permeia a conduta do homem “livre e intelectualizado”, fazendo-o esquecer de respeitar as limitações individuais, ignorando que ao menosprezar expressões do tipo “que Deus o ajude”, ele está incorrendo na ingratidão e na arrogância para com aquele que provavelmente manifestou seu sentimento com a melhor das intenções, de forma verdadeira e despretensiosa, mesmo sabendo que aqueles que veneram podem sucumbir à “tentação” do proselitismo. A superficialidade aparente do intelecto não é capaz de ocultar o vexame que se está exposto quando se desdenha da condição do próximo sem perceber a miséria da posição em que se encontra, confortado pela imaginária alforria e iludido com mediocridade da racionalidade superior, que não passam de um tênue reflexo frente aos questionamentos que sua própria existência lhe impõe.

A subjetiva liberdade, fonte de tantas controvérsias, existe na medida exata das verdades que cada um acredita, estabelecendo individualmente parâmetros relativos que estão vinculados as vivências pessoais do ser em questão, atrelando-o ao “modus vivendi”( concessão na disputa entre partes para permitir vida em conjunto) do espaço que habita. Esse encarceramento determina involuntariamente parte da essência do homem, fazendo com que ele crie seus próprios muros, turvando a mente para imparcialidade, impedindo-o de decidir fundamentado apenas nas evidências que vida lhe apresenta. O problema posto a mesa reside no fato de que ao pensar assim o ser humano elege para si uma personalidade que estampa as conveniências políticas, sociais e religiosas que julga procedentes, levando-o a agir de acordo com as convenções de terceiros e não em função se si mesmo, comprometendo sua forma de ver o mundo e como ele se relaciona com os outros. Essa compreensão cria realidades particulares que dificultam o entendimento da liberdade alheia, considerando-se que ao usar critérios pessoais, esse ser deixa de compreender as diferenças comportamentais que caracterizam a individualidade humana, portanto, ignorando que sua essência não necessariamente deve ser igual ou prevalente sobre a de outros iguais a ele.

Essa criatura inteligente, chamado homem, dito racional, inadvertidamente ou propositalmente assumiu uma posição espiritualista em relação à causa de sua própria existência, condicionando-a a transcendência da vida, no entanto, não há como ignorar a insuficiência destes postulados na medida em que essas afirmações se respaldam na maioria das vezes em narrativas vagas e carentes de uma comprovação mais ampla dos fenômenos em torno deste assunto, coisa que de certa forma contraria a aludida razão. Essa adesão as verdades dogmáticas suscitam uma série de interrogações a respeito da essência humana e da finalidade da vida dentro deste escopo. O conforto trazido pela possibilidade metafísica da vida após a morte poderia ser um dos motivos para tal, essa expectativa assegura aos crentes que mesmo padecendo dos sofrimentos da vida terrena, poderiam desfrutar do paraíso após a morte física, mais que uma esperança essa crença traz felicidade para muitos seres que não tem muito a que ou a quem se apegar justificando para estes a importância de sua essência “divina” fazendo-os conformar com os flagelos da natureza física que lhes é inerente, extrapolando as contingências da vida humana e transcendendo para além dela, logo, é mais que compreensível que o homem busque este tipo de alento, uma vez que felicidade é essencial enquanto energia motivadora para própria existência humana.

Mesmo que o cenário acima possa espelhar o pensamento que grande parte das pessoas tem de si mesmas, esse quebra-cabeça chamado “essência” continua incompleto. Nos dicionários a definição de essência é ampla, abordando todo tipo de significados, neste caso o mais adequado é: natureza íntima das coisas; aquilo que faz que uma coisa seja o que é, ou que lhe dá a aparência dominante; aquilo que constitui a natureza de um objeto, no entanto, o homem enquanto objeto possui uma série de peculiaridades que o destacam das outras criaturas deste planeta, fazendo também com que sua essência seja peculiar. O entendimento dessas características singulares faculta ao ser humano a compreensão de que ele é a essência dele mesmo enquanto indivíduo, e essa construção passa faltamente pelas experiências que a família, a cultura, as crenças, enfim, a vida lhe proporcionaram. Deste modo, não seria verídico afirmar que a essência humana é naturalmente boa e homogênea, esta teoria fracassaria na primeira pesquisa amostral que se fizesse de qualquer sociedade humana, demonstrando quão variado e divergente é o comportamento das pessoas em função das opções a que cada um teve acesso na construção do seu “eu” durante a vida e as consequências advindas do acúmulo dessas vivências.

Independentemente das escolhas que se faça, cada um é responsável pelo que é, exceto é claro, quando se sofre de algum distúrbio psicológico. Mesmo que esta afirmação soe demasiado categórica, observe que o excesso de complacência para com terceiros sempre tem limite, mas o contrário, no entanto, não é verdadeiro, sim, porque qualquer um é incansavelmente tolerante para com seus próprios erros. É exatamente essa postura falível que pode comprometer a essência do que se é, partindo do pressuposto que todo homem tem o direito ou a liberdade de agir de acordo com sua consciência. Essa premissa imputa ao individuo a responsabilidade sobre seus atos, assumindo o ônus da existência e o de vencer de maneira digna os desafios e problemas que vida lhe apresenta, deste modo, ser racional é asseverar que as atitudes sejam balizadas nas reflexões pessoais, fazendo com que os conceitos e valores morais sejam embasados e assimilados, permitindo fazer o bem a si próprio e aos outros, conscientemente, e não porque os postulados sagrados afirmam a necessidade de ser bom para se alcançar a salvação.

É possível que nunca consigamos definir com certeza o que é a “essência humana”, o espectro de fatores sociais, culturais, científicos e religiosos que intervém no significado dessas duas palavras é tão diverso que torna praticamente impossível redigir um parecer conclusivo sobre o assunto, contudo, se considerarmos que parte de nossa essência está associada às experiências e compreensões que tivemos da vida dentro de um contexto histórico particular regido pela “livre” atuação de nossa consciência em paralelo a um conjunto de eventos externos ao “eu” que não podem ser ignorados como elementos estruturais que contribuíram para construção de nossa individualidade de acordo com nossas crenças, necessidades e observações íntimas sobre eles num âmbito pessoal e social que fatalmente determinaram a adoção deste ou daquele critério em detrimento de outros, podemos afirmar com alguma margem de segurança que assim como o espírito, pressupondo sua existência, cada indivíduo, fundamentado pela sua formação e suas convicções, constrói sua própria essência.