sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Cultura da Barbárie



Civilização e barbárie essas palavras são mais que antônimos, guardam consigo um antagonismo profundo que vai além de seus significados opostos. Segundo o dicionário, a primeira é uma palavra imbuída de qualidades, isto é, abarca o grupo de pessoas ditas educadas, solidárias, predispostas a compartilhar e ajudar-se mutuamente para benefício do grupo, são aqueles que vivem em sociedade e respeitam o espaço e a opinião alheia, pré- requisito para civilidade, em resumo, possibilita a co-existência pacífica dos entre os membros que integram uma comunidade. Além das aglomerações humanas, a natureza está repleta de vários exemplos bem sucedidos da vida em sociedade, como as colônias de abelhas, que se caracterizam pela “perfeita” organização “social”, onde a parcela de trabalho de cada indivíduo é de vital importância, esse mecanismo cria uma rede de interdependências fundamental para manutenção da salubridade do ambiente onde vivem estes insetos. Mesmo agindo de forma instintiva, algum motivo as forçou a se organizar em prol da sobrevivência do conjunto, condicionando-as a se enquadrar nas normas que regem sua sociedade para que ela não se convertesse no “caos”, o que poderia dizimar toda colmeia. Paralelamente as sociedades humanas também pressupõem de certas condições muito similares, existe a necessidade de se adequarem a uma série de padrões instituídos para que possam tornar a convivência humana possível, estas normas sociais são necessárias para que o conceito de liberdade não se converta em anarquia. Em contraposição, a barbárie é o estado em que vivem, obviamente, os bárbaros, nome dado aos seres humanos desprovidos de uma cultura que os assegure um mínimo de civilidade, fazendo sobressair os instintos mais primitivos sobre a conduta do homem, fazendo aflorar a violência, a crueldade, a estupidez, em suma, sintetizando uma situação de anarquia onde o desrespeito as leis prevalece sobre o estado de direito individual e o cidadão de bem se torna refém da insegurança e do medo do próximo, como uma epidemia que se alastra desenfreada ameaçando tudo e a todos, indo além dos limites do suportável, cujo remédio deve ser ministrado de forma preventiva afim de se evitar que a moléstia não se propague ainda mais.


Não é segredo algum basta espiar em volta para observar como que o comportamento das pessoas vem se tornando cada vez mais frio, duro e ríspido. Sinal dos tempos, praga que assola o “estressado” e “fugidio” mundo moderno, lugar onde todos têm pressa e as pessoas se isolam cada vez mais, pouco importa o desespero ou a aflição dos menos afortunados, tudo isso sob o olhar contemplativo e tolerante dos governos, como o desenganado que cava a própria cova aguardando resignado pela iminente morte anunciada. O que está acontecendo com os homem e mulheres de bem, essas criaturas “conscientes”, privilegiadas pela inteligência que lhes faculta a capacidade de pensar, planejar e antever o futuro?  Estão cegos, incapazes de perceber a sombra que se abate sobre eles, inertes perante a tempestade que se configura no horizonte, esperando que a benevolente providência divina possa poupar-lhes do dilúvio que se aproxima.

Talvez não se trate de cegueira, este cenário parece ser mais preocupante, as pessoas estão se acostumando à barbárie, na contramão da evolução tecnológica que brinda ao homem os mais inimagináveis inventos a conduta humana tem regredido frente aos avanços da ciência. Embora não esteja em discussão o propósito da existência do homem, o fato é que ele é tem noção se si mesmo, é um ser consciente, capaz de aprender e adquirir novos conhecimentos à medida que amadurece. A ignorância é uma das mais perversas circunstâncias humanas, priva quem dela padece da liberdade de saber e conhecer a verdadeira realidade dos eventos que o cercam, incapacita e impede de ver a clausura que se encontra, torna sua vítima escrava do sistema fazendo com que ela adote gratuitamente qualquer ideologia, submetendo-a a selvageria das regras capitalistas que exortam como qualidade uma conduta competitiva individualista e desleal. Manipuladas ao bel prazer pelos governos, instituições e empresas que se aproveitam da ingenuidade das massas, torna-se fácil arrastar-lhes para o limbo da indiferença, que tudo tolera, tirando proveito da situação para minimizar a anormalidade vigente diante dos arroubos de ignorância e animosidade do comportamento humano.

Esta babel onde todos falam a mesma língua, mas ninguém se entende é o triste retrato de um ambiente social deturpado no qual as pessoas se vangloriam da ambição, da vaidade, da soberba e da ostentação, absorvidos pelo encantamento de uma cultura que enaltece valores equivocados e imediatistas, atribuindo a posse material, a riqueza e ao poder, o reflexo do sucesso da realização pessoal, é nesta realidade que as pessoas gananciosas se internam, lamentavelmente se esquecem das virtudes que caracterizam e devem nortear a essência comportamento humano, aquele que permite alcançar outro patamar e um tipo diferente de riqueza, as qualidades que dignificam e enaltecem a trajetória da existência humana neste mundo, legando aos descendentes um tesouro de valor inestimável.

Infelizmente a mídia também tem uma parcela de culpa considerável nesta situação. Claro que é papel da mídia divulgar e revelar o que acontece no mundo, no entanto, ao invés de difundir um modelo cultural “recomendável”, o que se pode ver hoje na maioria dos meios de comunicação de massa são programas recheados de piadas de mau gosto, imagens apelativas, coisas repugnantes e outros exemplos nada louváveis, quiçá inconfessáveis, do comportamento humano. Apenas a curiosidade da intromissão seria suficiente para motivar telespectadores a acompanharem frenéticos os desgastes psicológicos de um grupo de pessoas encarceradas numa gaiola chamada de “casa”, entrincheiradas no seu “ego” para não sucumbir à loucura que se submeteram. Essa abominável cultura da bestialidade e da indiscrição campeia sem restrições, da folha impressa à tela do computador, abrangendo todas as formas de propaganda, expandindo o repulsivo comércio do escárnio humano além dos limites da decência.

Mesmo no desporto o cidadão está sujeito a outras influências nefastas. O que dizer dos chamados esportes de contato, não há o que criticar quando se fala do Kung-Fu, do Karatê ou qualquer outra arte marcial, porém, o que se pode notar é outra coisa, vê-se o incentivo deliberado à indústria da luta, distante das características de uma prática esportiva, muito se aproxima de uma rinha entre humanos, digladiam-se mutuamente para auferir fama e algum dinheiro amealhado pelo movimento das apostas e pela demanda de um mercado ávido por violência. O poder das mídias é tão abrangente que é praticamente impossível conter sua invasão na vida das pessoas, mesmo na intimidade de seus lares estão desguarnecidas e indefesas, pouco podem fazer para poupar o interesse dos mais jovens, principalmente dos homens, por estes espetáculos dantescos, obrigando as famílias a reforçar a importância dos estudos, da leitura e dos valores mais elevados que conferem estatura a conduta humana, reiterando sempre que se deve ponderar com serenidade antes de agir e não se deixar influenciar por estas referências equivocadas.

Curiosamente, estas instituições aliadas aos meios de comunicação, a mesmas que difundem a comercialmente estupidez e a violência, veiculam mensagens que aludem a um comportamento mais prudente, coerente e sensato, por assim dizer, mais humano.

É difícil especular porque o fazem. Talvez uma compensação social pelo dano devastador que provocam nas mentes e na cultura de um povo ou meramente por hipocrisia. Chegam ao paradoxo de usar a imagem destes pobres “gladiadores” dos ringues numa campanha contra a violência nas ruas. Talvez não percebam a falta de sincronia entre a mensagem transmitida e a imagem da violência propagada em suas lutas durante um tempo desproporcionalmente maior, ainda que estes profissionais participem destas campanhas com a melhor das intenções, acabam por incorrer na contradição do que dizem com a figura emblemática do guerreiro que ostentam ser.

Até mesmo as religiões que deveriam ser o baluarte da moral e dos bons costumes tem sucumbido ao comportamento irascível do homem. Não são raros os casos de pregadores que contrariam as palavras que pregam diante dos fiéis no alto sagrado do altar, comparado ao modo que realmente agem e vivem. A imprensa frequentemente tem trazido matérias reveladoras que exibem toda sorte de absurdos que tem orbitado as instituições religiosas dos mais diferentes credos. Se não bastasse isso, o fundamentalismo religioso traz uma perniciosa polarização social, segregando as pessoas em “castas”, isolando-as em grupos de sectários desta ou daquela religião, propagando o afastamento e a desunião social humana e renegando a si mesmos. A intolerância religiosa é apenas uma das pontas desse “iceberg”, a reboque são trazidos a homofobia, o racismo, o fanatismo e o terror, acentuando as diferenças, disseminando o ódio ao invés do amor. Tudo é justificável em nome de Deus. Quanta incoerência. Mesmo que as religiões cumpram seu conveniente papel social, conformando os miseráveis com sua condição, por outro lado repele a ciência, o conhecimento e tudo aquilo que possa desgarrar as “ovelhas” de seu rebanho na busca pela “verdade”. O vale-tudo sacerdotal não tem limites, nem fronteiras, condenar os ateus e amaldiçoar os infiéis são uma praxe tão corriqueira que passa despercebida pela esmagadora maioria dos fiéis, que aplaudem sem pensar quaisquer devaneios proferidos em Vosso nome. Reféns da credulidade e insensíveis aos apelos da razão que lhes permitem distinguir a conduta reta, do preconceito; a falácia, da verdade posta à prova; os seguidores deixam-se influenciar pela discórdia semeada em suas mentes, regozijando-se na certeza egoística de fazer parte do seleto grupo de “escolhidos” que serão "salvos", convictos da punição divina que caberá aos demais, o purgatório.

O lazer e divertimento também não se estão livres desta ameaça, sob o amparo da tecnologia, qualquer um pode tornar-se um bandido, um assassino serial, um motorista criminoso em fuga. A indústria dos jogos eletrônicos também percebeu a potencialidade deste mercado de hostilidades e não perdeu tempo para abocanhar seu quinhão, contribuindo para incentivar ainda mais essa deplorável propensão humana. Pessoas com distúrbios psicológicos, psicopatas incapazes de gerir suas faculdades mentais, provavelmente mais sugestionáveis, podem converter-se numa personagem desses “games” violentos, não se trata aqui dos inofensivos “cosplayers”, mas aqueles que estão propensos a confundir os limites do jogo com a realidade, sem perceber incorporam a “personalidade” de uma personagem virtual no mundo real,  coisa que já aconteceu algumas vezes e provocou desastrosas conseqüências conforme noticiado.

A dança e a música também não escaparam e têm degenerado em detrimento da violência, novos ritmos e estilos “musicais” de gostos controversos, amparados pelo rótulo da inclusão social e a legitimidade do direito de expressão (manifestar e protestar) tem povoado as rádios, TVs e aparelhos de som portáteis com letras nada convencionais, que pouco ou nada contribuem para agregar algo de útil, isto quando não fazem apologia a luxúria, ao crime e ao uso de drogas, incentivando o afronto a civilidade, o bom comportamento social e as instituições que asseguram a liberdade do cidadão e o direito público, “deseducando” os jovens e comprometendo as gerações futuras.

Mas nada se compara ao trânsito como espelho da agressividade do comportamento humano, torturando as pessoas atordoadas pelos desgastes da labuta diária com a lentidão dos engarrafamentos das grandes cidades, faz aflorar os aspectos mais sombrios da personalidade do “homem”, não que as mulheres estejam imunes a raiva e a impulsividade, mas a natureza concedeu-lhes taxas menores de testosterona. Ainda que os hormônios possam influenciar parte do comportamento masculino, atribuir a culpa das cenas de estupidez que vemos nas ruas a eles é querer encontrar um “bode expiatório” para justificar a incapacidade de conter os próprios instintos e sentimentos negativos que sublimam a razão e a lucidez. Quanta dor, porque não dizer “vidas”, poderiam ser poupadas se a tolerância e a paciência fossem exercitadas como um ritual diário pelo o benefício próprio, como escovar os dentes, tomar banho, etc.

É possível que palavra decadência seja muito forte para o momento, mas a degradação da sociedade contemporânea é notória e pode ser observada no seu cotidiano, perdida e sem referências, como um barco a deriva, até o simples bom-senso já não é bastante, desprovido de padrões éticos de conduta o cidadão comum se perde no labirinto escuro da construção do próprio caráter e devido à carência das noções de respeito e autoridade não percebe a importância dos valores daquilo que realmente importa para construção de uma personalidade sadia.

A bola da vez é o meio ambiente, de fato todas as criaturas vivas deste mundo dependem dele para sobreviver, embora tenham seu mérito, as iniciativas para proteger o “ar”, a “água” e o “verde” não decorrem puramente da boa vontade alheia, mas porque são extremamente “visíveis”, tem forte apelo social, rendem uma boa vitrine de marketing e repercutem muito bem perante opinião pública, e isso ninguém questiona, mas e a boa “formação” do caráter do homem, qual a relevância do seu papel na construção da história da humanidade? Dar comida e abrigo aos portadores de deficiências incapacitantes, aos mais necessitados e os flagelados do clima, são obrigações dos gestores públicos, é para isso “também” que governos arrecadam impostos dos contribuintes, o problema é que medidas de natureza humana como estas são muito pálidas e não gozam da mesma visibilidade da anterior. A reconciliação do homem com sua essência humana deveria ser alvo de uma preocupação mais séria por parte dos governos, instituições sociais e empresas, porém, essa percepção ainda é muito discreta ou está sendo ignorada por conveniência, e se este for o caso, está missão passa a ser particular, é claro que o apoio familiar é fundamental neste tipo de formação, no entanto, algumas iniciativas são meramente íntimas, partem do âmago do sentir e do pensar, devendo ser levadas a cabo individualmente, como uma meta, algo a ser considerado com mais austeridade por qualquer pessoa que objetive melhorar a si mesma. Apesar do cenário não ser dos mais promissores, contudo, quando a tarefa atribuída é individual as chances de sucesso se tornam diretamente proporcionais ao esforço empreendido para realizá-la, comumente as pessoas fazem isso com suas vidas profissionais; então, uma vez ciente da possibilidade de se desenvolver e evoluir, qualquer homem ou mulher pode - se quiser - empenhar-se nessa luta e conquistar os louros da vitória, superando as próprias deficiências, indo além de suas expectativas pessoais, usufruindo simplesmente do bem-estar de poder ser cada vez melhor, e sabendo que se quisermos o dito popular: “pau que nasce torto, morre torto”, não passa de um estigma restrito ao reino vegetal.

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