sábado, 28 de julho de 2012

Anacrônico



   Essa palavra de origem grega tem significados que nos remetem ao passado e é utilizada com este objetivo na maioria das vezes, porém, ela esconde outro, aquele que a deu origem, o da aversão ao tempo, que denota a inconformidade, a desarmonia. Essa incompatibilidade é demonstrada das mais variadas formas: na mídia, nas artes, nos hábitos, na conduta, nos sentimentos, nas pessoas, nos pensamentos, etc. Esse equívoco temporal consiste basicamente no paradoxo da prática continuada de ritos ou atividades da antiguidade ou de uma determinada época em outro período da história e estão presentes em vários momentos da vida atual.

   Os seres humanos são aparentemente anacrônicos congênitos, desde seu nascimento lutam contra o tempo, ou contra seus efeitos sobre si mesmos. Quando jovens querem adiantá-lo, quando amadurecidos retardá-lo. Dificilmente chega-se a um consenso ou a um meio termo razoável. Embora pareça natural, o anacronismo interfere muito na vida humana. Quem há de não admitir que na sua conduta, não importa qual seja a origem do comportamento, que não sofreu ou sofre a interferência de uma crença, tradição, costume ou princípio fundamentado em outra época, ou num outro instante da história e nunca se perguntou porque o faz? Inconscientes, as pessoas tendem a seguir um conceito cegamente, sem saber a razão do por quê o fazem. Muitos podem afirmar que é por tradição, mas justificativas dessa natureza são tão vazias quanto os argumentos que podem ampará-las, geralmente verdades dogmáticas, duvidosas, que não encontram eco no mundo real, mas que tem sua veracidade respaldada pelo inquestionável divino. A adesão a esses valores é comum, e talvez permaneça assim enquanto existirmos, afinal é fácil argumentar que não seria possível evoluir sem se fundamentar nos conhecimentos angariados no passado, a duras penas. Geralmente, as bases do comportamento moral de um povo são como o vinho, ganham "corpo" com o transcorrer dos anos e demandam um longo período de tempo para uma boa maturação. Mesmo que as culturas humanas sejam fruto de um processo lento e sedimentar, ele não é infinito. Realmente sabe-se que ninguém seria capaz de criar ou assimilar todo conhecimento de um povo de um dia para o outro, o conhecimento é acumulativo, residual, vai sendo transmitido geração após geração, e paulatinamente vai se depositando nas mentes dos jovens para que no futuro façam bom ou mal uso dele, entretanto, a sensibilidade, mais aflorada nas mulheres, e que tantas vezes auxilia e norteia as atitudes humanas, não é observada, passa despercebida. Não se deve ignorá-la em detrimento do rito, da tradição, ou até mesmo da razão e do conhecimento. Qualquer tipo de adestramento mental é pernicioso, ele cerceia o pensar, cristaliza a verdade, impossibilita a percepção do todo e turva a visão da realidade. Apesar de ser discutível,  a misteriosa intuição desperta, incita e ativa as pessoas para o questionamento.

   A sensibilidade é uma faculdade humana que pode e deve ser cultivada, pois aguça a percepção e permite enxergar mais além. Agora, neste século XXI, existem vários exemplos gritantes da defasagem evolutiva humana, em muitos casos ela decorre da manutenção de rituais e doutrinas que condicionam o comportamento humano contrapondo-o não só a evolução científica e tecnológica, mas atrelando pessoas a hábitos, penitências e sacrifícios inócuos em nome da crença, como se isso constituísse a vontade de Deus. O sucesso no empreendimento da vida é uma tarefa meramente pessoal, terrena. Ao atribuir ao Eterno os êxitos obtidos aqui, o homem subestima a si mesmo, diminui-se frente a empreitada de viver e negligencia os esforços empreendidos para vencer a batalha de cada dia com dignidade, menosprezando seu valor e o próprio trabalho.

Época de antagonismos, marcada por descompassos, onde a ciência e tecnologia coexistem com a violência e a brutalidade. Embora sol nasça para todos, infelizmente brilha mais para alguns. Pessoas que tiveram o privilégio do acesso e priorizaram o saber, estão mais aptas e menos sugestionáveis que aquelas menos favorecidas, podendo tornar seus sonhos numa realidade palpável. Através da educação e do saber, é possível alcançar a alforria necessária para que menos pessoas se deixem influenciar por normas e valores incompatíveis a este tempo e que não condizem mais a realidade. O "saber" provê segurança e confiança em si mesmo, faz com que indivíduos antes indefesos não se deixem manipular por outros, como aconteceu com os escravos libertos que não partiam, não porque não tivessem para onde ir, mas porque desconheciam a liberdade. Livrar-se de pessoas que se aproveitam da ingenuidade alheia é uma prerrogativa básica para acabar com orfandade mental que aflige o homem “moderno”, coisa tão evidenciada por aqueles que abominam a liberdade de pensar, principalmente quando alguém demonstra querer ou pretende caminhar sozinho, estão sempre a espalhar o "medo" no intuito de desencorajar a tomada de uma decisão primordial, a de conceder a si mesmo o direito da descoberta de suas próprias verdades e caminhos, um desafio que é único, singular e pessoal.

   Desde o surgimento do papel impresso, coisa que possibilitou o acesso das pessoas a forma de pensar das outras, o ser humano tem a possibilidade de de confrontar ideias, repensar e elaborar as suas, aprender a “andar” sozinho, claro que haverá percalços e tombos durante o trajeto, mas a vida é assim, e não é de agora, isso sempre nos acompanhou desde os primórdios da humanidade até os dias de hoje. O problema é descobrir por que não existe sincronia entre o desenvolvimento pessoal, intelecto e ciência, onde está a divergência? A inteligência humana permitiu alcançar o espaço, descobrir as partículas subatômicas, fazer coisas impensáveis, será que não esta na hora de acordarmos para a realidade e usufruir dela? Despir-se dos preconceitos e lançar mão da fartura de informações a que temos acesso para criar nossos próprios conceitos, valores e compreensões, quebrar paradigmas e rever nossas posturas diante da vida à luz da sensatez. 

   Ao nascermos, felizmente ou infelizmente, a areia da ampulheta da vida começa a escorrer, o tempo não para, se estamos conscientes disso é outra história, o fato é que ela é finita, portanto, devemos aproveitá-la com honestidade e da melhor maneira possível, mesmo que estejamos contaminados pelo anacronismo, mas pelo ao menos teremos a oportunidade de fazer o bem, de progredir, de ser feliz, e se estes motivos não forem bastantes, não sei o quê mais poderá sê-lo.

3 comentários:

  1. Boas dias, Luiz!
    Suas cavoucadas continuam fundas. Este texto é oportuno, instigante e para mim, especialmente, estimulador.
    Cultivar a sensibilidade que você se refere, que “aguça a percepção”, e que, ainda, “desperta, incita e ativa o ser para o questionamento”, é no que procuro colocar minha atenção. Para quem já não mais corre atrás da evolução científica e tecnológica para sobreviver e que compreende a necessidade de uma revolução na nossa sociedade, é essencial que desperte para essas verdades que você aponta neste texto.
    Para quebrar paradigmas e rever a postura diante da vida no campo psicológico, também vejo como você, é essencial que o individuo caminhe com suas próprias pernas. Desse modo, o modus operandi deve ser pessoal, intransferível, e sem nenhum modelo pré-formatado. E vamos que vamos fazer essa revolução pessoal!
    Um abração,
    Roberto Lira

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  2. Boa tarde Roberto,

    Realmente gosto de cavoucar, mas você também, se me permite a afirmação.
    Certa vez um parente meu, diga bastante espiritualizado, hoje, não mais aqui, se manifestou a mim falando a respeito da sensibilidade. Na época não compreendi muito bem sua fala, talvez por falta de maturidade, mas o tempo fez sua parte e me possibilitou o entendimento a respeito da tal palavra. Lhe serei "eternamente" grato.
    Agradeço o uso da palavra "verdades" em sua manifestação, mas são simplesmente percepções, nesse aspecto a logosofia muito me influenciou, sinto-me envaidecido por tais comentários, e este blog tem sido um ótimo campo experimental para mim. Estudando e analisando meu comportamento e o reflexo no meu mundo mental.
    Quanto a caminhar pelas próprias pernas, reforço meu agradecimento a você, porque desde as primeiras "peleias", vem me alertando para o condicionamento e sua perniciosidade. Continuemos então nossa revolução.

    Grande abraço,

    Luiz Otávio

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    1. É isso mesmo. Continuemos, ou pelo menos procuremos ser revolucionários.

      rjtl

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