terça-feira, 31 de julho de 2012

Ceticismo Inteligente


Desde que o ser humano começou a "pensar", ou seja, passou a utilizar o raciocínio em benefício próprio, alguns, mais perspicazes, começaram a tirar vantagem de suas faculdades mentais mais aprimoradas para liderar e se destacar frente ao restante do grupo munidos de menos predicados. Dotado da razão, o homem primitivo começou a organizar sua sociedade, então precisava gerir esse grupo, daí surge a necessidade de criar mecanismos capazes de estabelecer um comportamento social para "civilizar" a "massa". Desprovido do conhecimento científico, por conveniência, percepção ou algum motivo inexplicável, começou a intuir sobre a existência de algo metafísico, divino, um ente superior capaz de explicar todas as indagações que sua inteligência suscitava e não era capaz de compreender e menos ainda de explicar. Poderia ser pura e simplesmente a manifestação de um interesse particular ou realmente pairava sobre sua mente uma suspeita sobre sua origem desconhecida? Consequentemente o homem vem experimentando ao longo de sua história neste planeta as mais variadas crenças, a adoração ao fogo, ao sol, aos animais, criaturas antropomórficas, etc. A ciência antropológica é fartamente recheada de registro que atestam a variedade de seres e objetos de adoração que foram adotados durante fases da história humana, esse períodos podem durar poucos anos, dezenas, centenas ou milhares. É bastante provável que sempre haverá uma crença disponível ao homem durante a existência de sua espécie. Cabe perguntar, se foi facultada ao homem a inteligência, prerrogativa que lhe concede a razão, a propensão a credulidade em divindades teria se originado de onde e por quê? Qual o segredo contido nos arcanos do cérebro que despertaram a necessidade de encontrar o criador? Seria a criatura humana um ser realmente metafísico, dotado de corpo e espírito? A recorrência deste tema também inspirou a sétima arte, vários filmes de ficção científica aludiram ao assunto em diversas "fitas", como no longa metragem que estreou a saga Jornada nas Estrelas nas grandes telas, que narra a aventura de uma máquina terrestre (sonda espacial Voyager1) que vagando pelo espaço adquire "consciência" e parte  pelo universo afora em busca de seu criador, até chegar às fronteiras do sistema solar e finalmente à Terra.

Incontinente, a inteligência suscitou outros questionamentos que alertavam a razão que não se deve conformar ao comodismo das respostas prontas derivadas das crenças. Cientes desse sentimento, filósofos gregos deram origem a uma corrente de pensamento intitulada “ceticismo”, que consistia basicamente na procura do saber verdadeiro, que não se contentava com as verdades dogmáticas, ansiava por uma explicação sensata para os fenômenos da natureza que o homem observava a sua volta.

De acordo com os dicionários, é possível citar alguns significados para "ceticismo".

sm. Qualidade de quem é cético; atitude daquele que duvida de tudo; descrença.
Filosofia. "Doutrina" que se baseia na suspensão dos juízos afirmativos ou negativos, sobretudo em matéria de metafísica: Pirro defendia o ceticismo universal.
Pirro de Élis (360-275 a.C.), filósofo grego e um dos mentores do ceticismo.

Ironicamente a palavra "doutrina" que aparece no significado do ceticismo filosófico, que precedeu o ceticismo científico, têm, no entanto, certa convergência com o significado palavra dogma, que remete a convicção adotada com fé, em síntese, crença.

De fato, o conceito filosófico grego de ceticismo que versa sobre a “verdade” é bastante complexo, principia por afirmar que é praticamente impossível ter alguma certeza absoluta em relação a verdade, por outro lado, querer ignorar deliberadamente a paranormalidade ou o metafísico, contraria sua premissa básica, o da impossibilidade da certeza absoluta, o que não invalida de modo algum a predisposição ao questionamento e a dúvida, que asseguram a liberdade de pensar, opondo-se ao restritivo dogmatismo.

O ceticismo-científico incorporou de seu antecessor a postura crítica diante do mundo e da percepção sobre a natureza das coisas, objetivando a aquisição do conhecimento focado na obtenção de resultados que permitam corroborar ou invalidar certo experimento, conforme preconiza o método científico.

Apesar do conhecimento humano não ser capaz de abarcar todas as respostas que buscamos, limitado pela tecnologia disponível, temos que nos resignar  a essa condição, afinal a onisciência é uma virtude dos deuses, mas estamos avançando e nos desenvolvendo, aprendendo coisas novas, conseguindo compreender cada vez mais e mais, felizmente temos consciência da infindável quantidade de coisas que esperam por ser descobertas e compreendidas. Será que o desespero da sede por respostas e acometidos pela impaciência, poderiam impelir o homem a ir além do ceticismo?

Crença e ceticismo, assuntos ancestrais, controversos e ainda assim tão contemporâneos.  Quais são angústias humanas que fomentam a adoção dessa ou daquela postura, como satisfazer essa necessidade? Uma pergunta difícil de ser respondida? Seria tão simples admitir qualquer coisa a luz dos dogmas, ou então, negar, negar tudo, tanto quanto a admissão, a negação também é simples, prática e imediata. Agora sim, temos duas respostas divergentes para mesma questão.  

O excesso de confiança na crença e o ceticismo extremo possuem uma relação muito mais íntima do que antagônica, essa proximidade se deve a fato que ambos são duros, inflexíveis, ortodoxos e retrógrados. Coexistem em ambos o espírito da intransigência pura, espontânea, aquela capaz de tolher o juízo e paralisar a razão. Dois lados de uma mesma moeda, esse comportamento conduz sempre ao mesmo destino, o da intolerância e do repúdio as diferenças. Muitas vezes essa faceta se apresenta como uma deficiência psicológica, evidenciada quando os portadores dela se sentem pessoalmente ofendidos quando alguém  tenta lhes expor outro ponto de vista. Esta posição destrói a dúvida, mola propulsora da evolução humana e impede a atuação da inteligência como mediadora do conflito entre a crença e o ceticismo. Tanto um quanto o outro, são igualmente maléficos a concepção de um conceito justo e imparcial de nossas percepções humanas. Como uma patologia auto-imune, neste caso, que só pode ser tratada por si mesmo, diagnosticar a própria moléstia e se predispor a combatê-la constitui um grande passo a caminho da cura. Embora algumas evidências sejam mais que óbvias e os argumentos irrefutáveis, a vaidade nos persuadi a insistir no descrédito da opinião alheia, ignorando a prudência e dificultando o restabelecimento da “saúde”. Portanto, é aparentemente "saudável" se manter afastado dos radicalismos, sejam quais forem.

No século XIX, James Russel Lowell, um escritor e poeta estadunidense, afirmou: “Um ceticismo prudente é o primeiro atributo de um bom crítico.”, certamente ele tem razão, o exercício da prudência, exige atenção, cautela, ponderação, esses requisitos são fundamentais para qualquer manifestação sensata da crítica.

Somos naturalmente céticos, uns mais, outros menos, mas ainda assim o somos. Um dito popular retrata muito bem essa postura: “quando a esmola é grande, o santo desconfia”, essa simples frase resumi nosso ceticismo, aquele balizado no bom senso, que alerta para não aceitar gratuitamente tudo que nos é apresentado, mas não somos perfeitos, podemos ser céticos para algumas coisas e crédulos para outras. Encontrar esse ponto de equilíbrio é a parte mais árdua da tarefa, ser suficientemente cético para não cair na ingenuidade e razoavelmente crédulo para não se tornar arrogante. Essa ambiguidade conflitante nos faculta estabelecer parâmetros e filtros para distinguir aquilo que deva ou não ser considerado, se é passível ou não de aprofundamento, algo que realmente mereça uma atenção especial. Quando admitimos essa premissa, nos permitimos, no mínimo, a analisar uma evidência apresentada, e aí sim, sob a luz do entendimento, da constatação, acatar ou ignorar o que nos foi proposto sempre resguardado pela razão, procurando agir conscientemente.

Seria ótimo se fosse tão simples, e os mistérios que ainda não foram explicados pela ciência, abrangidos pelo chamado fenomênico, como aplicar o ceticismo sobre eles? É exatamente sobre esta pergunta que se amontoam uma infinidade de questionamentos do homem e outra infinidade de respostas vazias. Talvez algum dia encontremos todas as respostas, mas enquanto este dia não chega, muitos tem optado pela prudência da neutralidade, aguardando pacientemente que seja encontrada uma resposta sensata, plausível. Existem pessoas que se dizem capazes de ter uma percepção transcendente, felizardos que experimentaram, sabe-se lá como, a subjetiva “Verdade” proveniente do divino, contudo, devemos nos manter atentos para não sucumbir à inércia e ao conformismo, coisa que não nos levará a lugar algum, senão aquele onde já estamos, negando a si próprios a possibilidade de se libertar e quem sabe, encontrar respostas.




2 comentários:

  1. Bons dias Luiz!
    Estou tentando incorporar este seu “Ceticismo Inteligente” com simplicidade, se é que é possível. Consinto com sua compreensão de que a crença exacerbada e o ceticismo extremo são, como diz o dito popular, “farinha do mesmo saco”. Também, consinto que qualquer uma das duas posições não favorece os questionamentos sobre “o que é”, tão necessário para que “o fato”, “a verdade”, seja compreendido(a).
    Quanto a encontrar respostas objetivas para as questões que são suscitadas na observação dos fatos psicológicos, tenho procurado apenas compreender “o fato” sem me ater a uma resposta objetiva. Quando há compreensão, está me leva a agir e, ponto final, o que se segue é uma atenção passiva. Ou seja, como você manifesta: “nos manter atentos para não sucumbir à inércia”.
    E vamos que vamos “vagabundear”!
    Abração,
    Roberto Lira

    ResponderExcluir
  2. Bom dia Roberto,

    Realmente a compreensão é o farol que nos guia nessas águas turbulentas. Sem ela, não há como afirmar seguramente que se tem consciência da ação realizada, ou seja, agir sob o impeto da ignorância pode trazer consequências desastrosas. Infelizmente, já pude comprovar (algumas vezes) essa afirmação. Tento me manter atento, mas nem sempre é possível. Navegar é preciso.

    Grande abraço,

    Luiz Otávio

    ResponderExcluir